Entretenimento

A beleza do homem mal diagramado

Diário da Manhã

Publicado em 16 de outubro de 2018 às 22:05 | Atualizado há 6 anos

A migo bebum, tim-tim, esta­va tentando pelo menos chegar até quar­ta-feira (dia do segundo jogo da final da Copa do Brasil entre Corinthians x Cruzeiro), mas eis que es­creverei a epístola do ho­mem feio, do homem mal diagramado, do homem desfavorecido, do homem alvo de piadas nas discus­sões da alta sociedade.

Como é tradição de toda dialética alcoólica e boêmia, não poderia dei­xar de publicar este rabis­co diário em prol dos se­res que são esteticamente desfavorecidos, as verda­deiras entidades da boe­mia raiz nestes tempos gourmetizados. Ajudá­-los e compreendê-los é a minha verdadeira tese antropológica de boteco, o resto é resto, dane-se.

Traz mais uma, seu Xavier, a firma pagou o sonhado contra­cheque e a próxima, juro, é por minha conta. Sou mais um de­voto da boemia de cada dia, pro­vavelmente um literato com sé­rias tendências ao alcoolismo e severamente feio. Sim, feio, qual o problema? Independentemente de qualquer coisa, lembre-se: se a vida dói, drinque caubói, pois toda desgraça é pouca para nós.

Carpinteiro Libanês, figura ca­rimbada nas instituições boêmias, personagem da crônica As lições de um jovem velho boêmio deste escriba que vos batuca a retina, ti­rou um pandeiro do porta-malas do carro, e começou a tocar Adoni­ran Barbosa. Todos, simplesmente todos que estavam no boteco, en­toaram cânticos entusiasmados so­bre a letra do rei do samba paulista.

Em seguida, num ato de ex­trema delicadeza lírica e bêbada, Carpinteiro apelou para o clássi­co Mulheres, de Martinho da Vila, a hipérbole sambística que toca em toda taberna onde buscamos refúgio das dores amorosas. Por pouco, muitíssimo pouco mesmo, não chorei. Evitei um baita vexa­me, diga-se de passagem.

Imagine só: um jornalista, edi­tor deste jornal, tiozão em poten­cial, totalmente embriagado, cho­rando por ser mal diagramado… Porra, não dá! Aliás, caso tivesse feito uma merda dessas, me torna­ria persona non grata no clube dos esteticamente desfavorecidos. E, para meu e seu consolo, nosso clu­be já contou – e conta – com inte­grantes de peso, como Nelsão Ro­drigues, Vinícius de Moraes, Henry Miller e Hunter Thompson.

Resumindo: a beleza é passa­geira e a feiura, meu caro Xico Sá, outro integran­te ilustre do grupo, é para sempre, então nos res­ta apenas aturá-la e en­tendê-la. O francês Serge Gainsbourg, o tio que pe­gava Brigitte Bardot e Jane Birkin, duas beldades, na década de 1960, autor da canção mais orgástica de todos os tempos, Je T’aime Moi Non Plus, era horripi­lantemente feio.

As mulheres, é bom ter em mente, ao contrário do que a maioria dos ho­mens pensa, são empáti­cas com sujeitos desfavo­recidos, algumas fazem até caridade emocional e sexual. E não me venha com essa de que elas es­tão atrás de grana, porque se fosse assim o cara que mora embaixo da ponte estava sozinho, e não com seu amor ao lado.

E, para fechar com chave de ouro este breve manifesto sobre o charme da feiura masculina, ho­mem que é homem não trabalha apenas com senso estético. Aque­le bonitão, com o braço malhado, que corre por longos quarteirões no crepúsculo diário, tenta ganhar por nocaute, mas nós triunfamos por pontos corridos.

Boa sorte, camarada mal diagra­mado, a humanidade é foda, mas sempre há o boteco, e é importan­tíssimo ficar bem colocado nele, de preferência na primeira mesa. A gente nunca sabe o que elas pro­curam pela noite, às vezes o desal­mado pode dar de cara com aque­la moça que diz “hoje vou dar para o primeiro que aparecer”.

É isso. Até a próxima crônica do louco amor. Tchau, obrigado!

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