Cotidiano

Portaria é ilegal, inconstitucional e fadada ao fracasso, diz documento

Diário da Manhã

Publicado em 20 de junho de 2018 às 01:21 | Atualizado há 7 anos

Após publicação no Diá­rio Oficial da normativa 13.491/2017 que amplia a investigação de crimes cometidos por militares, o Ministério Públi­co de Goiás (MP-GO) esclareceu em nota técnica que a iniciativa de apurar delitos praticados por policiais militares e bombeiros no exercício da profissão é “ilegal, in­constitucional e fadada ao fracas­so”. O documento destacou ainda que qualquer informação produzi­da pela autoridade militar é “nulo de pleno direito”. Na visão da ins­tituição, a medida garante “ausên­cias de garantias constitucionais tanto por parte da vítima quanto do próprio investigado”, o que iria em desencontro com o proposto pelo Conselho Nacional dos Che­fes da Polícia Civil e Secretaria Na­cional de Direitos Humanos.

Por sua vez, a Secretaria Esta­dual de Segurança Pública e Ad­ministração Penitenciária (SS­PAP-GO) definiu que crimes praticados por militares sejam investigados pela própria corpo­ração, o que representaria maior preocupação em relação às práti­cas de abuso. A mudança baseia-se em lei polêmica sancionada pelo presidente Michel Temer (MDB) no ano passado. Na prática, caso um policial cometa tortura ou ho­micídio, a apuração do delito fica­ria sob responsabilidade da corre­gedoria da PM. Por outro lado, a portaria determina que ações do­losas contra a vida praticadas por militares que tenham como alvo civis devem ser esclarecidas pela Polícia Civil (PC).

Crítica à portaria da SSP, a pro­fessora da faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG), Franciele Silva Cardoso, não vê com bons olhos a iniciativa da secretaria. De acordo com ela, o projeto não traz nada de novo e seu objetivo é apenas regulamentar um artigo do código penal militar. “Os movimentos da comunidade jurí­dica deveriam restringir ao máxi­mo a investigação de crimes mili­tares em geral, pois assistimos um crescimento deles nos últimos anos no Brasil”, frisa. Para a professora, o ideal era que houvesse um jul­gamento que fosse realizado pela justiça comum. “Não deveríamos militarizar tanto a vida”, afirma a professora, que também é integran­te do Núcleo de Estudos sobre Cri­minalidade e Violência, da Facul­dade de Ciências Sociais (Necrivi).

Já o secretário de segurança pú­blica, Irapuan Costa Júnior, afir­mou que a portaria amplia a defi­nição de crimes militares. Segundo ele, a iniciativa tem o objetivo de abranger infrações penais cometi­das no exercício ou em razão desse ofício e pode gerar conflitos em de­corrência da interpretação da lei. “Os crimes dolosos contra a vida de civis supostamente praticados por policiais militares ou bombei­ros militares estaduais em serviço deverão ser investigados exclusi­vamente pela Polícia Civil, ficando vedada a instauração de procedi­mentos apuratórios criminais pe­las demais forças policiais”, explica o secretário em documento, que está disponível no site da pasta.

Ferido gravemente após ser agre­dido por um cabo da PM duran­te manifestação no ano passado, o cientista político Mateus Ferreira da Silva, 28, relatou que a iniciativa faz parte de um processo de repres­são que vem crescendo em todo o País. Para ele, o pacote de ações in­clui aumento de perseguição aos movimentos sociais e outras nega­ções. “A polícia militar no Brasil é uma das que mais mata no mun­do, e em Goiás há crimes cometi­dos pela PM que são elucidados”, explica. Segundo Mateus, o Esta­do entrega aos militares aquilo que seria de sua responsabilidade e, as­sim, abre mão de atribuições bási­cas. “Faz isso quando entrega para a PM a investigação de seus próprios crimes, por exemplo”, exemplifica.

JUSTIÇA MILITAR

O então estudante de Ciências Políticas, Mateus Ferreira da Silva, viu processo contra o policial que lhe agrediu no ano passado ser en­caminhado para a Justiça Militar. De acordo com ele, a polícia civil perde os direitos de investigar “cri­mes como os que sofri”. “Como é que a PM vai investigar os próprios delitos que ela mesmo cometeu”, questiona o candidato a deputa­do federal. Ainda segundo ele, o critério que será adotado para de­finir se os crimes foram contra a vida ou não é uma incógnita. “Isso é inconstitucional e só demonstra o aprofundamento da retirada de direitos que estamos vivendo”, sa­lienta o cientista político.

 

 

Os movimentos da comunidade jurídica deveriam restringir ao máximo a investigação de crimes militares em geral, pois assistimos um crescimento deles nos últimos anos no Brasil” Franciele Silva Cardoso, professora da UFG
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