Retrocesso à época da barbárie
Diário da Manhã
Publicado em 3 de novembro de 2015 às 23:23 | Atualizado há 2 semanasSuspeitos que vão de furto a estupro têm se tornado alvo de ações de “justiceiros”, em outras palavras do povo que se junta para fazer justiça com as próprias mãos. Até aí não há novidade para ninguém, mas práticas de linchamentos têm se tornado “costumeiras” em Goiás principalmente depois de um dos primeiros registros no estado ocorrido em janeiro de 2014.
De lá para cá, não é raro se ver nos noticiários relatos de espancamentos e torturas praticados por parte da população que quase sempre não é julgada. Conforme José de Souza Martins, professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), um linchamento ou tentativa de linchamento acontece por dia no Brasil. Ele pesquisou casos noticiados pela imprensa nos últimos 60 anos.
Goiás não está fora das estatísticas, sendo que no ano passado, diversos casos foram registrados e divulgados nas redes sociais. Os linchados eram suspeitos, normalmente amarrados e agredidos pela população. Isaías Novais foi uma das vítimas dos justiceiros, sendo um dos casos mais famosos. Em abril de 2014 ele foi retirado de dentro do Hospital Municipal de Nova Crixás e espancado com socos, chutes, golpes de marreta, além de ser esfaqueado. Ele havia sido preso como suspeito de estupro de vulnerável.
Luziânia
No começo da semana um homem da cidade de Luziânia foi linchado por mais de 30 pessoas por ser suspeito de ter mostrado as partes íntimas para uma criança de sete anos. Revoltados os vizinhos invadiram a casa da vítima e com golpes de pedras, martelo, pedaços de pau, pé de cabra e até uma roda de carro teria sido usada para matar o homem.
A barbárie não se justifica. Mas, especialistas avaliam que os horrores causados pelo linchamento não é uma realidade só do Brasil ou do estado de Goiás, é do mundo. Eles consideram que essa é uma realidade presente, com frequência, em países em guerra civil ou que estão em crise em sua forma de fazer valer a justiça. Esta é causada por fatores que se fundamentam na falta de políticas de segurança pública e na percepção de que não há uma efetividade do estado em punir os infratores.
O advogado criminalista e consultor jurídico Alex Neder, observa que na antiguidade era permitido ao homem fazer justiça com as próprias mãos, uma vez que não havia um estado que estabelecesse leis. No entanto, ele acrescenta que, longe disso, hoje vivemos uma realidade que não se poderiam esperar tais atitudes que denotam o retrocesso do homem.
Ele analisa, com atenção, que o cidadão está se sentindo órfão. “É um conjunto de fatores que estão deixando as pessoas desnorteadas, o direito é um meio estabilizador da sociedade, como a religião e a política. Onde falha há moral entra o direito. Ocorre que precisamos fortalecer as instituições para que o cidadão não tenha que tomar nas mãos o que consideram justiça. É como se estivéssemos rompendo com toda a civilidade que se alcançou até o século 21. Estamos voltando à Idade Média” alerta.
Contra crianças
Neder menciona que o crime de pedofilia causa uma forte indignação e comoção social, isso associado a um cidadão que percebe que não existe uma efetividade do estado em punir o infrator. Este cidadão, pelo contrário, percebe que as prisões estão abarrotadas de presos, ou seja, estão falidas, não podem recuperar ninguém. Estes fatores, diz ele, leva o individuo a indignar-se e querer fazer justiça com as próprias mãos.
“Vivemos um momento em que o cidadão está se sentindo desamparado porque não temos uma política de segurança pública. Ele sente que se não fizer nada ninguém vai fazer, ou seja, é um sentimento crônico de impunidade. Esse é um fenômeno social, mas mesmo com todas essas deficiências do estado para com o cidadão tais atos não se justificam”, define.
Realidade do mundo
Para o psicólogo criminal e neuropsicológo Leonardo Faria, atos de linchamento ou de fazer justiça pelas próprias mãos, não é uma tendência apenas de Goiás é uma tendência do mundo todo. Ele observa que outros países como na Venezuela os índices de linchamento aumentaram muito nos últimos anos.
Ele constata que essas são práticas que geralmente ocorrem em países onde a justiça é questionada, quanto à questão da sua punibilidade ou não. Havendo assim um aumento desse tipo de comportamento por parte do cidadão. “O que a gente observa é que países que estão em guerra civil ou que estão em crise em sua forma de fazer valer a justiça, em termos de se cometer um crime e ele não ser punido a sempre esse tipo de comportamento”, avalia.
Faria considera que o Brasil está acompanhando essa tendência, logicamente presente em Goiás. Ressaltando que esse comportamento está ligado e associado diretamente à sensação de impunidade presente nas pessoas. Mas ele adverte que a partir do momento que a pessoa se prontifica a tomar tal decisão, esta demonstra querer tomar do estado o dever do mesmo de punir.
“Essa é uma situação que não deve ser feita, a gente coloca em risco o nosso estado democrático de direito, porque se a gente começa adotar esse tipo de comportamento todo mundo, todas as pessoas, vão começar achar, de fato, que são um elemento julgador. E, o julgamento de alguém que comete um crime tem que passar por todo um sistema, por todo um circulo que começa na delegacia e termina no tribunal de justiça, tem que ter provas , determina.
Pena para justiceiros
O advogado criminalista e consultor jurídico, Alex Neder assevera que a pessoa que participa de um linchamento e que leva a vítima a morte está cometendo um homicídio e dependendo da circunstância, qualificado com pena de 12 a 30 anos de reclusão. Ele adverte que é preciso que estas pessoas percebam que essa não é a solução para o problema, “as pessoas não devem tomar nas mãos a justiça porque elas vão estar se nivelando ou se colocando em situação pior que a do suspeito do crime” declara.
Além do que, ele adiciona, em alguns casos pode se cometer dois erros graves, uma injustiça irreparável. “Podemos analisar um exemplo, em que um suspeito é preso, suspeito do crime de estupro e ele é linchado pela população local, depois descobre-se que ele não era o autor do crime essa é uma situação do ponto de vista social, um crime sem condição de ser reparado tudo porque as pessoas resolveram fazer justiça com as próprias mãos”.
“Penso que os cidadãos têm que aprender a cobrar das instituições suas efetivas atuações na proteção do cidadão e das famílias. Esse é o principio maior para termos uma proteção social que é obrigação do estado. O cidadão tem que entender que todas as vezes que tomar nas mãos a justiça praticando o linchamento, além de está cometendo um crime ele está correndo o risco de cometer uma grande injustiça”.
O psicólogo criminalista Leonardo Faria acresce que, “você tem que dar o direito de defesa para quem cometeu o crime e por outro lado como posso ter tanta certeza que aquela pessoa que estou linchando, torturando é quem cometeu o crime”?
Alex Neder chama a atenção ainda para a mídia : “que exerce um papel fundamental de informar e formar opiniões, contudo deve ter cautela se tratando de casos dessa natureza para não estimular a violência posto que o suspeito ele deve ser investigado, processado, julgado, condenado pela justiça e somente depois com a sentença penal, condenatória, transitado em julgado é que ele pode ser considerado um criminoso condenado. O qual irá cumprir sua pena” conclui.
A titulo de informação a provas testemunhais que são aquelas provas que são adquiridas perante a escuta de alguém, só nos Estados Unidos na década de 60, 65% dos fatos envolvendo abuso sexual com criança e adolescente ao qual pegava como prova testemunhal as pessoas que falavam desses fatos 65% desses casos tinham falsas memorias.
O que quer dizer define Leonardo “que esses linchamentos começam muitas das vezes com falsas provas testemunhais, é um sujeito que fala para outro, que fala para outro e cria-se de fato um julgamento público em uma situação que de fato nem ocorreu”.
Caso Isaías
Pelo linchamento de Isaías Novais o Ministério Público ofereceu denúncia contra 24 pessoas. Isaías havia sido preso em flagrante pelo estupro de uma criança de sete anos. Ele foi agredido por populares, mas quando levado ao hospital de Nova Crixás para a realização de exames, foi retirado do local à força e espancado até a morte.
Os justiceiros que tiveram participações diferentes e comprovadas no crime, respondem a homicídio, tentativa de homicídio, arrebatamento de preso, incitação ao crime e vilipendiamento de cadáver. Ninguém foi preso, mas 11 cumpriam medidas cautelares com restrições de frequentar locais como bares a partir das 18h ou deixar o estado sem autorização judicial.
]]>