Prisões de manifestantes geram solidariedade
Diário da Manhã
Publicado em 20 de julho de 2018 às 02:30 | Atualizado há 1 semanaApós condenação de 23 manifestantes que participaram de protestos entre 2013 e 2014 no Rio de Janeiro em primeira instância por formação de quadrilha e corrupção de menores, o movimento Liberdade aos 23 aderiu nesta semana a campanhas de solidariedade aos militantes em todo o País. Os militantes repudiam a decisão divulgada pela Justiça carioca na última terça-feira (17) que restringe o direito ao protesto e ressaltam que a decisão não apontou nenhuma prova de crime supostamente cometido pelos réus nos atos. Apesar da condenação, os manifestantes vão podem recorrer em liberdade e esperam a anulação da sentença em segunda instância. Em grande parte, as penas variam de 5 a 7 anos de reclusão.
No momento em que saiu a sentença, vários movimentos sociais de diversas partes do Brasil aderiram à luta e começaram a traçar estratégias para mobilizar a sociedade. O discurso é de que a decisão abre precedente e legitima a permissão para que outras pessoas sejam condenadas. Ainda há temor em relação ao iminente risco de “caça às bruxas” entrar em curso em plena intervenção militar no estado do Rio. Responsável pela defesa de Caio Silva de Souza, condenado a 7 anos de prisão em regime fechado, o advogado Antonio Pedro Melchior afirmou que foi surpreendido pela decisão.
Em entrevista à Ponte Jornalismo, ele disse que “converteu nada em uma condenação”. “Nenhum acusado disse conhecê-lo, tampouco as testemunhas. A sentença não cita nada, em termos de depoimento, e não diz nada a respeito desta inserção em alguma organização. Na sentença condenatória, o juiz não cita nenhuma testemunha, nem depoimento. Só faz referência a declarações do próprio réu”, explica Melchior. Mas esse sentimento de estranhamento que toma conta do advogado é visto com normalidade por quem acompanha o processo.
A justificativa do juiz Flávio Itabaiana, por sua vez, faz referência à “personalidade distorcida, voltada aos desrespeitos aos Poderes constituídos, o que pode ser constatado, no tocante ao Judiciário, por ter descumprido uma das medidas cautelares impostas pela 7° Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro”. Na sentença, o magistrado destacou que o desrespeito ao Poder Executivo foi constatado por conta do enfrentamento aos policiais militares durante as manifestações. “O desrespeito ao Poder Legislativo, por sua vez, pode ser verificado, por exemplo, pelo ´Ocupa Câmara´”, frisa o magistrado.
Já em Goiânia, no desfecho de uma prisão com o mesmo teor e motivação política, a “Operação R$ 2,80”, a justiça decidiu por inocentar o jornalista Heitor Vilela, o cientista político Ian Caetano e o estudante João Marcos, no ano passado, o juiz Alexandre Bizzotto fez uma ode ao Estado Democrático de Direito e referenciou o Ato Institucional Número 5 (AI-5), responsável por retirar boa parte das liberdades públicas de cidadania e expressão durante a ditadura militar. “O apreço às liberdades é a tônica da Constituição Federal da República de 1988”, diz Bizzotto, pontuando que “qualquer tolhimento das liberdades deve observar a razoabilidade e o seu sentido conforme os comandos constitucionais”.
DUVIDOSO
Professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), o historiador Rafael Saddi explicou que os depoimentos são “bem absurdos”. De acordo com ele, um dos depoentes teria deixado em evidência seu sentimento de raiva em relação a pessoa que a acusou de ser líder e chefe das “quebradeiras” e nutrir raiva por ter terminado o namoro com ela. “Outro depoente é um assumidamente um infiltrado. Era militar e estava infiltrado nas manifestações. Outros dois depoentes são pessoas bem loucas ou que querem se fazer passar de louco”, salienta.
Ainda conforme o estudioso, a imprensa corporativa colabora e difunde a legalidade da repressão aos manifestantes que foram condenados em primeira instância. “Está aí a base que fundamenta o fato de que toda manifestação no país apresenta não só uma revolta contra o governo, mas também contra a própria imprensa”, frisa. “A grande revolta sem cabeça, sem liderança, sem chefia, de 2013 e 2014 precisava ser organizada, precisava de um personagem, de uma ordem. Foi assim que encantaram a classe média com uma figura saída dos contos de fadas, apaixonante e ao mesmo tempo poderosa e violenta.”.
Manifestantes também foram presos em Goiás
Em 2014, a luta pelo transporte coletivo ganhou contornos históricos em Goiás. Ao todo, quatro militantes foram presos no âmbito da Operação R$ 2,80, alusão ao preço da passagem na época. As prisões dos estudantes universitários Heitor Vilela, Ian Caetano e o secundarista João Marcos mobilizaram vários setores progressistas do estado na luta contra a repressão e criminalização dos movimentos sociais. Tanto em Goiás quanto no Rio de Janeiro houve a mesma postura das forças policiais, que usou do aparato judicial para trancafiar no xilindró manifestantes contrários às medidas impostas pelos donos do Poder.
Após as prisões, estudantes e professores se reuniram na Praça Universitária assegurar o direito de protestar. O objetivo era levar uma lista com 1.500 assinaturas ao Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) pedindo a soltura dos três estudantes. Professor de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG), Alexandre Santos disse na época que o inquérito que levou os três à prisão teria sido apresentado pelas empresas de transporte público da capital goianiense. Na ocasião, ele afirmou que a representação foi genérica, com vários nomes, e no decorrer da investigação supostamente houve indicação por parte da Polícia Civil da autoria dessas três pessoas.
Alvo de operação com viés parecido com a que ocorreu no Rio de Janeiro, o jornalista Heitor Vilela, 24, frisou que o “Estado policialesco e de exceção usa do artifício judicial para cercear a liberdade” dos manifestantes contrários ao Estado. Ele lembrou ainda que, em cidades como Porto Alegre e Rio de Janeiro, manifestantes estão sendo presos, e podem ser condenados a penas altas e sem provas que lhes imputem qualquer tipo de crime. “Essas medidas são perigosas para a democracia e para a liberdade de expressão e de contestação”, frisa.
No dia 29 de maio de 2014, logo após sair da Casa de Prisão Provisória (CPP), o então estudante universitário Heitor Vilela explicou que não era criminoso e sim um militante da causa do transporte coletivo. “Eu estava atuando principalmente como desenhista e chargista nas manifestações, mas disseram para a gente que queimamos mais de cem ônibus, em uma semana uma coisa absurda. Não havia nenhum registro de prova, nada que nos condenasse”, disse Vilela.
O delegado responsável pela Operação R$ 2,80, Alexandre Lourenço, da Delegacia Estadual de Repressão e Ações Criminosas Organizadas (Draco), declarou na época que os estudantes eram suspeitos de depredarem pelo menos 100 ônibus do transporte público da capital goianiense em 2014. Em entrevista à imprensa na ocasião, o delegado disse que os protestos eram legítimos, porém as prisões teriam de acontecer para evitar que novos casos de violência.
A Rede Metropolitana de Transportes Coletivos (RMTC), por sua vez, disse que a contagem de veículos do transporte coletivo destruídas chegou a 104. Segundo a empresa, o terminal Bandeiras, ponto de concentração para um dos protestos que ocorreu em 2014, foi alvo de vandalismo. Por fim, a RMTC garantiu que lixeiras, vidros e máquinas para comercialização de comidas e bebidas foram foram depredadas.
Buscando manter viva a repressão do Estado por conta da insurreição popular, o jornalista e documentarista Lucas Xavier e Gabriel Cunha lançaram o documentário Operação R$ 2,80. Premiado no festival Goiânia Mostra Curtas, o filme tem o objetivo de mostrar o autoritarismo por parte das empresas do transporte coletivo. “Em 2013 foi um marco para a juventude que se organizou horizontalmente e, diante disso, o estado não esperava as iniciativas tais como conhecemos”, relata.
Em entrevista ao Diário da Manhã em 2016, Xavier disse que o propósito do filme era acelerar o judiciário em relação ao desfecho da sentença, que saiu no ano passado. “Queremos, com isso, reacender o debate sobre essa manobra, esclarecer para a população e pressionar pelo andamento do processo. Tanto pelo que aconteceu há dois anos, quanto porque até hoje três jovem continuam com suas liberdades cerceadas”, explica.
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