Contos da cidade apagada
Redação
Publicado em 7 de fevereiro de 2018 às 23:37 | Atualizado há 2 semanasLuiz Ruffato, autor já premiado com o Machado de Assis (Biblioteca Nacional) e o Herman Hesse (Alemanha), adentra o labirinto das formas breves nos contos reunidos em A cidade dorme. O volume reúne 20 narrativas escritas nos últimos 15 anos pelo autor e publicadas em jornais, revistas ou antologias. A edição traz também um conto inédito, “O homem que colecionava horas.” O lançamento está previsto para o próximo dia 16.
Juntas, as narrativas compõem um painel poderoso sobre a passagem do tempo e as dinâmicas da família e da memória. A partir de um ponto de vista pouco presente na literatura brasileira, o do trabalhador urbano de classe média baixa, Ruffato tece uma reflexão contundente sobre o Brasil dos grandes centros e periferias. Segundo o autor, filho de um pipoqueiro e de uma lavadeira, esses personagens muitas vezes são retratados de maneira rasa e paternalista e, em sua literatura, eles ganham a profundidade e a clareza que lhe cabem.
O percurso das narrativas é claro: da infância à idade adulta, da margem ao miolo nervoso das metrópoles e da linguagem. A meninice nos anos 1960; histórias sobre futebol e a ditadura; questões ligadas à violência urbana; o universo das drogas, tudo vai se mesclando no livro, que confirma o lugar único de Luiz Ruffato na literatura contemporânea brasileira.
TRECHO DO CONTO ÁGUA PARADA
“Se visito o passado, são outros que desembaraçam os nós da minha vida: o homem que sou não reconhece o menino magro e melancólico que percorre sozinho os descampados em Bauru, nem o adolescente tímido que bate cartão na Ford, nem o rapaz confuso que, mochila nas costas, deixou para sempre São Paulo, nem os vários nos quais me revelei, desilusão após desilusão, extinguindo-me a cada vez para ressurgir mais duro, mais amargo, mais infeliz.”
O AUTOR
Luiz Ruffato nasceu em Cataguases, Minas Gerais, em 1961. Publicou diversos livros, entre eles Inferno provisório, Eles eram muitos cavalos, Estive em Lisboa e lembrei de você, Flores artificiais e De mim já nem se lembra, todos lançados pela Companhia das Letras. Em 2016 foi agraciado com o Prêmio Hermann Hesse, na Alemanha.
Seu primeiro livro publicado foi Histórias de Remorsos e Rancores (1998), reunião de sete contos que giram em torno dos mesmos personagens, moradores do beco do Zé Pinto, em Cataguases. Em resenha, o escritor Ivan Ângelo afirma que o autor demonstra “originalidade, ousadia formal, domínio da narrativa e do assunto, criação de uma linguagem que define o lugar e as pessoas”.
Em 2000 publicou Os sobreviventes, que recebeu menção especial do Prêmio Casa de las Américas. O livro é composto por seis contos, cujos personagens são pessoas comuns das classes baixa e média. Ambos os livros, revistos e reescritos, foram incorporados ao projeto Inferno Provisório.
PRÊMIOS
Seu primeiro romance, Eles eram muitos cavalos, publicado em 2001, recebeu o Troféu APCA e o Prêmio Machado de Assis da Fundação Biblioteca Nacional. Com uma estrutura não linear é composto por 70 fragmentos. O único elo entre eles é o fato de todas as narrativas ocorrerem em um só dia, o dia 9 de maio de 2000, na cidade de São Paulo. O título do romance faz uma alusão ao poema de Cecília Meirelles, “Dos Cavalos da Inconfidência”.
“O nove de maio de 2000 é um dia qualquer em São Paulo. Os habitantes seguem realizando pequenos e grandes feitos cotidianos, protagonistas de uma narrativa subterrânea, que representa, ao fim e ao cabo, o próprio tecido da cidade”, descrevem os autores da apresentação do livro no site da editora. “Para captar essa polifonia urbana, Ruffato estruturou seu romance em 69 episódios, cada qual com registro e fôlego próprios, alternando entre poesia, discurso publicitário, música, teatro e prosa, instantâneos de uma cidade que só se move deixando para trás um rastro de esquecidos.”
A mistura de linguagens ajuda a observar o modo como as informações e personalidades se entrelaçam nas grandes cidades, cada uma em virtude de um interesse individual oculto. “Ao jogar luz sobre esses anônimos, o autor iluminou também as circunstâncias em que eles se confrontam, em atos que se alternam entre a solidariedade e a frieza. Doze anos depois de sua publicação, Eles eram muitos cavalos ainda é um retrato atual e doloroso da vida na grande cidade.”
O romance veio da ideia de Ruffato de escrever uma espécie de tributo sobre São Paulo, a cidade que o acolheu como a tantos outros brasileiros. A estrutura do livro surgiu da incapacidade de se apreender esta metrópole, devido a sua extrema dinamicidade e multiplicidade. Assim, o autor buscou outras maneiras de expor essa pluralidade no livro, valendo-se de registros literários e não literários, como o estilo da publicidade, do teatro, do cinema, da música, da descrição, da narração, da poesia, etc. Ruffato afirma que o livro não é no seu ponto de vista um “romance” tradicional, mas uma espécie de “instalação literária”.
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