Caos e rebeldia:festa celebra cinquentenário de Maio de 68
Diário da Manhã
Publicado em 23 de maio de 2018 às 00:27 | Atualizado há 4 semanas“É proibido proibir”. Imortalizada pelo tropicalista Caetano Veloso em 1968, a frase expressa com fidelidade o sentimento que transformou o mundo nas últimas cinco décadas. Era uma época em que a utopia e o humor davam vida a slogans como “o poder está nas ruas, e não nas urnas”. Ainda que essas palavras tenham sobrevivido às intempéries da natureza e às pinturas dos muros parisienses, os dizeres estão mais vivos do que nunca na cabeça da geração 2013, que teve seu estopim em Goiânia justamente no mês de maio e bebera na fonte dos camaradas franceses. Até hoje é possível encontrar nas paredes da Universidade de Sorbonne – epicentro da revolta estudantil – grafites difundindo o conceito de liberdade e pregando a velha máxima “seja realista, queria o impossível”.
Ponto, parágrafo. Estamos em 2018… Com o propósito de reverenciar a revolta estudantil e nunca esquecer as prisões políticas de 2013 (leia crônica na página 7), o coletivo Metamorfose e estudantes de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás (UFG) promovem hoje à noite, no Cabaret Voltaire, no Setor Itatiaia, próximo ao Campus Samambaia, a festa Liberté – Maio de 2018 em comemoração aos 50 anos do capítulo que ficara conhecido como maio de 68. Ao todo, o evento t e r á apresentação de seis bandas e performances artísticas, exposições, flash tattoo, projeções de videoarte e discotecagem que contará com músicas revolucionárias responsáveis por acentuar a rebeldia e a revolta pelo mundo. A entrada custará R$ 10, a cerveja Antarctica R$ 4 e a Heineken R$ 8. Os portões estarão liberados depois das 19h e as festividades vão rolar noite adentro.
Animada e ansiosa pela festa, a fotógrafa Júlia Lee, 21, relatou que seu principal objetivo enquanto uma das organizadoras é fomentar a cultura na Capital goianiense e levantar fundos para o coletivo Metamorfose. De acordo com ela, além de a festa Liberté–Maio 2018 ter um caráter político, trata-se de um sonho que está saindo do papel e pode trazer bons momentos para Goiânia. “Todos os integrantes do coletivo estão se ajudando, e isso é importante demais para o nosso movimento, bem espírito Maio de 68, libertário, essas coisas”, afirma Júlia, que também é jornalista. Para ela, que foi uma das responsáveis por dar o pontapé inicial ao ainda site Metamorfose com um amigo no ano passado, “as coisas estão dando certo para o grupo todo, o que é fundamental para que não percamos o tesão nas coisas que fazemos”. “Espero que a galera cole em peso no rolê”.
Os artistas que vão animar a festa também estão ansiosos para expor suas obras, tocar o primeiro acorde ou cantar a primeira sílaba. Segundo o músico Gabriel Vittereti Leite, 20, a primavera francesa possui um papel de referência importantíssimo na organização dos movimentos sociais, o que torna o evento por si só relevante. “É muito importante celebrar a data, sempre vi as revoltas estudantis que rolaram à época com bons olhos”, revela o músico, que é integrante da banda Guerrilha dos Coelhos Mutantes, uma das atrações da noite. Para Leite, é nítido que ainda se vive uma espécie de ‘resquício’ que do aconteceu durante o mês de maio em Paris, que é tido por muitos como o ápice da contracultura e da negação dos valores repassados pelos pais aos filhos. “O som que a nossa banda faz, inclusive, sofre uma certa influência do espírito da época”, finaliza o músico.
Integrante da banda Retalha Vento, o músico Karl Marx, 21, disse que o momento é propício para lembrar a luta travada por estudantes e trabalhadores em maio de 68, o que pode ser extremamente relevante no contexto político e econômico pelo qual o País passa. Na visão de Marx, é necessário “unir as caras e pensar na mudança dos rumos políticos do Brasil”. “Inspirados em maio de 68, a gente precisa se conhecer, se deixar afetar, fortalecer os laços para que a mudança seja em breve”, afirma ele, que promete cantar alguns clássicos da música brasileira que fizeram sucesso durante o período. “O público pode esperar uma ou outra coisa de Caetano, Chico, esses caras. Vamos fazer algo bem suave, ao estilo voz e violão mesmo, mas sempre lembrando do espírito da época”.
LUTA
O ano de 2014 foi histórico na luta contra o aumento da passagem do transporte coletivo em Goiânia. Isso porque militantes foram presos pela Polícia Civil (PC) em operação denominada de R$ 2,80, alusão ao preço do bilhete de embarque à época. A prisão do jornalista e editor do DMRevista, Heitor Vilela; do cientista político, Ian Caetano, e do jornalista, Tiago Madure i ra, uniram setores progressistas – das mais diversas orientações ideológicas – na luta contra a criminalização de manifestações populares na capital. Dois anos depois, e tentando manter vivo esse momento que remete aos anos de chumbo, o jornalista e documentarista Lucas Xavier lançou o documentário R$ 2,80, que reúne entrevistas e depoimentos de personalidades que participaram dos atos em 2013 e acabaram no cárcere.
Em entrevista ao Diário da Manhã em 2014, logo após o lançamento do documentário, o jornalista afirmou que o filme tinha como principal objetivo denunciar a postura ‘amiga’ que o Estado mantém com as empresas do transporte público. Na ocasião, ele disse ainda que o propósito era reacender o debate em torno da urgência em “sair” o processo de Heitor, Ian e Tiago. “Tanto pelo que aconteceu há dois anos (na época), quanto porque até hoje três jovens continuam com suas liberdades cerceadas”, disse Xavier, acrescentando que a operação foi um marco negativo na histórica da luta popular. “A Operação 2,80 sempre ficará marcada na história de Goiânia, sobretudo na luta contra o aumento da tarifa. Criou-se de um inquérito fantasma, uma operação absurda e uma prisão sem legitimidade”.
No dia 28 de outubro de 2016, porém, a Rádio da Universidade Federal de Goiás (UFG) foi ocupada por estudantes da UFG e Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) contrários ao Projeto de Emenda à Constituição (PEC) 55, que previa corte de gastos em saúde e educação por 20 anos. Inspirados no líder revolucionário Carlos Marighella, os jovens conseguiram cerca de 3 horas na grade de programação da emissora. Nos programas, que tinham cunho crítico, educativo e irreverente, eles debatiam assuntos que estavam em voga na militância, e colocavam músicas revolucionárias, como Bella Ciao, de background (BG). Também havia espaço para gêneros mais literários, como crônicas, que eram lidas ao vivo.
O argumento usado pelos manifestantes para legitimar a ocupação do meio de comunicação era que a mídia tradicional não cumpria sua função social. “Foi a primeira vez que vi técnicas e alunos trabalhando juntos, sem brigas, nem nada do tipo, e produzindo bons conteúdos”, relembra um ocupante. Para fechar os programas, era utilizado o recurso de entrada ao vivo de manifestantes de diversas cidades do Brasil. A experiência na Libertária durou 11 dias, e acabou com documento de Reintegração de Posse expedido pelo juiz Leandro Berquó Neto. A justificativa para tirá-los do ar era de que estavam atrapalhando o fluxo de pessoas na rádio. Além disso, de acordo com o documento, muitos eram desrespeitosos com funcionários, o que foi rebatido pelos estudantes.
Inspirado em maio de 68, a gente precisa se conhecer, se deixar afetar, fortalecer os laços para que a mudança seja em breve”, diz o músico Karl Marx
LIBERTÉ – MAIO DE 68
Data: quarta, dia 23/05
Horário: a partir das 19h
Local: Cabaret Voltaire – Rua 8 quadra 51, lote 07, Conjunto Itatiaia, 74690-340 – Goiânia
Entrada: 10 reais
PROGRAMAÇÃO DA FESTA:
*19h-20:30: Heitor Vilela (discotecagem)
*20:30-21:30: Retalha Vento
*21:30-22:30: Os Cupins
*22:30-22:50: Goiânia Clandestina (Performance)
*22:50-23:00: Rafael Vaz (Performance)
*23:00-23:40: projeto 8 cordas
*23:40-00:20: SUBURBANA (Performance)
*00:30-00:50: Grupo Empreza (Performance)
*00:50-01:30: GAWGAV / Cássia Nunes (Performance)
*01:30-2:30: GCM (137)
*02:30: Monike Goyana (Discotecagem)
FLASH TATTOO
*Dani Alpa
*Janaína Silva
*Ana Gomes
EXPOSIÇÕES
*Bianca Rezende
*Maria Angélica
*Flor de Saturno
*Marcelle Veríssimo (também com pintura corporal)
*Rabiscos e Escarros
VIDEOARTE
*Dani Bettini
*Júlia Lee
*Narval
*Augusto Cezar
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