Violência contra mulher assusta
Diário da Manhã
Publicado em 9 de agosto de 2018 às 01:32 | Atualizado há 1 semanaApós ser sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2006, a Lei Maria da Penha foi responsável por tornar mais claros os direitos das mulheres que são vítimas de agressões no seio familiar. No entanto, os números de violência física, matrimonial e psicológica em Goiás ainda são alarmantes. O Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) informou na tarde de ontem ao Diário da Manhã que no ano passado 10.431 mulheres buscaram medidas protetivas relacionadas à lei. Neste ano, o TJ-GO disse que 5.288 recorreram aos trâmites legais para combater os casos de agressões.
O titular da Vara da Violência Doméstica contra a mulher de Rio Verde, Vitor Umbelino, explicou que em 12 anos houve grandes avanços no combate à violência doméstica, mas ele reconheceu que são necessárias mais ações para coibir esses casos. “Passamos a enfrentar o problema com uma legislação forte, que talvez perca apenas para a legislação da Espanha”, garante. Ele afirmou ainda que determinadas regiões do Estado figuram na segunda colocação à nível nacional em termos de feminicídios. “É preciso engajamento social para mudar a nossa patriarcal sociedade”, ratifica.
Segundo o magistrado, persiste ainda o desafio à educação que poderia trazer maior consciência em relação aos crimes contra a mulher. “Para se ter uma ideia, Goiás figura na primeira colocação no que diz respeito aos crimes de feminicídio que tem como alvo mulheres negras”, atesta. Assim, continua o juiz, o quantitativo demonstra uma realidade alarmante, mesmo que a Lei Maria da Penha seja referência na luta contra a violência doméstica. “Embora haja todo esses avanços, ainda é necessário olharmos para a realidade assustadora que chama atenção negativamente aqui”, declara Umbelino.
Já a ativista pela Frente Feminista de Luta e advogada, Sara Macedo, acredita que a Lei Maria da Penha é fruto de conquista dos movimentos feministas. Segundo ela, a violência que atinge as mulheres não é novidade no Brasil. “Infelizmente, setores fundamentalistas que estão financiando a morte de mulheres, barraram a discussão chamando até hoje de ideologia de gênero”, diz. O feminismo, frisa ela, de modo geral têm a incumbência de fazer com que a população reaja a episódios como de Tatiane Spitzner, que foi morta pelo companheiro no interior do Paraná no mês passado. “Ainda é tempo de muita luta”.
“Eu agradeço minha agenda cheia e por não ter tido tempo de ver nada de vídeos relacionados a Tatiane, que mostra sucintamente como funciona a sociedade da cultura da morte para mulheres, fingindo que não as veem”, afirma Sara. A advogada ressaltou também a importância de se pensar a educação com viés libertário e empoderador. Além disso, destaca ela, setores fundamentalistas seriam responsáveis por propagar a morte de várias mulheres por meio de suas ideologias. “Essa “ideologia”, entretanto, seria o ponto chave de uma imensa transformação social daquelas mulheres que não saem da luta”.
AGRESSÃO SEXUAL
No verão de 2013, a estudante universitária Clara Aparecida, 22, que pediu para ter o nome alterado nesta reportagem, relatou que sofreu abuso sexual de um rapaz que era amigo do seu então namorado. “Lembro que bebi um pouco e, quando abri os olhos, havia uma pessoa penetrando em mim. Não tive reação alguma. Foi horroroso”, diz ela, com a voz quase inaudível.
Comum no cotidiano de várias mulheres, o episódio deixou-lhe marcas que até hoje não cicatrizaram totalmente. Mas ela compreende a importância de se lutar e denunciar esses casos de violência, já que muitas vezes eles saem impunes após violentá-las física, psicológica ou sexualmente. “É uma ferida que arde muito, no fundo da alma, fazendo a gente se sentir culpada. Desde então, tive de fazer terapias para conseguir voltar a minha sanidade mental”.
Meses depois do abuso, quando Clara estava sentada no sofá vendo algum capítulo de telenovela, ela se deparou com uma cena em que um homem estuprava uma mulher. A imagem remeteu-lhe lembranças perturbadoras, e ela começou a chorar, o que acabou despertando preocupação em sua mãe. “Em um primeiro momento, não consegui falar nada para minha mãe acerca do que havia acontecido comigo”, conta.
“Só tive coragem para abrir a boca e relatar o abuso quando a situação já estava insustentável”, segue, respirando fundamente entre antes de iniciar a nova frase. “Não tinha paz”. Como era de se esperar, sua mãe ficou estarrecida. “Ela queria ir procurar a polícia”. Mas a revolta toda não foi adiante, porque Clara optou por permanecer em silêncio e lutar contra esse temor sozinha, evitando compartilhá-lo até com os confidentes mais íntimos. “Não foi nada fácil”.
MARIA DA PENHA
Em 1983, a farmacêutica bioquímica Maria da Penha foi alvejada nas costas pelo seu então marido. Após o disparo, ela passou quatro meses hospitalizada. Todavia, foi só quando retornou para casa, já em uma cadeira de rodas, quando ficou em cárcere privado, que ela soube: seu ex-marido é que tinha atirado nela – até então Maria acreditava que a agressão fora fruto de um assalto à mão armada. Em seguida, sofreu outra tentativa de homicídio quando o homem tentou eletrocutá-la durante o banho.
Por conta disso, decidiu lutar por justiça, o que demorou 19 anos e seis meses. Enquanto isso, o agressor levava uma vida tranqüila, sem maiores preocupações por conta da tentativa de homicídio. Foi condenado apenas oito anos após o crime e, sob proteção judicial, Maria conseguiu abandoná-lo. Em 2006, no entanto, a lei 11.340 – mais conhecida como Lei Maria da Penha – foi aprovada no Congresso Nacional com o objetivo de proteger mulheres que são vítimas de violência doméstica.
Lei completa 12 anos em meio a notícias de feminicídio
A Lei Maria da Penha chega aos 12 anos em meio a várias notícias de crimes cometidos contra mulheres. Em pouco mais de uma década de vigência, a legislação motivou o aumento das denúncias em casos de violação de direitos. De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos, que é responsável pela administração da Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, o Ligue 180, foram contabilizados somente no primeiro semestre deste ano pelo menos 73 mil denúncias.
As principais agressões denunciadas pelo canal de atendimento são cárcere privado, violência física, psicológica, obstétrica, sexual, moral, patrimonial, tráfico de pessoas, homicídio e assédio no esporte. A partir da sanção da lei, o Código Penal passou a prever estes tipos de agressão, que na maioria das vezes antecedem agressões fatais. O código também estabelece que agressores sejam presos em flagrante ou tenham prisão preventiva decretada se ameaçarem a integridade física da mulher.
Além disso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a violência contra mulher um grave problema de saúde pública, que atinge pessoas de todas as faixas etárias e classes sociais. Segundo a socióloga Uianã Cruvinel, estudiosa da temática, a prática de violência contra mulher não deve ser tratada somente do ponto de vista criminal, e sim de saúde pública. “Neste sentido temos que tratar da violência contra a mulher não apenas como uma questão criminal/prisional, mas como uma questão política e de saúde pública”, explica.
ANO PASSADO
No ano passado, o Brasil registrou em média 135 estupros por dia. Ao todo, foram contabilizados mais de 49 mil casos, o que representa aumento de 4,3% a mais que no ano anterior, uma média de 135 por dia, conforme dados levantados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A média nacional de 24 estupros por 100 mil habitantes. Em 2017, o País tinha dez estupros coletivos por dia.
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