Cultura

“Moonlight não diz muito, diz tudo”

Diário da Manhã

Publicado em 2 de março de 2017 às 02:08 | Atualizado há 1 semana

A noite do último domingo revelou ao mundo os vencedores do Oscar, uma das premiações mais renomadas do cinema mundial, que aconteceu pela 89ª vez. Entre as inúmeras surpresas, uma gafe roubou a cena: o prêmio de melhor filme, o mais aguardado da noite, foi anunciado de forma errada, dizendo que os realizadores do musical La La Land – Cantando Estações haviam vencido, quando o drama psicológico Moonlight era o verdadeiro vencedor. O longa, dirigido e escrito por Barry Jenkins, é apenas o segundo da carreira do cineasta e recebeu ainda duas outras estatuetas nas categorias melhor ator coadjuvante e melhor roteiro adaptado. O resultado foi inesperado, tendo em vista que La La Land é um dos filmes mais indicados da história: 14 categorias.

O filme acompanha três momentos da vida de Black, interpretado por Trevante Rhodes: infância, adolescência e trinta e poucos anos. Possui enredo intimista: seu foco está nos diálogos e observações e não em grandes eventos. Black, uma criança tímida que foi abandonada pelos pais após o nascimento, é resgatado por um casal de traficantes. Alvo de bullying durante toda a adolescência, ele se aproxima de sua sexualidade de forma interna e abstrata, através da relação com Kelvin, um amigo próximo. A conturbada relação de Black com a mãe, que passa por várias internações, também se faz densa durante o filme. Moonlight foi o primeiro filme com um elenco composto exclusivamente por negros a vencer na categoria melhor filme do Oscar.

Segundo David Rooney, do jornal The Hollywood Reporter, o elenco do filme é impecável. Ele descreveu ainda a fotografia de James Laxton como “fluida e sedutora, enganosamente suave e capturada com terrível compaixão”. Rooney concluiu que o filme “atinge notas agudas para qualquer um que já tenha lutado com a própria identidade para encontrar conexões em um mundo solitário”. Em outra resenha, homogeneamente positiva, Joshua Rothkopf, do jornal Time Out New York, elogiou a direção de Barry Jenkins e escreveu que o filme mostra “sem dúvida, a razão pela qual nós vamos aos cinemas: para compreender, chegar perto, para sofrer, esperançosamente com as pessoas”.

Enquanto discursava após a exibição de Moonlight no Festival Internacional de Toronto, no Canadá, em 2016, Justin Chang, que trabalha no jornal Los Angeles Times, maior impresso metropolitano em circulação nos Estados Unidos, descreveu o filme como “dolorosamente romântico e raramente sábio”, sugerindo que o filme provavelmente seria indicado ao Oscar do ano seguinte, uma previsão certeira. Chang também considerou um filme fortemente crítico, que de forma observadora desmascara vários tabus sociais. “Barry Jenkins fez um filme que obriga o espectador a olhar para além da aparência e seus significados superficiais de identidade, passando por estereótipos familiares a fim de desmontá-los silenciosamente. Moonlight não diz muito, diz tudo”.

 

Antecedentes

O diretor Barry Jenkins ficou conhecido por Medicine for Melancholy, lançado em 2008. O filme, que contou com baixo orçamento, também é associado a um movimento chamado mumblecore, que surgiu em meados dos anos 2000 nos Estados Unidos. Jenkins contou apenas com 15 mil dólares, doados por um amigo, para realizar o longa, que conta com 88 minutos e foi bem recebido pela crítica por sua atmosfera melancólica e que acompanha o encontro romântico de apenas um dia dos protagonistas, Micah e Jo. O filme consiste principalmente em temas confrontantes a respeito da assimilação dos americanos negros à cultura denominada indie ou hipster. Também enfatiza a identidade dos negros da cidade de São Francisco, que compõem apenas 7% da população.

Identidade Racial. O roteirista e diretor Barry Jenkins descreveu os dois protagonistas de Medicine for Melancholy como responsáveis por “jogar para frente e para trás um debate sobre as políticas de identidade”. Cada um dos dois personagens encarna uma ideologia. Jenkins disse que Micah, interpretado por Wyatt Cenac, é um homem que está sempre construindo barreiras, enquanto Jo pensa que raça é algo limitante. Acusando Jo de assimilação, Micah tenta reencontrar sua negritude escencial, enquanto Jo, de forma contrastante, convida Micah a superar seus questionamentos raciais, tentando ao mesmo tempo superar seus próprios impasses. O filme foi escrito dois anos antes de ser lançado.

Medicine for Melancholy inclui efeitos visuais como dessaturação de imagens. Os cineastas foram responsáveis por diminuir a intensidade das cores frame por frame. Em entrevista, Barry Jenkins afirmou que certas cenas do filme têm cores mais reluzentes para reforçar os momentos em que os personagens não estão discutindo sobre problemas raciais ou dificuldades habitacionais. O crítico Roger Ebert, que trabalha no veículo Chicago Sun-Times, elogiou o filme, chamando os atores de “naturalmente envolventes”, o diretor de “preciso” e notou ainda a beleza fotográfica do longa. O filme foi nomeado em três categorias na 24ª edição do prêmio Independent Spirit, que incentiva o trabalho de cineastas independentes.

O movimento mumblecore, ao qual Medicine for Melancholy é associado, pode ser definido como um subgênero do cinema independente, caracterizado por atuações e diálogos naturais (ou até mesmo improvisados), baixo orçamento de produção, ênfase nas conversações e foco no relacionamento entre pessoas entre 20 e 30 anos. Entre os cineastas associados ao gênero estão Andrew Bujalski (Funy Haha, Mutual Apreciation), Lynn Shelton (My Effortless Brilliance, Humpday), Mark e Jay Duplass (Puffy Chair, Baghead), Aaron Kratz (Dance Party USA) e Joe Swanberg (Hannah Takes The Stairs, Alexander, The Last). A atriz Greta Gerwig é considerada musa do movimento e atualmente é uma atriz renomada nos Estados Unidos.

 

Confira a lista completa de vencedores do Oscar 2017:

Melhor filme – Moonlight

Melhor diretor – Damien Chazelle (La la Land)

Melhor roteiro – Kenneth Lonegran (Manchester by the Sea)

Melhor roteiro adaptado – Berry Jenkins (In Moonlight Black Boys Look Blue, de T. McCraney)

Melhor fotografia – Linus Sandgren (La la Land)

Melhor atriz – Emma Stone (La la Land)

Melhor atriz coadjuvante – Viola Davis (Fences)

Melhor ator – Casey Affleck (Manchester by the sea)

Melhor ator coadjuvante – Mahershala Ali (Moonlight)

Melhor filme em língua estrangeira – Forushande (Irã)

Melhor animação – Zootopia

Melhor curta-metragem – Mindenki

Melhor curta-metragem de animação – Piper

Melhor documentário em curta-metragem – The White Helmets

Melhor documentário em longa-metragem – O.J.: Made in America

Melhor edição/montagem – John Gilbert (Até o último homem)

Melhor trilha sonora – Justin Hurwitz (La la Land)

Melhor canção original – Justin Hurwitz, Pasek e Paul (La la Land)

Melhor edição de som – Sylvain Bellemare (A chegada)

Melhor mixagem de som – Hacksaw Ridge

Melhor direção de arte – Sandy Reynolds-Wasco e David Wasco (La la Land)

Melhor maquiagem – Suicide Sqad

Melhor figurino – Animais fantásticos e onde habitam

Melhores efeitos visuais – Mogli: o menino lobo

 

 

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