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A banda do futuro

Diário da Manhã

Publicado em 21 de junho de 2018 às 00:01 | Atualizado há 3 semanas

Entre a antiga capital do Es­tado, a cidade de Goiás, e a atual, Goiânia, está o muni­cípio de Itaberaí. A ocupação da região ocorreu durante o declínio da exploração de pedras precio­sas no Brasil e na instalação dos caipiras, da pecuária e da agricul­tura. Tradicionalmente voltada para o sertanejo e as vivências do campo, seria difícil acreditar que o rock and roll poderia encontrar esses habitantes. A banda Chá de Gim, que surgiu há três anos no cenário musical de Goiânia, deu seus primeiros passos nesta re­gião. Formada por Diego Wander, Caramuru Brandão, de Itaberaí, e Alexandre e Bernas, de Goiânia, o grupo já lançou um disco, intitu­lado Comunhão. Desde a divulga­ção do primeiro álbum, os meni­nos da Chá de Gim desenvolvem outros projetos, como novas mú­sicas e apresentações ao vivo em cidade do interior, na capital e até fora do Estado.

O grande hit da banda é a can­ção Benzim, que atingiu a quin­ta posição da playlist Viral 50 da plataforma musical Spotify, du­rante o lançamento do disco. Até o momento a música foi reprodu­zida cerca de 490 mil vezes por as­sinantes do serviço. A formação também foi vencedora em pri­meiro lugar do IV Festival Juriti de Música e Poesia Encenada, no ano de 2014, e conseguiu o segun­do lugar no Festival Canta Cerra­do, em 2015, organizado pelo Sesi e pela TV Anhanguera. Eles tam­bém já se apresentaram no Gran­de Hotel Vive o Choro, organiza­do de frente ao Grande Hotel, no centro de Goiânia, e no Canto da Primavera, festival musical reali­zado pelo governo do Estado na cidade de Pirenópolis.

A produção da banda acontece de maneira independente: entre os próprios integrantes. Em reu­niões animadas, encontros ou ba­res, surge uma melodia, um peda­ço de uma letra ou a ideia de um solinho no final do show. As apre­sentações, vendas e contatos para shows também são organizados pelos próprios músicos, que se orgulham de se dizer uma ban­da independente. Recentemen­te, o grupo lançou duas singles do novo disco: Canção do Futu­ro e Preto Velho. As gravações de­monstram, além de maturidade, uma linha de influências que cer­cam a banda e os integrantes: o Brasil, o desconcerto e a origem do povo que aqui habita.

 

 

CONFIRA A ENTREVISTA COMPLETA COM CARAMURU BRANDÃO, GUITARRISTA DA CHÁ DE GIM:

–O primeiro disco da banda flerta com o psicodélico e o meio urbano. Na nova single o tema vai para um lado mais ancestral, com referências no sertão brasileiro. Como é definido esses princípios trabalhados nas letras?

Não há necessariamente um objetivo definido a princípio quando vamos criar uma música nova. Penso que elas sejam produto de uma sequência de eventuali­dades aleatórias. Falando da última sin­gle, Preto Velho, por exemplo, ela veio meio como as outras do Comunhão; havia um esqueleto poético que fazia referência à cul­tura afrodescendente, as religiões africa­nas com toda aquela bagagem, e logo me veio à cabeça acrescentar elementos que fizessem algum sentido com esse univer­so, como o berimbau casando com uma le­vada que lembra um ijexá. Mas no que diz mesmo respeito às influências, muito pro­vavelmente isso saiu de um vislumbre nos­so pelos trabalhos do Gilberto Gil.

–Mesmo com um suposto “novo tema” nas canções, qual seria a principal característica da banda Chá de Gim? O que liga os membros da banda com as ideias transmitidas nas letras?

A principal característica? Acho que a palavra seria liberdade. Isso torna a coi­sa toda muito mais fluida, mais espon­tânea pra todo mundo. Esse gosto por misturar propostas aparentemente es­tranhas musicalmente nos desperta pra uma criatividade mútua. É como acen­der o pavio de uma bomba. Isso nos mo­tiva, muito porque nos diverte.

–Desde o primeiro disco lançado pela banda, o que muda na produção das músicas até esse momento?

Muitacoisa. Jápassou unsanosdesdeque nos conhecemos e gravamos o Comunhão, e, com isso obviamente houve muita troca de informação, de influências e referências musicais, de experiências como uma banda declaradamente experimental no decorrer desse tempo todo. Isso mexe com as estrutu­ras. Quero dizer, a forma como enxergamos certos aspectos da música muda natural­mente, e isso deixa a produção de coisas no­vas mais palpável, mais madura, eu diria.

–O que permanece das influências do primeiro CD para estas novas composições que devem ser lançadas em breve?

Com certezaquasetudo. Bandas comoMu­tantes, Júpiter Maçã, Pink Floyd, Led Zeppe­lin, porexemplo, nospassamumaprendiza­do eterno. Fica gravado na cabeça, mesmo que inconscientemente, tá tudo ali de algu­ma forma.

–O primeiro CD da banda foi lançado em formato digital. A single Canção do Futuro e esta nova Preto Velho também foram divulgadas no mesmo formato. Qual a importância das plataformas digitais de música para novas bandas? Como vocês pretendem trabalhar o material gravado?

Isso é o futuro da música, né. Ou melhor, o presente. Nos importa que a música seja ouvida pelas pessoas, que a música seja cri­ticada, que a música chegue aos ouvidos e atinja o gosto de pessoas novas, de outros públicos, de outros lugares. A melhor op­ção pra essa propagação do nosso som são as plataformas digitais, sem dúvida. Acho que pra todo músico moderno que queira o mesmo. O disco novo vai tá em tudo que for possível na internet, e provável também que façamos CDs físicos com um encarte baca­na e tudo, pra poder vender nos shows que virão do novo disco, talvez levantar uma grana. Sempre ajuda. O importante é que esteja acessível.

–É comum que algumas bandas tenham início entre amigos, com uma vontade muito menos comprometida com o trabalho em si. Quando e como foi se reconhecer como uma banda séria? Vocês sempre tiveram a intenção de fazer da música uma fonte de renda?

Nem sempre. Mas hoje já pensamos mui­to mais nessa questão como banda. A difi­culdade te obriga. Dificuldade no sentido de estar “competindo” em um mercado que não se importa com muita coisa, desde que seja massivamente consumido. Daí entra­mos naquele dilema, quase um clichê: ga­nhar dinheiro com uma música que seja in­dustrial e comerciável ou fazer aquilo que vem do coração? Estamos seriamente foca­dos em equilibrar esses dois extremos. Até me atrevo a dizer que todo músico só o é por es­sas duas razões; dinheiro e prazer. Unir os dois, eis a questão.

–Trabalhar música no Brasil, em 2018, envolve algumas dificuldades específicas (falta de financiamento público, políticas que destroem a cultura e etc.). Como vocês tentam driblar essas nuances para continuar fazendo música no Brasil?

Felizmente temos vontade de sobra. Com um pouco de articulação conseguimos con­tornarisso. Festivaisindependentes, porexem­plo, populares aqui em Goiânia, são o mais puroexemploderesistência. Nãopodemnos impedir enquanto houver revolta.

–A cidade de Goiânia foi reconhecida como um berçário de grandes bandas do cenário nacional. Existe alguma pressão para se equiparar a estas formações? O que ser goiano influencia na produção da Chá de Gim?

Claro. Existe uma responsabilidade ine­gável em campo. Bandas como Carne Doce e Boogarins indubitavelmente tem deixado umlegadoprocenárioculturalgoiano, ecla­ro que nos espelhamos nessa galera em mui­tos aspectos, mesmo com um trabalho bem diferente, tecnicamente falando. Há uma sede de crescimento não só como músico, de desenvolvimento técnico e artístico, mas também de reconhecimento, de poder levar seu trabalho pra longe como eles tem feito, de fazer acontecer, criar novas perspectivas do que é a música alternativa goiana. Temos essa ambição, sim, e queremos somar ain­da mais ao que diz respeito a atual MPB.

–Nesta sábado a Chá de Gim realiza um show no Martim Cererê, na Cidade Rock, produzida pela Monstro Discos. Sendo uma formação recente, como é o contato com grupos musicais dos anos 90/80, época de maior efervescência do rock goiano?

Estamos sempre atentos ao som dessas bandas, principalmente quando uma delas toca em algum festival. Conhecer não só o som, mas também os artistas nos rolês da vida. Afinal, novas amiza­des são sempre bem vindas. Acho que isso engatilha o entusiasmo em todo músico, e muitas vezes são responsá­veis por trabalhos incríveis.

–Em outros estados que vocês se apresentaram, como o público recebe a música goiana? Existe algum tipo de preconceito ou privilégio por ser daqui?

Existe muita curiosidade. Foi o que no­tamos quando fomos pra Brasília, tocar no Canteiro Central, ou quando fomos pra Uberlândia em Minas. Sempre somos bem recebidos pelas outras bandas, e ro­lam conversas, troca de contatos e interes­ses, sempre. Bandas de todo lugar querem vir pra cá mostrarem seu som. E de certo modo somos privilegiados por termos nas­cido aqui nessa caldeira fervente.

–Tendo em vista que a banda já parte para o segundo CD da carreira, quais dicas e gambiarras vocês sugerem para bandas iniciantes do Estado?

Um conselho: não esperar a criativi­dade chegar, você precisa se levantar, sacudir a poeira e ir buscá-la de onde quer que ela venha. Esse é o combustí­vel, é aquilo que faz a coisa andar. Você precisa fazer disso algo que você goste, sinceramente. Isso já é meio caminho an­dado. E um efeito dominó.

–Uma parte dos membros da Chá de Gim nasceram no interior do Estado. Existe espaço para bandas e músicos do interior em festivais e eventos da capital? Como vocês acreditam que seria possível viabilizar a participação desses grupos?

Acredito que alguns festivais daqui ain­da não fornecem espaço adequado pra bandas menores terem a oportunidade de mostrarem o trabalho pra uma gama maior de gente. É complicado. Existem in­teresses em conflito em todo meio, mas com garra, paciência e apoio não há como não acontecer. Os festivais menores e indepen­dentes tem um papel importantíssimo nis­so, e acredito que eles sejam um meio aco­lhedor e motivador. Tivemos, por exemplo, há alguns dias a oportunidade de tocar num festival independente, em Itaberaí, organizado por uns amigos, e conhece­mos bandas que nunca tínhamos ouvido falar. Isso é a conexão, a visão que falta em muitas casas de shows também. É preciso insistir com os grandes e médios produto­res musicais sobre essa ideia.

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