O SUS que existe no papel pode também existir na prática
Diário da Manhã
Publicado em 31 de maio de 2017 às 02:08 | Atualizado há 8 anos
Ela tem um plano. Audacioso e, como ocorre em toda ruptura, impopular. Com a bagagem de quem fez história na Medicina, Fátima Mrué, escolhida pelo prefeito Iris Rezende (PMDB) para a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), desafia-se agora a buscar um novo paradigma para a saúde pública em Goiânia. Médica oncologista, pesquisadora, docente e cientista renomada por criar um inovador biomaterial, feito à base de latex, capaz de cicatrizar feridas de forma rápida e de reconstituir esôfagos e tímpanos perfurados; ela quer incluir a administração da Saúde na lista de projetos bem-sucedidos que coleciona.
Com exclusividade, Fátima Mrué contou ao Diário da Manhã sobre os planos que tem para a saúde de Goiânia, fez um balanço dos primeiros meses à frente da administração, garantiu não se intimidar com críticas e que segue com muita coragem para implementar as mudanças necessárias. “Só estou aqui porque sei que posso mudar para melhor a saúde pública de Goiânia”, garante.
Entrevista
Diário da Manhã – A senhora é uma cientista renomada, premiada pela criação de uma espécie de curativo de borracha, uma membrana capaz de fechar ferida e reconstituir esôfagos e tímpanos. Construiu uma respeitadíssima carreira na área médica. O que a levou e o que a motiva a gerir a Saúde pública de Goiânia?
Fátima Mrué – Primeiro, eu sempre trabalhei no SUS (Sistema Único de Saúde) e vi nele um SUS que é belo no papel, mas não funciona na prática. Segundo, a sinceridade do prefeito Iris Rezende, ao me convidar para assumir a Secretaria de Saúde de Goiânia, me motivou de forma inenarrável. A intenção dele de quebrar paradigmas, de fazer a saúde funcionar. Sinceramente, eu fiquei muito sensibilizada ao ouvi-lo falar que Goiânia não suporta mais gente morrendo nas portas dos Cais. Um advogado, uma pessoa que não é da área da saúde, falar isso, me fez sentir constrangida. A isso, somou-se minha vontade de mostrar que o SUS que existe no papel pode também existir na prática e com qualidade. Tenho certeza absoluta que pode.
DM- De forma geral, quais são seus planos para qualificar a saúde pública em Goiânia?
Fátima – O projeto que tenho para a Saúde de Goiânia converge para a reordenação lógica, geograficamente planejada e de acordo com o que preconiza da Organização Municipal da Saúde, de todas as unidades de atendimento à população. Hoje todas as unidades estão dispostas de modo aleatório, sem critério, sem um planejamento que leve em conta quantas pessoas habitam aquela região. Por isso, o cerne do plano que defendo passa pela readequação geográfica das unidades de saúde por população. Devemos começar pelas unidades básicas, de atenção primária, considerando o posicionamento delas a partir de estudo populacional. Depois, vamos inserir um hospital secundário para determinado quantitativo de unidades básicas. De modo geral, a proposta ainda inclui um complexo de nível terciário, a adoção de serviços próprios em complexidade crescente, entre outros.
DM- Essa reestruturação também passa necessariamente para investimento em pessoal. Como está hoje o quadro da Secretaria Municipal de Saúde?
Fátima – Já contratamos 471 médicos, cerca de 60% desse total são profissionais que renovaram contratos, que já atuavam na nossa rede; o restante são novos médicos. Considero uma grande vitória. O efeito prático disso é que melhoramos a quantidade de médicos em nossas unidades, reduzimos significativamente o número de faltas e criamos um sistema de escala que garante cobertura em nossas unidades 24 horas. A pediatria é um bom exemplo dessas mudanças. Até o ano passado, a presença de médico pediatra nas noites dos finais de semana, de sexta-feira a domingo, era irregular, não era frequente. Agora, nós já concentramos pediatras nos Cais de Campinas e Novo Mundo, escolhidos pela demanda histórica da região. É um grande avanço para a população. Mas ainda não estou satisfeita. Minha meta é paulatinamente chegar a termos cinco médicos por turno em cada unidade de urgência, sendo dois clínicos-geral, um cirurgião e dois pediatras. Por outro lado, vamos começar agora, já na próxima semana, a investir na capacitação dos nossos profissionais, de todas as áreas, por meio de cursos. Queremos melhor o atendimento por completo e isso perpassa investimento em infraestrutura, tecnologia, contratação de pessoal e qualificação dos nossos profissionais.
DM- E como a senhora pretende chegar a esse quantitativo de profissionais que será necessário com a ampliação das unidades?
Fátima – Vamos fazer concurso público, processo seletivo e, eventualmente, se necessário, realizar chamamentos até termos a quantidade de profissionais necessária ao nosso projeto. Apesar de já termos um quadro mais equilibrado em relação ao que encontramos quando assumi a secretaria, em janeiro deste ano, em um futuro breve será preciso novas contratações porque vamos ampliar nossas unidades, de modo a termos cinco consultórios em todas as 24 horas, hoje pouquíssimas têm essa quantidade; e construir novas outras.
DM- A senhora falou em construções e ampliações de unidades, mas muitas das que já existem na Capital têm problemas físicos. A prefeitura vai investir nestas unidades?
Fátima – Sem dúvida. Estamos finalizando um plano de reforma das nossas unidades que deve trazer como novidade o fato de a população não perder o atendimento por causa das obras. Dedicamos os últimos meses a mapear as unidades por meio de avaliações técnicas feitas por engenheiros e arquitetos para entendermos qual a realidade de cada uma para traçar nosso plano de ação. Temos um projeto sólido para a melhoria da saúde. As poucos as pessoas vão perceber as mudanças positivas decorrentes desse planejamento global que propomos.
DM- As mudanças já implementadas têm gerado muitas críticas. Como a senhora lida com elas?
Fátima – Refletindo, dialogando e, sobretudo, ponderando sobre elas, sobre de onde vieram e porque elas foram feitas. Muitas vezes elas não são frutos do trabalho em si. Há motivações pessoais, políticas, entre outras. Também podem ser decorrentes do fato de não terem uma visão holística do projeto, de só terem um recorte do que foi planejamento; do próprio fato de afetarmos a zona de conforto de algumas pessoas ou mesmo de faltar empatia. Tenho que filtrar tudo isso, considerar as que são pertinentes e relevar as outras. Claro que eu erro, como todo ser humano. Não sou dona da verdade. Mas preciso ser convencida de que há um caminho melhor. Não basta, por si só, achar isso ou achar aquilo. É preciso ter argumentos consistentes. Críticas não me desmotivam. O propósito que me trouxe até aqui é muito maior do que elas. A missão que o prefeito Iris Rezende me deu e o meu compromisso com ele são maiores do que as críticas. Pretendo manter o foco e, por meio de um trabalho incansável, ir reduzindo incompreensões, insatisfações e reclamações por estarmos alterando estruturas, mudando a lógica das coisas. Tenho convicação de que a reestruturação é possível e, para isso, mudanças são necessárias. Só estou aqui porque sei que posso mudar para melhor a saúde pública de Goiânia.
DM- Das mudanças já feitas, além da maior presença de médicos nas emergências, quais já podem ser percebidas pela população?
Fátima – A presença da Guarda Civil Metropolitana nas nossas unidades 24 horas é um desses avanços, inclusive com disponibilidade na internet da escala dos guardas. Conseguimos economizar, até agora, cerca de R$ 1 milhão por mês. Dinheiro que antes era utilizado para pagamento de super salários, agora poderá ser investido nas unidades, no próprio plano de melhoria estrutural que nós temos. Posso citar também, além do aumento no número de médicos, da redução na quantidade de faltas, da presença de pediatras nos finais de semana e do ponto eletrônico facial que estamos testando, a adesão da secretaria ao Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade na Atenção Básica (Pmaq), do Ministério da Saúde, que aponta, por meio de uma série de indicadores, o caminho para que os gestores melhorem a qualidade dos serviços de saúde oferetados aos cidadãos nas Unidades Básicas.
DM- E quais as mudanças que a população pode esperar para breve?
Fátima – O recadastramento do cartão SUS. Hoje, existem mais de R$ 1,5 milhão de usuários cadastrados em Goiânia com o cartão SUS. No entanto, a população estimada para a Capital é de 1,4 milhão. Queremos corrigir essas distorções. Sem contar que estudos internos indicam que 68% da população de Goiânia é atendida sem o cartão do SUS. Só 32% dos usuários é que apresentam o cartão. Além disso, há a população do interior do Estado que é atendida na Capital. Em média, 57% das pessoas vindas do interior não têm cartão do SUS. Não vamos negar atendimento para as pessoas que moram em outras cidades, de jeito nenhum, mas isso é um problema porque sem a declaração do endereço correto, da cidade de origem, não temos como enviar aos municípios a cobrança do serviço que prestamos. A conscientização de todas as pessoas sobre isso é muito importante para que Goiânia tenha condições de atender mais e cada vez melhor. Afinal, acho que isso é o que une a todos nós, é o que temos efetivamente em comum, a vontade de ver o serviço público de saúde atendendo bem todos os usuários.
” Hoje todas as unidades estão dispostas de modo aleatório, sem critério, sem um planejamento que leve em conta quantas pessoas habitam aquela região. Por isso, o cerne do plano que defendo passa pela readequação geográfica das unidades de saúde por população” ” Claro que eu erro, como todo ser humano. Não sou dona da verdade. Mas preciso ser convencida de que há um caminho melhor. Não basta, por si só, achar isso ou achar aquilo. É preciso ter argumentos consistentes. Críticas não me desmotivam” ” Acho que o que une a todos nós é o que temos efetivamente em comum: a vontade de ver o serviço público de saúde atendendo bem todos os usuários”]]>