Mais mulheres na prateleira
Diário da Manhã
Publicado em 8 de julho de 2017 às 04:45 | Atualizado há 2 semanas
A literatura contemporânea é plural em relação a outros períodos da história mundial. Escritores dos guetos, de regiões esquecidas e espaços de opressão conseguem publicar seus livros e serem lidos. Esse é um cenário que todos acreditam para as letras no século XXI. Infelizmente, a realidade não é esta que procuramos acreditar. As artes ainda são povoadas por ideologias e manias antigas. Por exemplo, um estudo da professora Regina Dalcastagné, da UnB, revela um dos cenários de exclusão. No início deste ano, a pesquisadora percebeu a ausência de escritoras no Prêmio Bravo. A pesquisadora penetrou no assunto e analisou que cerca de 165 títulos lançados por grandes editoras brasileiras, cerca de 72,2% dessas publicações eram de autoria de homens residentes no Sul e Sudeste brasileiros.
O espaço conquistado pelas mulheres é quase irrisório em relação a maioria esmagadora de homens nas prateleiras das livrarias. Se formos ainda mais fundo nas “preferências” dos leitores também vamos notar a exclusão de escritores negros, a concentração de publicações nas regiões do Sul e Sudeste e também o apreço pela literatura estrangeira em detrimento ao nacional. A exclusão de escritoras gerou uma articulação chamado Mulherio das Letras, iniciado pela escritora e vencedora do Prêmio Jabuti, Maria Valéria Rezende. O evento é em âmbito nacional e reúne cerca de 5 mil escritoras, editoras, ilustradoras, designers e pesquisadoras brasileiras. A ação nacional ocorre entre 12 e 15 de outubro em João Pessoa, na Paraíba.
Goianas nas Letras
Em Goiás, o Mulherio das Letras abarca expressões artísticas femininas tanto na literatura quanto nas artes visuais, gráficas e audiovisual. Entre os desafios estão a formação de leitores, circulação da produção realizada fora das regiões Sudeste e Sul, transbordamento dos limites tradicionais do livro e interfaces da produção literária com outras linguagens artísticas.
Nada mais certo do que uma mulher falando sobre um movimento para mulheres. Por esse motivo, entramos em contato com uma das organizadoras, a escritora e tradutora, Carol Piva, para que ela relatasse livremente o que é e como ocorrerá o Mulherio das Letras em Goiás.
Mulherio das Letras por Carol Piva
Estamos convidando a sociedade goiana para se juntar a nós neste sábado e pensar conosco não apenas as relações de gênero que vão desde a produção até a recepção das criações literárias. O que é imprescindível enfrentar, evidentemente, para construirmos um “lugar de fala” e abrirmos outros espaços para a relação das pessoas com as representações literárias. Mas nos interessa, tanto mais, ir tomando contato com as “mulheres escritoras” de hoje, descobrindo quem elas são, que visualidades estão produzindo e como estão sendo vistas quando embarcam neste processo de dar a ver, pela literatura.
O Mulherio das Letras 2017 é, na verdade, um encontro nacional, articulado pela escritora Maria Valéria Rezende, como uma espécie de provocação-reação a um prêmio chamado Bravo, que, após cinco anos de hiato, trouxe agora de novo à cena os seus “melhores do ano” – apenas homens. Então, a Maria Valéria criou um grupo no Facebook e foi convidando mulheres do País todo que produzem e/ou relacionam a literatura a suas práticas cotidianas, organizando o grande Mulherio nacional, que acontecerá em João Pessoa, em outubro deste ano.
Dentre as convidadas Brasil afora, representando Goiás estávamos eu e a Larissa Mundim, escritora e editora da Nega Lilu, que faz um lindíssimo trabalho em favor da literatura e da leitura. E eis que, com toda a articulação da poeta Alda Alexandre, a sensibilidade da artista visual mexicana Ita Castañeda e as mãos firmes das demais organizadoras, decidimos contribuir para a criação deste “lugar de fala” aqui em Goiás, trazendo uma prévia do Mulherio nacional ao nosso Estado.
Além de fortalecer e ampliar a visibilidade do trabalho da mulher no campo da literatura, uma das nossas propostas principais é também pluralizar a própria noção de criação literária. Vejamos, por exemplo, as mulheres produzindo webpoesia, ciberficção, novelas gráficas, booktrailers, narrativas audiovisuais, a palavra se abrindo em imagem e esta se imiscuindo em palavra. Ou seja: produzir literatura hoje vai além do ato de escrever, e isso precisa ser pensado, debatido, problematizado.
É sobre esta noção estendida de escrita literária, aliás, que a poeta e professora Alice Fátima Martins (FAV/UFG) vai fazer sua fala inaugural no Mulherio. E então, ao longo do dia, combinaremos produção com reflexão. Teremos oficinas de fotografia, poesia têxtil e escrita criativa; rodas de conversa, uma pela manhã, com as meninas do Leia Mulheres, e outra à tarde, com a presença ilustre da Jéssica Ipólito, que está chegando de Salvador/BA para se juntar a nós, e será acompanhada, na prosa, pelas pesquisadoras de Anápolis; haverá, ainda, a Feira E-cêntrica ao longo do dia e, fechando o Mulherio, o Sarau das Minas, com as queridas da Subversão Feminista.
O nosso Mulherio Goiás é um evento colaborativo, que conta com uma bonita integração entre a universidade, o campo artístico e a comunidade goiana, além do apoio de importantes entidades do Estado. As deflagrações e apresentações serão feitas por mulheres, mas a nossa ideia é que nos misturemos, em um encontro aberto a todas e todos. Fica, pois, o nosso convite e o agraciamento de fazê-lo aqui no Diário da Manhã.
Programação
[9h] Abertura do Mulherio das Letras 2017–Edição Goiás: vídeo-saudação da escritora Maria Valéria Rezende, fala inaugural da escritora Carol Piva e deflagrações-em-debate da profª Alice Fátima Martins
[9h40] Café da manhã
[10h às 11h30] Oficinas e roda de conversa com:
– Ana Clara Gonçalves: “Mulher in foco: oficina de auto-retrato feminino”
– Micheline Lage: “Clarice, quando a voz que cala fala”
– Maria Clara Dunk, Taluana Wenceslau, Amanda Faria e Cris Melo,
com participação da Dairan Lima: Roda de leitura e discussão: #LeiaMulheresGoianas
[11h30 às 12h] Apresentação musical com Lorrana Santos
[Intervalo]
[14h às 16h] Roda de conversa: Mulheres ocupando arenas: estratégias e tramas pra fugir da ‘sina’, com mediação de Carol Piva e Alda Alexandre
– Jéssica Ipólito, do blogue Gorda e Sapatão
– Isadora Costa Lemes, pesquisadora (Marcha das Vadias: suas representações, engajamentos e conflitos)
– Bruna Gabriela Corrêa, pesquisadora (Páginas de Concreto: Cartográficas Poéticas)
– Giselle Oliveira da Silva, pesquisadora (Site Blogueiras Negras e #euempregadadoméstica)
[16h30 às 17h] Apresentação musical com Thayná Janaína
[17h às 20h] Sarau das Minas GO
[participação do grupo Subversão Feminista e de Lorrana Santos]
[13h às 20h] Feira E-cêntrica
[10h às 16h] Oficina Poesia Têxtil
[coordenação da artista visual Ita Castañeda]
Equipe organizadora:
Carol Piva- escritora, tradutora, doutoranda em Arte e Cultura Visual (FAV/UFG)
Larissa Mundim- escritora, realizadora cultural, jornalista, editora-coordenadora da Nega Lilu
Alda Alexandre- poeta, professora, mestranda em Arte e Cultura Visual (FAV/UFG)
Ita Castañeda- artista visual, mestranda em Arte e Cultura Visual (FAV/UFG)
Carol Schmid- escritora, atriz, idealizadora-coordenadora do Sarau das Minas GO
Cássia Fernandes- jornalista, poeta, produtora cultural
Micheline Lage- escritora, professora do IFG, câmpus Goiânia
Carla Luzia de Abreu- artista visual, pesquisadora, professora da FAV/UFG
Alice Fátima Martins- professora da FAV/UFG, poeta, pesquisadora, artista visual
Flávia de Castro- servidora da Proec/UFG, pesquisadora de literatura brasileira contemporânea
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