Entretenimento

A rodrigueana

Diário da Manhã

Publicado em 23 de outubro de 2018 às 22:35 | Atualizado há 6 anos

Nelson Rodrigues falou e tá falado: “Não tem para nin­guém, barbada, meu filho, ninguém representa a ideia de pecado e liberdade ao mes­mo tempo como essa minha Engraçadinha”.

E não mesmo. Um dia des­ses, entre xingamentos e con­testações urbanos burguesas, veio-me à mente a imagem dela. Loira, shortinho azul po­laco curto, pernas queimadas do sol, rosto lascivo. Uma lou­cura, amigo leitor.

Pode acontecer tudo nes­sa vida maluca e desvairada. Contudo, pouca coisa é me­lhor do que amar. Ah, como é bom aquele cheiro de mulher. Aquelas mãos leves e macias. Aquele sorriso sedutor e con­quistador.

Sábio velho safado. Não o Bukowski. E sim Henry Mil­ler – o cara que escrevera a trilogia de sacanagem filosófica/existencial, A crucificação encarnada. Livrão, cara. Já o li e reli umas duzentas ve­zes. Mestre Miller andara pelas ruas de Nova Iorque recheado de inda­gações sobre a vida, mas com dois propósitos em mente: amor e coito.

Oh, que vestidinho! Outro dia, cheguei bêbado às duas da madru­gada. Dei de cara com ela, acredi­ta? Tive de dar aquele sorriso etílico de boêmio invertebrado. Pra mi­nha sorte, ela retribuiu-me a genti­leza, expressando um maravilhoso e belo cumprimento entre dois vi­zinhos estranhos.

Ao chegar em casa, liguei um BB King – rei do blues e uma trilha sonora excepcional pruma foda. O som deu-me uma vontade de amar, de deliciar-me no sexo feminino e carinhoso. A birita deixa-nos atur­didos. Quando bebe-se, algo acon­tece. Sábio velho Buk – o cafajestão da literatura.

Diga sim à vida. Diga sim ao amor. Diga sim à embriaguez, ao sexo, à arte. Lembrei-me de Nietzs­che. E, depois, de Morrison – o vo­calista do The Doors, a banda mais louca da história do rock.

Trocamos pouquíssimos olha­res, naquela noite. Fui pra casa. E curti o término de meu porre sozi­nho. Ela deveria estar em sua casa, cuidando de seu filho – sim, ela tem um filho –, enquanto penso em al­gumas linhas trôpegas. Clap-clap, penso em algumas linhas! Ninguém as lê! Acho que nem o pessoal des­te jornal as lê.

Um dia desses, acho que on­tem, ela passou com um carrinho de bebê. Que coisa linda. Uma mu­lher com bebê representa e simbo­liza o amor materno – aquele que o doidão do Freud disse que é a pri­meira atração pelo sexo oposto que sentimos.

Eu fumava meu último Minis­ter. E pensava nas crônicas de Xico Sá e em sua definição de estria e celulite. “Homem que é homem não sabe a diferença entre es­tria e celulite”, escreveu. E se eu te contar que ela não tem es­tria, nem celulite, ou qualquer coisa? Eu também não sei di­ferenciar essa porra. Mas fo­da-se: ela é uma coisinha de louco. Ela lembrou-me de Ju­dite, Vera Fischer, em Perdoe­-me por me traíres, filme dirigi­do por Braz Chediak, baseado na peça do Nelsão.

Até o porteiro de meu con­domínio a acha lasciva. Fui pedir um cigarro pra ele, e ela estava na portaria, com seu fi­lho. Cheguei, todo desengon­çado, tentando parecer sim­pático, pra conversar e brincar com a criança. Falei alguma coisa, mas nem a criança, nem a mãe, nem o porteiro enten­deram. Tive de abrir uma fei­ção descontraída. Tive de for­çar, ali, uma situação qualquer pra não dar uma de otário. De qual­quer forma, acho que não deu.

Ela foi embora, com seu filho no cangote.

Que gata! Que linda! Que von­tade de abraçá-la. Que vontade de cuidar dela e do filho e da mãe e de sua família toda!

Ela, cujo nome ainda não desco­bri, tem a maldade, a sacanagem, a perversão nas pupilas. Taí, talvez sa­canagem na pupila lhe seja a carac­terística mais atrativa. Ou magnéti­ca, como cantou Jorge Ben Jor. Ela dá uma risadinha tímida pras pes­soas. Uma garota tipicamente do in­terior, que vive na capital de Goiás.

Nela, encontro uma pitada rodri­gueana. Ela é tesuda. Claro que por não ser científica, minha pesquisa apontou que todos, nos bares por aí, preferem as loirinhas novinhas. Sinto que não devo reproduzir neste espa­ço o conhecidíssimo vexame onoma­topaico dos homens diante da gosto­sinha-mor dessa caceta.

Que loirinha tesuda.

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