Pastora responsável por intolerância pede perdão
Redação
Publicado em 14 de janeiro de 2017 às 01:30 | Atualizado há 1 semanaA pastora Zélia, a mulher que aparece em vídeo quebrando imagens de Nossa Senhora Aparecida com um martelo, pediu desculpas. O posicionamento da religiosa, pastora de uma Igreja Evangélica de Botucatu , no interior de São Paulo, aconteceu após dias de forte revolta e repercussão nas redes sociais.
“Peço desculpa pelo vídeo porque eu sou seguidora da palavra. Em nenhum momento eu pensei em ofender o Brasil, mas você sabe como é a internet. Vocês sabem como é o povo”, disse a pastora em entrevista à Rádio Municipalista de Botucatu e à Agência 14 News.
Ela também lamentou por ter divulgado o vídeo na internet e pediu perdão, apesar de não se arrepender do ato de quebrar a imagem em si. “Peço desculpas a vocês e peço desculpas em nome de Jesus. Como eu tenho Deus no meu coração eu peço desculpas e peço que vocês parem. Porque sou seguidora da palavra e como seguidora da palavra eu tenho que honrar a palavra do meu Deus. E ele diz no livro que nós não devemos fazer para nós imagens de fundição e nem adorá-las”, disse Zélia em referência à repercussão negativa do vídeo.
O perfil da pastora no Facebook foi apagado ontem (13). Na entrevista na rádio, ela afirmou que não tinha a mínima intenção de que o vídeo repercutisse, positivamente ou negativamente.
Vídeo
O vídeo foi publicado no início da semana, mas acabou apagado pelo internauta que o postou após a repercussão negativa. Outras pessoas salvaram o material e compartilharam pelo WhatsApp.
Nas imagens, a mulher aparece quebrando imagens católicas com um martelo enquanto um grupo de pessoas faz várias orações. “Oh, glória. Não aceito outro Deus. Aleluia, Jesus. Teu nome seja glorificado, Senhor. Abençoa, Senhor, meu pai, que foi feita pelas mãos do inimigo. Seu nome será honrado e glorificado. Está quebrada, em nome de Jesus”, dizia, no vídeo, um grupo de pessoas que acompanhavam a cerimônia.
De acordo com o Conselho Municipal de Pastores, a prática de se desfazer de uma imagem é comum quando alguém é convertido à nova religião, mas respeitando outras religiões, e não da forma realizada pela pastora. O conselho informou que vai entrar em contato com a pastora para ter mais informações sobre o ocorrido.
A Polícia Civil informou que não tem registro de boletim de ocorrência. Segundo o Código Penal, humilhar publicamente ato ou objeto de culto religioso é crime, sujeito à pena de um mês à um ano de prisão ou multa, além de ir contra o que é dito na Constituição:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
VI – e inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
A intolerância religiosa no Brasil em 2016
No dia 14 de junho de 2015, Kaylane Campos, então com 11 anos, foi parar nas páginas dos principais veículos de imprensa do Brasil, com um curativo na testa que ganhou após ser apedrejada por evangélicos. Naquele domingo, a menina foi atacada após sair de uma celebração do Candomblé, acompanhada por amigos e familiares, na Vila da Penha, no Rio de Janeiro.
Os agressores eram evangélicos e, com bíblias em punho, a chamavam de “diabo” e diziam que todos iriam “queimar no inferno”.
Passada a repercussão, o caso esfriou e deixou as páginas dos jornais. No entanto, um ano depois quase nada mudou e os adeptos de religiões de matrizes africanas continuam sofrendo com o preconceito e a intolerância religiosa.
Segundo dados da Secretaria dos Direitos Humanos (SDH), vinculada ao Ministério da Justiça, entre janeiro e setembro de 2016 (dado mais recente disponível), foram registradas 300 denúncias de intolerância religiosa, pelo Disque 100. Na comparação com o mesmo período do ano passado, que teve 146 denúncias, foi registrado um aumento de 105%.
O aumento, porém, pode ser ainda maior, pois os dados do ano inteiro não foram consolidados. E apesar do número alarmante, nem todos denunciam as agressões sofridas.
Para o babalorixá Waldo ty Osoosi, de 63 anos, a “naturalização” do preconceito e o desconhecimento das leis fazem com que muitos religiosos nem percebam que estão sendo vítimas de intolerância e não vão denunciar, o que dificulta ainda mais a consolidação real dos dados.
Vandalismo em templos
Neste ano, o assunto voltou à pauta dos principais veículos de comunicação durante a realização, nos dias 5 e 6 de novembro, do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, que trouxe como tema da redação “Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil”.
No entanto, um dia antes, a depredação e o incêndio de uma casa de candomblé quase passaram batido na imprensa. Mãe Luiza de Oba, dirigente do terreiro Casa de Oxóssi, na Estrada Rio Bahia, em Terezópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, disse que na manhã do dia 4 de novembro encontrou o local todo destruído. Ela tem certeza que foi intolerância porque outros terreiros da região, disse ela, já haviam sido atacados.
Também no estado do Rio de Janeiro, dessa vez em São Gonçalo, outro caso de ódio religioso foi registrado. Em 22 de outubro, cinco dias após ser instalado no Jardim Bom Retiro, o portão do Centro Espírita Pai Mané de Angola amanheceu pichado com a seguinte frase: “Aqui não queremos macunba” (sic).
Em Araraquara, no interior de São Paulo, o Templo Religioso Hermínio Marques, de orientação umbandista, foi alvo, em setembro, de um incêndio criminoso, com a destruição de mais de 60 imagens de santos.
Um caso ocorrido em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, um mês antes, chamou atenção porque a Polícia Civil se recusar a registrar a ocorrência como intolerância religiosa. Um centro religioso foi incendiado e imagens de santos foram destruídas, mas quando o responsável Bruno Pereira foi ao 52º DP prestar queixa, o delegado se negou a registrar o caso como intolerância religiosa e o tipificou como violação de domicílio e dano. O dirigente contou ao jornal O Dia que o delegado disse não haver provas de intolerância.
Desde 2008, uma modificação na lei brasileira considera como crimes inafiançáveis invasões a templos e agressões a religiosos de qualquer credo. A pena vai de um a três anos de detenção, sendo julgado em Varas Criminais e não mais nos Juizados Especiais.
Destruição total
Em março deste ano, o Centro Espírita Afro-Brasileiro Ilé Axé Iemanjá Ogum Té, de Mãe Noêmia Ferreira, localizado em Valparaíso, Goiás, foi invadido e totalmente destruído. Os autores, que não foram identificados, aproveitaram uma viagem de Noemi Ferreira, que mora com a família no mesmo terreno, para invadir e derrubar as paredes e o teto do local, e sairam sem roubar nada.
No mesmo mês, um centro de Umbanda também foi incendiado no bairro do Tijuca, em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. Na ocasião, os dirigentes da casa disseram que os criminosos entraram pelo telhado, atearam fogo, destruindo toda a parte esquerda da sala e itens que as entidades usam durante os trabalhos, como capas, chapéus, perfumes e outros.
No bairro de Sobradinho II, em Brasília, cinco homens usaram gasolina e etanol para incendiar o Centro Espírita Auta de Souza, em janeiro deste ano. Algumas pessoas que dormiam no local conseguiram acordar com o calor das chamas e escapar sem ferimentos. Mas todas as janelas, o forro do teto, móveis e objetos da casa foram totalmente destruídos. Na denúncia, o promotor de Justiça Thiago Pierobom pediu o pagamento de indenização de R$ 70 mil. No documento enviado à Justiça, ele escreveu que “intolerância religiosa é um câncer social”, com o “mesmo princípio que tem motivado as barbáries praticadas pelo Estado Islâmico”. Em maio, a Justiça aceitou a denúncia do Ministério Público de intolerância religiosa.
Os ataques não se restringem aos locais de culto. No dia 4 de maio de 2016, o busto de Mãe Gilda, no parque do Abaeté, em Itapuã, Salvador, foi alvo de vândalos e teve a placa de informações apagadas. Seis meses depois, o busto foi reinaugurado. As investigações já haviam sido interrompidas e o caso, arquivado sem indicar nenhum culpado.
Em Brasília, as 16 estátuas localizadas na Praça dos Orixás, no Lago Sul, são frequentemente alvos da fúria de intolerantes religiosos ou de vândalos comuns.
Na madrugada do dia 11 de abril, uma pessoa ateou fogo na imagem de Oxalá. O caso foi registrado como dano ao patrimônio público, mas o presidente da Federação de Umbanda e Candomblé de Brasília e Entorno, Rafael Moreira, disse, na ocasião, ter certeza de se tratar intolerância religiosa.
Ao portal G1, Moreira afirmou que os ataques às esculturas acontecem desde 2004, mas que ninguém nunca foi responsabilizado.
Agressões
A intolerância religiosa não fica só nos atos de vandalismo, invasões e incêndios. Ela também ataca as pessoas, que assim como a menina apedrejada no bairro da Penha, no Rio de Janeiro, em 2015, são agredidas física e moralmente, por causa da sua fé.
Em março deste ano, o auxiliar de limpeza Paulo Silva Santos foi esfaqueado pelo vizinho, que é pastor evangélico por acender velas na rua, em Guilhermina, na Praia Grande, litoral paulista.
Umbandista, Paulo foi fazer um trabalho religioso na esquina de casa, mas o evangélico ordenou que ele desfizesse as oferendas. Após uma intensa discussão, o pastor pegou uma faca e atingiu três vezes o abdome do vizinho,que sobreviveu. O pastor confessou o crime e foi indiciado por tentativa de homicídio.
Em Aparecida de Goiânia, cidade de Goiás, uma adolescente de 16 anos foi agredida por duas colegas da escola após postar fotos na internet com um colar que remete à sua religião: o Candomblé.
Cristiany Leão de Souza, de 37 anos, mãe de Isadora Jaques Leão, conta que após a foto, a filha passou a ser perseguida e chamada de “macumbeira” na escola. E os alunos até organizaram uma emboscada para bater na adolescente. No dia 5 de março, duas alunas agrediram Isadora, em uma praça, perto da escola onde a garota estuda. Em meio aos chutes e socos, as agressoras desafiavam a jovem a usar a “macumba” para salvá-la da situação.
Intolerância histórica
O evangélico Sérgio Von Helde deu um chute em 1994 que o deixou famoso no mundo. E não era uma partida de futebol, mas um chute em uma santa no dia da padroeira do Brasil. Então bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, ele agrediu uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, ao vivo, em um programa na TV Record. É um dos primeiros casos midiáticos de intolerância registrados na tevê
Outras religiões também sofrem com intolerância
Adeptos e casas de culto de religiões de matrizes africanas são maioria entre os casos de intolerância religiosa. Dos 300 casos denunciados ao Disque 100, da Secretaria de Direitos Humanos, 26,19% das vítimas eram candomblecistas e 25,79% eram umbandistas. Os atos de intolerância religiosa, no entanto, atingem outras religiões também.
Em janeiro deste ano, com uma marreta, dois homens quebraram as mãos e o nariz, e depois atearam fogo em uma imagem de Nossa Senhora de Caravaggio, que fica Farroupilha, na Serra Gaúcha.
No final daquele mesmo mês, um adolescente de 13 anos derrubou as imagens de Nossa Senhora da Conceição e do Sagrado Coração de Jesus, que ficavam nos altares laterais da igreja-mãe da Diocese de Duque de Caxias. O vigário-geral, o padre Renato Gentile, disse que o ato de intolerância religiosa foi “provocada pela distorção da mensagem da Sagrada Escritura e pelo fundamentalismo religioso presente e difundido por algumas igrejas e que não representam a totalidade dos irmãos e irmãs de outras igrejas e doutrinas evangélicas”.
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