‘Uma Itália’ de inadimplentes
Diário da Manhã
Publicado em 21 de agosto de 2018 às 01:20 | Atualizado há 6 anos
O Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) informou ontem que a quantidade de brasileiros que estão inadimplentes atingiu no mês passado 63,4 milhões, número equivalente à população da Itália. Por outro lado, a série histórica mostrou melhora no índice de devedores entre os meses de março e setembro em 2017. No entanto, a reversão das expectativas da economia afetou essa trajetória. Agora, os mais pobres não são os que mais devem, pois é entre as famílias de maior renda que a inadimplência tem resistido, aponta levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
Enquanto o percentual de famílias de renda com dívidas pendentes caiu de 29%, em julho do ano passado, para 26,7%, neste ano, o grupo com renda maior que dez salários mínimos pode alcançar alta de 10,8% em relação ao 10,6% registrado no mesmo mês do ano passado. “A capacidade de pagamento das pessoas tem sido afetada pelo alto nível de desemprego. A renda das famílias continua achatada, levando muitos brasileiros a fazer empréstimos para pagar contas ou mesmo quitar dívidas”, afirma a economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti.
Natural do Paraná, mas residente em Goiânia há oito anos, o vendedor Marco.P.B, 44, que pediu para não ter o sobrenome revelado, relatou que o responsável por torná-lo inadimplente foi o uso desenfreado de cartão de crédito. Entre os anos de 2013 e 2015, ele trabalhava como gerente em uma loja automotiva e tinha salário de R$ 5.500. Com a demissão, seu orçamento mensal ficou comprometido em função da queda de sua renda, o que provocou acúmulo de dívidas em banco particular onde tinha conta corrente.
“Então, a situação foi ficando cada vez mais difícil. O banco me ligava diariamente para perguntar quando eu pretendia quitar meu débito”, diz o vendedor. Atualmente, Marco possui somente um cartão de débito da Caixa que usa para sacar seu salário. “O desemprego, somado ao fato de geralmente você usar o cartão compulsivamente, gerou um caos financeiro em minha vida sem precedente. Cheguei a atrasar aluguel, conta de água, luz e telefone. Teve um mês que esses serviços foram suspendidos em minha casa. Aí, eu tinha de pedir vale para o padrão”, conta.
De volta ao mercado de trabalho, e com renda mensal girando na casa de R$ 6.000, ele tem como meta daqui para frente reestruturar sua vida financeira. Negociou com os bancos possibilidades de abater a dívida que no cartão de crédito e, para os próximos meses, pensa em trocar de carro – já que por conta do baixo salário foi obrigado a comprar um Volkswagen Logus, com 20 anos de uso, e viu subir as despesas com mecânico. “Mas ainda assim minha dívida é alta e eu vou precisar passar por uma reestruturação financeira”, completa.
Desta forma, o educador financeiro do SPC Brasil e do portal Meu Bolso Feliz, José Vignoli, explicou que o número de consumidores que não controlam essas despesas ainda é grande. Segundo ele, é preciso que haja maior planejamento financeiro para evitar que as contas fiquem atrasadas. “Se não houver um controle rígido na gestão das finanças, o consumidor pode atrasar algumas prestações e transformar a dívida em uma bola de neve”, alerta o educador financeiro.
Na visão dos especialistas, a crise financeira não ajudou muito os brasileiros a compreenderem a importância de controlar os gastos e, assim, passar a consumir de forma consciente. Para a economista da CNC, Marianne Hanson, os indicadores da média histórica ainda permanecem elevados. “A taxa de desemprego bastante alta ajuda a explicar a maior dificuldade das famílias em pagar suas contas em dia e o maior pessimismo em relação à capacidade de pagamento”, afirma a economista da CNC.
BICO
Anteontem, o Diário da Manhã noticiou que pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) mostra que houve aumento de 57% para 64% em relação ao percentual de consumidores que recorreram aos ‘bicos’ para complementarem a renda no primeiro semestre deste ano. Já nas classes C,D e E a proporção desse tipo de trabalho sobe para 70% dos entrevistados. Levantamento informou ainda que, em cada dez consumidores, cinco (51%) acreditam que as condições gerais da economia pioraram ao longo deste ano.
Para muitos brasileiros, o primeiro semestre deste ano foi marcado por dificuldades que exigiram sacrifício e capacidade para adaptar a vida financeira. Maioria dos brasileiros (77%) disseram que não sentem os efeitos da melhora da economia no cotidiano, seja por meio dos preços de bens e serviços, juros, emprego ou consumo. Ainda conforme a pesquisa, entre esses entrevistados, 77% consideram que os preços continuam aumentando, ainda que 56% acreditem que as taxas de juro estão muito elevadas e 54% ponderam que o mercado de trabalho segue em contratar, o que soma para gerar desemprego.
A renda das famílias continua achatada, levando muitos brasileiros a fazer empréstimos para pagar contas ou mesmo quitar dívidas]]>