Entretenimento

Chamado Realista de Tiradentes

Diário da Manhã

Publicado em 29 de janeiro de 2018 às 23:36 | Atualizado há 1 semana

O Brasil é mais bonito por dentro. É preciso colocar o pé na estra­da para entender esse País, com feições de um continen­te. Talvez essa característica que deu os traços de “aven­tureiro” e inquieto para este povo. Tendo a viagem como mote, sendo ao fugir da seca, procurando ouro nos rios ou até mesmo pela vontade de fugir, para se encontrar. Para chegar em Tiradentes, em Mi­nas Gerais, pego um avião às 3h da manhã em Goiânia. De lá para São Paulo, de São Pau­lo para Belo Horizonte, de Belo Horizonte para São João Del Rey e, finalmente, de São João Del Rey para Tiradentes. Apesar de exaustiva, a viagem vale muito a pena: o carro vai deslizando entre montes e vales, um mais impressio­nante que o outro. Destaque para a Estrada Real, que liga São João Del Rey a Tiradentes, construída na época da ex­ploração do ouro.

O interior de Minas Gerais é mesmo Brasil de Pirenópo­lis, da cidade de Goiás, de Pa­raty, no Rio de Janeiro, e outras aglomerações históricas, aban­donadas no tempo com o de­clínio da extração de ouro. Ci­dades marcadas por essa febre dourada e também por serem uma imagem perfeita do brasi­leiro: do contato com a terra, do amor pelas raízes e do orgulho, nada semelhante aos ideais na­cionalistas. Tiradentes recebeu entre os dias 19 e 27 de janeiro a 21ª edição da Mostra de Cinema de Tiradentes. Considerado um dos maiores festivais cinemato­gráficos do Brasil, o evento tam­bém é uma vitrine do interior do brasileiro e do Brasil.

Neste ano, a temática do fes­tival era o “Chamado Realista”. Filmes, de curta e longa-metra­gens, baseados em personagens e vidas com base na realidade. O mote veio do contexto social e político configurado nos últimos anos: a crise financeira e políti­ca, somada a mudanças estrutu­rais na sociedade brasileira, que podem minar direitos básicos. Desta forma, as produções con­temporâneas parecem, cada vez mais, procurar o contato com o real e, principalmente, com o seu local de origem. Essa inten­ção dos produtores e curadores gerou um festival repleto de fil­mes ambientados no interior do Brasil ou em locais considerados à margem, como comunidades, ocupações, o sertão e outros.

INTERIOR NA TELA

Boa parte das produções exi­bidas nesta edição da Mostra ti­nha alguma relação com o lu­gar de origem do cineasta ou de algum personagem da trama. Esse detalhe evidencia que as mudanças políticas afetam bem mais estas regiões e poucas pro­duções artísticas dão voz para esses personagens. O progresso e todas suas implicações estive­ram tematizados em boa parte dos trabalhos que concorreram no festival, porém visto por uma ótica menos otimista e mais pró­xima da realidade, apresentan­do a relação do povo com essa “máquina para o futuro”.

Do interior de Alagoas, da ci­dade de Arapiraca, saiu o cine­asta Leandro Alves, que trouxe seu filme Avalanche para con­correr na Mostra Panorama, dedicada a curtas. Essa é a pri­meira vez dele na Mostra de Ci­nema de Tiradentes, mas afirma que já participou de outros festi­vais como este. Sutilmente, o li­vro demonstra as mudanças es­truturais na cidade do interior, utilizando-se da visão de uma família da zona rural. O filme apresenta como a modernidade traz consigo outros elementos, como a especulação imobiliária, a violência e a insegurança.

Os cineastas goianos tam­bém tiveram um espaço de destaque neste ano. O longa­-metragem Dias Vazios, de Rob­ney Bruno de Almeida, teve sua pré-estreia no dia 25 de janeira (quinta) com a sala do Cine-Ten­da lotada de pessoas. A película é ambientada na cidade de Sil­vânia, no interior de Goiás, e é baseada no livro Hoje é um dia morto, de André de Leones. Ex­tremamente delicado, o traba­lho traz um olhar sobre os jo­vens das cidades do interior de Goiás e a relação com o futuro, muitas vezes longe ou apagado.

TENDÊNCIA NO CINEMA

O tema “Chamado Realista” para esta edição não tem base apenas nesse cenário político citado acima. Nas mesas de de­bate ou em conversas pelas ruas de Tiradentes, os críticos e cine­astas reconheciam que a reali­dade e a proximidade dos temas com um Brasil profundo podem ser uma tendência na produ­ção cinematográfica. No último dia da Mostra, a mesa de de­bate “Chamado Realista: cine­ma brasileiro contemporâneo” convidou jornalistas e críticos de cinema para tentar fazer um apanhado dos filmes reprodu­zidos nesta edição. Participa­ram Cecília Barroso, do Distri­to Federal; Luiz Carlos Merten, de São Paulo, e Raul Arthuso, também de São Paulo.

Os críticos tiveram 15 mi­nutos para dar um panorama geral e depois responderam questões da plateia. Luiz Car­los Merten, jornalista do Esta­do de São Paulo, afirmou que frequenta a Mostra de Cinema de Tiradentes desde antes do surgimento da Mostra Aurora, dedicada para filmes de longa­-metragem. Ele citou a quanti­dade de filmes tematizados no interior do Brasil e a participa­ção de cineastas do Nordeste, Norte e Centro-Oeste. Merten também lembrou da edição 2013, que teve como tema geral o “Fora do Centro”. “O que es­pero são filmes assim. Em 2013 foi um tema específico, mas também serve para definir toda a história da Mostra Auro­ra. Tudo é fora do mainstream, fora do centro”, disse.

“O cinema brasileiro, histo­ricamente, tem um caminho muito próprio de estar sem­pre trazendo o real para den­tro dele. É um cinema mui­to variado, você pode acessar esse real de várias formas, mas você está sempre ligado a isso, que é uma característica”, conta Cecília Barroso, respon­sável pelo site Cenas de Cine­ma. Essa característica deba­tida durante a mesa pode ser vista nos filmes que recebe­ram o Troféu Barroco durante a premiação do festival.

 

 

CONFIRA OS PREMIADOS DA 21ª MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES

– Melhor longa-metragem Júri Popular:

Escolas em Luta (MG), de Edu­ardo Consonni, Rodrigo T. Mar­ques e Tiago Tambelli

-Melhor curta-metragem Júri Popular:

A Retirada para um Coração Bruto (MG), de Marco Antônio Pereira

– Melhor curta-metragem pelo Júri da Crítica, Mostra Foco:

Calma (RJ), de Rafael Simões

– Melhor longa-metragem pelo Júri Jovem, da Mostra Olhos Li­vres: Prêmio Carlos Reichenbach

Inaudito (SP), de Gregorio Gananian.

– Melhor longa-metragem da Mos­tra Aurora, pelo Júri da Crítica:

Baixo Centro (MG), de Ewerton Belico e Samuel Marotta

– Prêmio Helena Ignez para des­taque feminino:

Julia Katharine, roteirista e atriz de Lembro Mais dos Corvos (SP)

– Prêmio Canal Brasil de Curtas:

Estamos Todos Aqui (SP), de Chi­co Santos e Rafael Mellim

]]>

Tags

Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

últimas
notícias