Perversidade contra os orixás
Diário da Manhã
Publicado em 24 de novembro de 2017 às 01:08 | Atualizado há 1 semanaUm terreiro de candomblé foi atacado, pela segunda vez, na madrugada da última quarta-feira, dia 22, em Luziânia, cidade localizada no Entorno do Distrito Federal. Depredado e incendiado, o local sofreu pela segunda vez o que a Polícia Civil acredita ser intolerância religiosa. Na propriedade moram 14 pessoas da mesma família, e embora a sala onde ficavam as imagens e orixás tenha ficado completamente destruída, felizmente ninguém se feriu.
O primeiro ataque aconteceu em 2013, bem semelhante a esse último, e de acordo com a delegada responsável, Caroline Matos, é de que o ataque tenha sido uma manifestação de intolerância religiosa. “A primeira linha de investigação é justamente essa questão, mas não podemos fazer nenhuma afirmativa por agora, por mais que realmente tenha sido isso mesmo que aconteceu”, explica a investigadora.
Rosimeire Correia, mãe-de-santo, disse que o fogo se iniciou no meio da noite, ainda quando todos dormiam. Ao relatar que foi o segundo ataque sofrido, ela conta que os criminosos agiram exatamente da mesma forma, quebravam objetos e incendiavam o local. Tal informação reforça a teoria de que o mesmo grupo de quatro anos atrás tenha também atacado o terreiro na quarta.
“Objetos, coisas materiais são passageiras, mas a minha preocupação é com a minha família. Desses danos materiais a gente consegue se recuperar, mas e se acontecer uma repressão pior com a gente?”, preocupa-se a dona de casa Viviane Correia, que também mora na propriedade.
A intolerância religiosa se espalhou pelos quatro cantos do País, e tem mais ênfase no Rio de Janeiro e no Pará, onde a umbanda e o candomblé, religiões de matrizes africanas mais populares no Brasil, possuem maior número de fiéis. E são justamente as religiões de origem africana que mais sofrem com a intolerância, sendo alvo de 39% das ocorrências desse tipo de crime, de acordo com o Ministério dos Direitos Humanos.
Em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, na Baixada Fluminense, traficantes chegaram a agredir uma idosa mãe-de-santo e obrigaram-na a quebrar imagens e peças ligadas aos orixás no terreiro onde eram cultuados. O crime atroz aconteceu no último mês de agosto, e a polícia, embora tenha identificado a maioria dos participantes, não prendeu ninguém. A Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Rio afirma que foram registradas 39 denúncias de intolerância religiosa nos meses de agosto e setembro somente no Estado. Desses casos, 12 aconteceram somente em Nova Iguaçu.
Em Ananindeua, no Pará, também em agosto deste ano, a diretora do Centro de Educação Trindade impediu que uma apresentação de um trabalho cujo tema girava em torno da pomba-gira, entidade do candomblé e da umbanda (orixá do Trono do Desejo, também vista como a versão feminina de Exu). “Pomba-gira? Deus me livre! Sangue de Jesus!”, disse a educadora que não permitiu que o assunto prosseguisse. Mesmo diante de protestos dos alunos da classe, ela ainda arrematou: “Eu não sou obrigada a entender outras religiões. Eu não quero e pronto!”. A diretora foi denunciada pela Comissão de Direito e Defesa da Liberdade Religiosa da OAB-PA.
Danilo Molina, em entrevista ao site 247, defende que as agressões estão relacionadas ao ranço cultural de preconceito e ódio relacionado ao nosso passado escravagista. Para o jornalista, que também é dirigente de um centro de umbanda no Distrito Federal, o grande desafio é “a criação de uma cultura coletiva de tolerância e de convivência com a diversidade e com a diferença”. Além disso, afirma a necessidade da retomada do diálogo entre as lideranças religiosas e os governos do Distrito Federal e Goiás para a retomada dessa agenda por parte do Estado brasileiro.
A análise de 2017 do Ministério dos Direitos Humanos aponta que a maioria das vítimas de intolerância é de religiões de origem africana, com 39% das denúncias. Lideram o ranking umbanda (26 casos), candomblé (22) e as demais religiões de matrizes africanas (18).
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