Tradutores para a terra de João de Deus
Redação
Publicado em 26 de agosto de 2018 às 02:21 | Atualizado há 2 semanas
O Colégio Tecnológico de Abadiânia vai dar curso de inglês básico voltado para a atenção a turistas e qualificar principalmente trabalhadores que atendem diretamente o turismo religioso na cidade. Abadiânia é frequentada por centenas de milhares de turistas de todas as nacionalidades que procuram tratamento com o médium João de Deus.
A iniciativa foi do Instituto Reger, Organização Social que faz a gestão do Itego Governador Onofre Quinan, em Anápolis, a qual o Cotec de Abadiânia está vinculado. A presidente do Instituto Reger, Sônia Santos, esteve na última semana com João de Deus e explicou a ele o objetivo do curso e as metas de facilitar a comunicação e o acesso dos turistas estrangeiros à cidade e à Casa Dom Inácio, onde ele atende de quarta-feira a sexta-feira.
“Uma pesquisa desenvolvida pelo Instituto Reger mostrou que uma grande necessidade para a população era a fluência básica em idiomas estrangeiros, principalmente o inglês, para facilitar a comunicação com os turistas que acorrem a Abadiânia em busca de tratamentos com o senhor João de Deus. Por isso preparamos um curso de inglês que será o norte para outros que virão”, explica a professora Sônia. Bióloga com pós-doutorado ela foi até o líder espiritual para dizer que a economia é fortalecida com a romaria de pessoas que buscam seu tratamento e que isso precisa ser revertido em benefícios para esses turistas.
O Cotec de Abadiânia preencheu rapidamente as 60 vagas disponibilizadas e contratou professor de inglês para ministrar as aulas. Tudo é gratuito para os alunos e a ideia é que seja inicialmente um laboratório para definir novas ações com outros cursos. “A pesquisa apontou também a necessidade de cursos de conversação básica em francês e espanhol e isto já está no nosso planejamento para um futuro breve”, explicou.
Os turistas estrangeiros que buscam a Casa Dom Inácio vêm de países e continentes diferentes do mundo. Alemães, belgas, dinamarqueses, iranianos, indianos, russos, poloneses, franceses, argentinos, colombianos e tantas outras nacionalidades são os fiéis que buscam tratamento espiritual. Por lá já passaram expoentes nacionais e até internacionais em busca de refrigério espiritual com João de Deus. Personagens do brilho de Oprah Winfrey, apresentadora norte-americana, e outros nacionais como Xuxa, Luciano Huck e grandes vultos da República como o ministro do STF, Luís Roberto Barroso – que João de Deus se refere como sendo “filho da casa” – além de atores famosos como Marcos Frota e Shirley MacLaine.
Há uma grande procura de turistas brasileiros, mas esses frequentam e voltam para seus lugares de origem mais rapidamente. Os que ficam mais tempo são mesmo os estrangeiros e o volume assusta: cerca de 80% dos turistas que circulam pelas ruas de Abadiânia são oriundos de outras partes do mundo e compreendem muito pouco o português. Como o inglês é a segunda língua mais falada no mundo a fluência no idioma bretão é exigência básica para as relações pessoais.
Abadiânia fica às margens da BR 060, que nesse trecho é chamada Belém-Brasília, por ser a via que liga a capital federal à capital paraense. Havia uma outra cidade, hoje chamada Abadiânia Velha, e que se tornou distrito. A atual é uma migração para beira da rodovia aberta pelo lendário engenheiro Bernardo Sayão no início dos anos 1960. O comércio local é dividido em duas castas distintas, a que fica na margem leste da rodovia, à esquerda de quem vem de Brasília, é mais voltada para a cidade propriamente. A outra, na margem direita, ou no oeste, é quase que totalmente dedicada ao turismo religioso, com grande concentração de pousadas, hotéis, restaurantes, lanchonetes, lojas de cristais e boutiques onde são vendidas as indefectíveis roupas brancas com as quais os fieis frequentam os trabalhos espirituais de João de Deus.
CONVERSAÇÃO
O comércio em Abadiânia sofre com a falta de fluência em idiomas estrangeiros para os funcionários. Os fiéis são contados na casa dos milhares. João de Deus atende todas as quartas, quintas e sextas-feiras e a média é de 1.000 pessoas por dia. Muitos vêm e ficam semanas e até meses em tratamento e se hospedam nas pousadas e hotéis na parte oeste da cidade, movimentando o comércio local e fazendo uma verdadeira Torre de Babel nas ruas.
Na Casa dom Inácio de Loyola encontram-se muitos voluntários que são fluentes em outras línguas e auxiliam nas relações, mas no comércio a dificuldade é grande. “O que queremos é facilitar a relação dos comerciantes com os turistas. Com funcionários melhor qualificados até a economia vai melhorar, porque à medida que os trabalhadores se especializam os salários melhoram e a produção de renda aumenta na mesma proporção”, explica a doutora Sônia.
AMIZADE
João de Deus agradeceu o auxílio prestimoso que o Instituto Reger vai prestar para a cidade e ressaltou a aproximação que os trabalhadores vão experimentar com os turistas. “Tudo o que é feito para aproximar nossa gente dos fiéis que vêm orar em nossa casa é positivo e essa amizade que une as pessoas dá ainda mais brilho para nossa fé”, comenta o médium. Há até a perspectiva de maior afluxo de pessoas com a notícia de que a comunicação será facilitada com os cursos de conversação básica ministrados pelo Instituto Reger através do Cotec de Abadiânia.
Do sonho à realidade: personagens do curso de línguas
Emilson Melo de Souza
O atendente Emilson Melo de Souza veio de Fortaleza, Ceará, há seis meses e encontrou trabalho em uma lanchonete especializada em açaí. Solteiro, ele trabalha e vive diariamente a dificuldade de se comunicar com os turistas estrangeiros. No Point do Açaí, onde Emilson trabalha, há uma forte presença de turistas estrangeiros que procuram os cremes com a exótica fruta originária da Amazônia, cujo consumo remonta às populações pré-colombianas. Por não saber falar ele fica restrito às mímicas para tentar se fazer entender pelos turistas e identificar o que eles pedem. Mas, sua expectativa é grande com a possibilidade de aprender a falar outro idioma.
“Sempre tive muita vontade de aprender a falar inglês para poder conversar com pessoas de outros países e para aumentar minha cultura. Inglês é uma língua praticamente universal e que é falada no mundo todo. Aqui todos os dias aparecem turistas estrangeiros e é grande a dificuldade de falar com eles. Agora, espero poder aprender e falar com facilidade. O melhor mesmo é que o curso é totalmente de graça”, comenta Emilson.
Jéssica Aline Dickel Carlotto
A estudante Jéssica Aline, 15 anos, trabalha com os pais na Pousada Catarinense, de propriedade da família, localizada bem próxima à Casa Dom Inácio de Loyola, onde João de Deus atende. Ela cursa o primeiro ano do ensino médio e tem aulas de inglês no colégio, mas como acontece em toda a rede de ensino do Brasil o estudo é incipiente e as aulas não dão a fluência necessária para conversar com estrangeiros. Nada mais que um bom dia ou algo parecido. Os pais falam alguma coisa de inglês também, mas aprenderam na prática do dia-a-dia conversando com turistas. O que Jéssica Aline quer com o curso é aprender a conversar e se relacionar com mais facilidade com os hóspedes da pousada.
“Na escola aprendemos apenas o básico e nada que seja possível conversar com os turistas. Acredito que 70% dos hóspedes são estrangeiros e falam inglês principalmente. Por isso se eu não falar pelo menos um pouco de inglês não vou conseguir tirar mais proveito do trabalho. Meus pais aprenderam aqui mesmo, na marra, falando com todo mundo e se tivessem um curso assim seria muito mais fácil. Eu ainda tenho muita dificuldade em conversar com os gringos e quando preciso resolver alguma coisa preciso chamar a minha mãe por isso quero superar essa dificuldade”, frisa.
Álvaro Rodrigues e Ana Maria Rodrigues
O casal de colombianos Álvaro Rodrigues e Ana Maria Rodrigues são o retrato fiel da dificuldade de comunicação que permeia a realidade em Abadiânia. Ele é aposentado e ela gestora de Recursos Humanos. Eles estão em Abadiânia frequentando as sessões de tratamento espiritual e ficam hospedados em uma pousada próxima da Casa de Dom Inácio. Mesmo falando espanhol há uma dificuldade de comunicação no comércio local e na pousada onde estão hospedados.
“Chegamos a uma semana e o idioma é uma dificuldade para convivermos fora daqui da casa do senhor João de Deus. Os atendentes de pousadas, de restaurantes e do comércio falando outros idiomas é muito melhor”, comenta Álvaro.
Ana Maria Rodrigues faz coro à manifestação de Álvaro ressaltando a facilidade de relacionamento com os brasileiros, mas que isso poderá ser melhor se houver uma forma mais curta de comunicação. “Me encanta o calor humano que os brasileiros nos tratam, são pessoas muito amáveis e que ajudar. Todavia, é um pouco difícil nos comunicarmos e precisamos falar um pouco mais devagar para nos fazermos entender. Se puderem estudar outros idiomas isso vai ser muito melhor para todos, vamos entender e eles vão nos ajudar bem mais”, finaliza.
Dulce Elen dos Santos
Há ramos diversos de atuação em Abadiânia que atendem turistas estrangeiros e que precisam de uma noção mínima de conversação em outro idioma, principalmente inglês. É o caso da terapeuta Dulce Elen dos Santos, 55 anos, natural de São Paulo, que veio para Abadiânia há aproximadamente sete anos em busca de tranquilidade e paz para viver. Ela faz acupuntura, shiatsu, massagem e outras formas alternativas de terapia. Sua clientela é quase que totalmente composta de turistas estrangeiros que vão complementar o tratamento espiritual com relaxamento e uma vida mais zen. A dificuldade de comunicação com praticamente todos os clientes é compensada com a boa vontade e a aura pacificadora que ela mostra.
“Há uma possibilidade de compreensão mundial na mímica e nos sinais que podemos usar para o relacionamento”, comenta ela. Dulce Elen explica que um turista que não fala nada de inglês indica com gestos e sinais que está doendo aqui ou ali e ela vai tentando compreender. Outro diz que está estressado e que quer uma massagem para relaxar. “Assim, vamos nos comunicando de maneira precária, mas com um curso de inglês, que é uma língua falada no mundo todo vai ficar muito mais fácil. A Rede Itego colocando esse curso de graça para nós, totalmente gratuito, é uma coisa muito boa, porque preenche um vazio que é um curso público de conversação para a população que não pode pagar”.
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