Cotidiano

“Sobrevivi a um raio”

Diário da Manhã

Publicado em 3 de dezembro de 2015 às 20:32 | Atualizado há 1 semana

O produtor rural José Natalício Domingos Dantas, 46 anos, é um dos casos raríssimos de sobrevivente a uma descarga elétrica intensa provocada por um raio. No dia 25 de outubro ele estava com outros três adultos e duas crianças em sua fazenda e foram atingidos por um poderoso raio que deixou todos desmaiados e um morto no local.

“Na hora ficamos todos desacordados e após alguns instantes recobramos a consciência e vimos que um funcionário da fazenda estava morto”, narra Natalício. A fazenda King Grass fica no município de Trindade, no distrito de Santa Maria, distante cerca de 14 quilômetros da “Cidade da Fé”.

A fazenda é propriedade de Natalício e no local se dedica à produção de grama e mudas de plantas frutíferas e ornamentais. Conforme relato dele era um domingo em final de tarde, por volta das 17h50 após uma forte chuva que caiu na região. “A chuva foi muito intensa e como temos o hábito de medir o índice pluviométrico para facilitar a irrigação no cultivo de grama vimos que caiu uma chuva de 55 milímetros por metro quadrado”, lembra.

Essa precipitação é altíssima para os padrões pluviométricos brasileiros e foi uma incidência incomum para esse período. Significa que foram despejados 55 litros d’água por metro quadrado na propriedade de Natalício. O grande volume de chuva pode ter sido provocado pela concentração de nuvens carregadas em um pequeno espaço que provocou a precipitação e desencadeou as descargas elétricas que foram vistas antes do acidente.

Natalício estava acompanhado de sua esposa, uma funcionária com suas duas filhas pequenas e Clóvis, o funcionário que foi vitimado. Ele conta que após a chuva estavam caminhando próximo de uma represa para conferir se a forte chuva não havia causado danos à barragem e se não havia enchido muito. Eles já estavam retornando para a sede que fica distante cerca de 100 metros da represa.

“Eu estava com uma garotinha, filha da minha funcionária no ombro, quando ouvimos um forte estrondo e um clarão. Só me lembro que quando dei um passo senti uma pancada muito forte me sacudindo as pernas e desmaiei com a Manuele, essa garotinha que estava em meus ombros”, narra ele.

Natalício faz parte de uma estatística terrível: somente 2% das pessoas atingidas por raios sobrevivem (Foto: Divulgação)

Desfalecimento

Natalício: “Eu mexia com os pés e parecia que estava empanado, minha pele ficou crocante, como se fosse uma pururuca”

Natalício diz acreditar que tenha ficado cerca de um minuto desacordado, como os outros que também foram atingidos pelo raio. Acordou com a mãe da menina tomando-a de seus braços e sua esposa ajudando-o a se levantar. “Minha mulher disse ainda meio grogue que era para eu ajudar o Clóvis, porque ele não acordava. Mas, naquele instante não adiantava fazer nada por ele”, conta.

A camisa de Clóvis, como relata Natalício, estava despedaçada de modo incompreensível, pedaços da camisa foram encontrados cerca de cinco metros do local. Ele estava com toda a pele acima da barriga irreconhecível, em carne viva, como se tivesse sido queimada com um maçarico. “O cheiro de carne queimada era horrível e ele continuava desacordado. Tentamos reanimar o homem, puxar a língua dele que estava enrolada como se fosse um ataque epilético, mas não adiantou”.

O socorro do SAMU de Trindade foi chamado e chegou rapidamente ao local. Tentaram por quase uma hora reanimá-lo em vão. Todos os esforços foram em vão. Clóvis já estava morto àquela altura.Natalício, sua esposa, a outra funcionária e as duas crianças foram incluídas em uma estatística terrível: somente 2% das pessoas atingidas por raios sobrevivem. Ele acredita ter sido um milagre.No dia seguinte as pernas de Natalício pareciam que ele também tinha sido sapecado por um maçarico. “Eu mexia com os pés e parecia que estava empanado, minha pele ficou crocante, como se fosse uma pururuca”, lembra.

Até hoje Natalício sente fortes dores nas pernas e tem surtos de dormência nos membros inferiores.“Depois do acidente fui pesquisar tudo sobre raios e descobri coisas inacreditáveis. Hoje posso dizer com propriedade para as pessoas que em situações que possam estar próximas de locais com risco de ser atingidas por raios devem se afastar de árvores e cercas, se abrigarem em uma casa ou cobertura ou mesmo dentro de um carro. Não se pode mesmo é ficar em pé em local descampado”, finalizou.

Saiba mais

Relatório do Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) aponta 98 mortes por raios em 2014 (Fotos: Divulgação)

O Brasil é o país recordista em precipitação de raios do mundo, com cerca de 100 milhões de raios por ano. A incidência maior é nos estados do Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE (que estuda os raios através Grupo de Eletricidade Atmosférica – ELAT – vide link, ao final) a incidência de raios causa prejuízos anuais da ordem de R$ 1 bilhão.

Ao atingir uma pessoa, o raio pode causar sérias queimaduras e outros danos ao coração, pulmões, sistema nervoso central e outras partes do corpo, através do aquecimento e uma variedade de reações eletroquímicas. A chance de sobreviver é de apenas 2%. As estatísticas confirmam que é mais fácil morrer por um raio do que em tornados e furacões.

]]>

Tags

Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

últimas
notícias