Paraísos infernais
Redação
Publicado em 14 de abril de 2016 às 02:05 | Atualizado há 2 semanasSão drogas potentes que matam em pouco tempo
No ano de 2009, uma overdose de Fentanyl matou o guitarrista Jay Bennet, da banda americana Wilco. O músico tomou a droga para livrar-se de uma dor de cabeça lancinante. O remédio o matou. Atualmente, o Fentanyl é proibido nos Estados Unidos da América. É 100 vezes mais possante que a Morfina.
Uma droga igualmente possante entrou na pista. Segundo reportagem publicada pelo londrino The Guardian, esta semana, a nova droga ainda não está na lista das substâncias ilegais. O chamado W-18 é uma dos milhares de opiláceos sintéticos que os laboratórios de fundo de quintal da China vem exportando para os EUA e Europa. O Fentanyl, já proibido nos EUA, é também um opiáceo, como a morfina, só que 100 vezes mais poderoso do que aquela. Como todo opiáceo, deprime o sistema nervoso, anestesia o corpo e provoca sensações de prazer. Mas é viciante e causa dependência física e mental. Em doses elevadas, ataca o coração e leva à morte.
Outro opiáceo, que está entrando agora em moda, é o U-47700. É considerado oito vezes mais forte que a morfina. Apesar de bem mas leve que o W-18 e o Fentanyl, é também muito perigoso. Este U-47700 foi responsável – informa The Guardian – por ocorrências de overdose em 10 estados americanos nos últimos seis meses. Segundo o diário londrino, o abuso continua crescendo.
Barry Logan, diretor executivo do Center of Forensic Science and Education, Flórida, afirmou que somente o seu laboratório rastreou 17 casos de overdose de U-47700 na Flórida e no Texas, algumas provocando hospitalização e, em alguns casos, mortes. Não se informou quantas mortes esta droga já matou. O fato inquestionável é que ela mata.
Um experimentador de drogas que se identifica como Trippman, no site Bluelight.org, diz não acreditar que qualquer usuário moderado de drogas consideraria a possibilidade de fazer uso do tal U -47700. “Soa incrivelmente perigoso mesmo para quem possui tolerância a opiáceos”, diz o especialista. Não está claro ainda o quanto esta droga é “pervasiva”. Morte por overdose desta substância pode parecer causada por heroína. “Somente um acurado exame toxicológico poderia identificar o U-47700”, afirma Russ Barre, porta-voz do departamento de Combate às Drogas do governo americano.
Parece que o combate às drogas sintéticas é um trabalho insano de enxugar gelo. Mal o Fentanyl foi banido, tornado fora-da-lei, e já aparecem sucedâneos. Eles são fabricados na China. Lá, também, a produção e venda dessas substâncias são ilegais. As penas são severas. Mais de 100 laboratoristas já foram condenados no país por sintetizar estas e outras drogas. Mas a oferta cresce na medida em que há demanda. Para quem se envolve nesse tipo de negócio, os riscos são altos, porém os lucros exorbitantes cegam laboratoristas e traficantes. A mão invisível do mercado, de que falava Adam Smith, vem operando a favor do enriquecimento baseado no crime e na morte.
Segundo The Guardian, além dos atuais opiáceos, acaba de aparecer o Acetyl Fetanyl, uma versão ilegal do Fetanyl. Esta nova droga já está virando epidemia nos EUA. Outra substância muito popular é o Flakka, um pó muito parecido com sal de banho e que, por isso, acaba passando fácil pela vigilância. É uma droga que vem aterrorizando as autoridades. O Flakka, ao contrário dos superanalgésicos, provoca fortes alucinações e sensação de força sobre-humana em quem faz uso dele.
Agentes do governo americano foram à China conversar com as autoridades de lá. Os chineses apertaram o cerco contra os laboratórios ilegais. Ao mesmo tempo, a indústria americana procurou sintetizar drogas de efeito parecido, menos letais porém, para uso medicamentoso. Não adiantou muito. A engenhosidade dos cientistas químicos do mal desconhecem limites. Eles puxam daqui, mudam um átomo ali, uma molécula acolá, e uma nova superdroga ilícita ganha o mercado.
Em virtude de haver tantas e tantas variações de opiáceos, as autoridades americanas encontram enorme dificuldade em controlar a venda dessas substâncias. Elas surgem primeiras como drogas lícitas. Só depois de viciarem e matarem é que são banidas. Os criminosos estão sempre um passo à frente da Lei.
Segundo The Guardian, os laboratoristas redescobriram antigos livros de anotações de pesquisas dos anos 70, quando se buscava receitas para medicamentos alternativos à morfina. É claro que, na busca, muita coisa sinistra é encontrada. A ética da ciência manda que as aberrações sejam descartadas. Mas sempre há curiosos, remexendo arcanos papéis em busca da pedra filosofal. Em consequência, há centenas de opiáceos or aí que sequer foram cogitados para experiência em humanos. É esse tipo de coisa que está invadindo o mercado.
Paraísos artificiais
O poeta francês Charles Baudelaire, imortalizado pelo celebre poema “As flores do mal”, apelidou as drogas entorpecentes de “paraísos artificiais”. Baudelaire viveu no fim do século 19, a chamada “belle époque”, quando a grã-finagem europeia descobriu as delícias das drogas vindas da China e da Índia. Os bebedores de absinto com gotinhas de láudano, um xarope extraídos do cânhamo, ou maconha, queriam emoções mais fortes. O ópio, trazido da China, foi a resposta ao anseio de alternativas à vida entediada da orela boêmia da intelectualidade e dos ricos londrinos e parisienses.
O ópio é uma substância encontrada na seiva da papoula. Mas precisamente, no bulbo da flor. Os chineses usavam-no milenarmente, com aquela moderação que o Tao ensina, para acalmar os nervos e curar dores em geral. Extraído da papoula, o ópio oxida-se ao contato com o ar, vira uma pasta parecida a chiclete mastigado, e pode ser fumado em cachimbo. China e Inglaterra chegaram a guerrear pelo controle da substância.
Descobriu-se que do ópio era possível destilar novas e mais poderosas drogas, entre elas a heroína e a morfina. Esta última, durante anos, e ainda hoje, tem uso medicamentoso como analgésico. A morfina, porém, deve ser administrada cuidadosamente, sob supervisão médica. Hermman Goring, o poderoso comandante das força aérea nazista, e apontado sucessor de Hitler pelo próprio, era inveterado na morfina. Viciou-se quando, ferido na primeira guerra mundial, foi tratado com esta droga.
Nos anos 50 apareceram as drogas sintéticas, uma delas, o LSD, indicado para tratamento psiquiátrico, tornou-se o mais popular alucinógeno dos Estados Unidos. Era vendido livremente nas farmácias. Festa de arromba que se prezasse não podia dispensá-lo. Ken Kesey, os Merry Prankster e o Gratful Dead saíram em romaria pelo país promovendo festas orgiásticas à base de LSD. Um professor de Antropolia, Tomothy leary, inventou uma religião picareta baseada no uso do LSD para “expandir a consciência”. Tão grandes foram os abusos que o governo americano, depois de 10 anos de farra, proibiu não somente o LSD mas também todas as drogas classificadas como “alucinógenos”.
Os novos opiáceos sintéticos não têm nada a ver com as experiências místicas induzidas pelo LSD e assemelhados, como a mescalina e a heroína. Tem a ver com a busca de um bem estar físico e mental produzido por drogas que viciam e matam em pouco tempo. A velha e boa aspirina não dá nem para a saída, comparada aos opiáceos sintéticos. Mas ainda é o mais seguro tratamento contra dor de cabeça. E não tem contraindicação.
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