Contos encantam
Diário da Manhã
Publicado em 29 de junho de 2018 às 23:40 | Atualizado há 3 semanasO conto é um estilo literário com necessidades específicas. É construído com base na realidade, mas avança em direção ao infinito. Os contos de Milena Maria Goulart, do livro Contos que Contam e Encantam, são um bom exemplo do que é relevante na composição de um texto neste estilo. Milena Maria Goulart é natural da cidade de Goiânia, em Goiás. Nasceu no dia 23 de novembro do ano de 1958. Estudou o primeiro e segundo graus nas escolas Ateneu Dom Bosco e Instituto Maria Auxiliadora. Na área acadêmica, Milena tem vasta experiência: é graduada em Português e Francês pela Universidade Federal de Goiás (UFG), mestra em Estudos Literários, professora de Francês da UFG, professora convidada de Português na PUCGoiás, nos cursos de Direito Biologia, Ciências da Computação e Agronegócios.
Os contos, na maioria, começam de forma branda, apresentando o universo onde estão inseridos. Às vezes, a autora preocupa-se em situar o leitor quanto à hora dos acontecimentos (se era dia, noite, etc.). É neste momento que ela consegue construir a imagem descrita no texto dentro da cabeça do leitor. Existe quem diga que esta é uma das funções de destaque da literatura: transportar a pessoa que lê para o mundo descrito, sem que ela retira a bunda da cadeira. É como uma viagem para dentro. No caso deste livro de Milena Maria Goulart a viagem para dentro passa pela China, Japão, Peru e outros lugares místicos deste mundo.
Trecho do livro Contos que Contam e Encantam: “A cultura oriental encantava os europeus pela sua beleza e mistério. Os costumes, as tradições, enfim, as artes, a gastronomia eram muito exóticas para o ocidente. No início a comunicação era difícil como a torre de Babel, mas, depois de um ano, as duas famílias já se comunicavam. O ideograma japonês parecia complexo para os ingleses, assim como o alfabeto para os japoneses.”
A ambientação dos contos de Milena Maria Goulart, no livro Contos que Contam e Encantam, não é apenas um artifício que pode ser aleatoriamente utilizado. Trata-se de uma narrativa que desenha muito mais do que escreve, pois a imagem do local e dos personagens parece ser algo muito vivo. Lendo esses contos é possível imaginar a autora transitando por esses lugares, anotando os detalhes, como, por exemplo, a textura do vento no rosto ou o desenho do sol se fechando no horizonte à frente. Se tratando de um conto, o que é verdade e o que é fantasia não faz muito diferença para a narrativa, mas é impossível não buscar o que de fato é referência da realidade do que é apenas criação da mente inventiva de Milena Maria Goulart.
O trabalho literário de Milena, além de construir esse universo dentro de um texto relativamente pequeno, transborda das páginas e encontra verdade no real. Como foi dito, se tratando de um conto, é comum que a realidade se misture com o fantástico. Porém, no caso de Milena, o conto é ampliado quando ela faz uso de situações atuais, como, por exemplo, personagens aficionados em livros de grandes escritores. Talvez, essas citações, essas leituras que os personagens fazem, sejam uma analogia para o gosto literário de Maria. Inclusive, é claro a influência da academia e dos anos de estudos literários nestes contos. A escritora consegue citar, em um mesmo texto, as maravilhas da América do Sul, os índios canibais e boeings 737, sem perder o fio conectivo entre esses objetos.
Trecho do livro Contos que Contam e Encantam: “Maria da Penha morava no Morro do Vidigal, ela já havia alugado um barracão no fundo da casa de Aurora. E no fim de semana, ao voltar com a amiga do trabalho para casa, conheceu Escadinha, um rapaz do morro, esperto, mulato, alto, magro, simpático de olhos vivos. Ele já sabia tudo sobre Maria da Penha e onde ela trabalhava.”
CONFIRA ABAIXO A ENTREVISTA COMPLETA COM MILENA MARIA GOULART:
DMRevista – Quando e como você teve seus primeiros contatos com a escrita? Em que período da vida você começou a escrever contos?
Milena Maria Goulart – Meu primeiro contato com a escrita foi desde a infância, quando fui alfabetizada, aos seis anos de idade, através das fábulas e contos de fadas. Meu pai foi o grande incentivador da leitura e escrita em minha vida escolar. Ele sempre foi um leitor ávido e compulsivo. Me presenteou com a coleção dos grandes clássicos europeus, como Charles Perrault, La Fontaine e Andersen.
DMRevista – Sua família sempre cultivou o hábito de escrever? Como é a literatura dentro do seu círculo familiar?
Milena Maria Goulart – Comecei a escrever na graduação em Letras na UFG depois que morei na Suíça, no Colégio interno chamado Prelapina, nos Alpes Suíços. Depois de ter conhecido grande parte da Europa e Oriente Médio, comecei a narrar sobre a diversidade cultural e as experiências existenciais do homo sapiens .
DMRevista – Existe alguma escritora ou escritor que te influencia na hora de escrever? Quais nomes da literatura você costuma ler cotidianamente?
Milena Maria Goulart – Meu pai e meu avô paterno sempre me incentivaram à leitura e à escrita. Meu avô era um fazendeiro letrado do triângulo mineiro. Ele sempre contava causos, histórias intrigantes e interessantes. Era um leitor assíduo e tinha a maior biblioteca da fazenda em Uberlândia. Ele gostava de narrar as parábolas da Bíblia que encerravam grandes ensinamentos e lições de moral.
DMRevista – Qual o significado da literatura e das narrativas na sua vida? Você acredita que o contato com a literatura pode transformar a vida de alguém?
Milena Maria Goulart – A literatura para mim é um alimento para alma que nos edifica, nos orienta nos labirintos da vida. A narrativa é fundamental, porque trata da essência da condição humana e funciona como espelho que oculta e mostra profundamente os problemas existenciais. Ela deleita e opera como uma válvula de escape do inconsciente.
DMRevista – No livro Contos que Contam e Encantam, o homem é o personagem principal da narrativa. O ser humano e suas façanhas são um tema recorrente no seu trabalho? Existe alguma temática que você trabalha com maior frequência nos textos?
Milena Maria Goulart – Meus escritores prediletos da literatura brasileira sempre foram Guimarães Rosa, José de Alencar, José Lins do Rego. E da literatura francesa, Sartre, Camus e Victor Hugo. A temática da minha obra dá ênfase ao ser humano, que é o protagonista da grande epopeia chamada vida, ele está sempre dividido entre o bem e o mal. Ele ora se encontra nas veredas baixas, ora nas veredas altas. O maniqueísmo, ou seja, as forças antagônicas do bem e do mal, é o maior dilema em sua consciência. Mas ele tem o direito de escolha através de seu livre arbítrio.
DMRevista – Os contos do livro Contos que Contam e Encantam são habituados em cidades do Oriente Médio, no Japão e outros localidades mais distantes. A descrição destes lugares vem de alguma visita ou todo esse ambiente é construção da sua criatividade?
Milena Maria Goulart – Os cenários que aparecem nos meus contos geralmente são lugares que conheci e culturas que me chamaram a atenção. O assunto para se criar um conto aparece quando menos se espera, surge de lembranças. É uma construção da minha criatividade.
DMRevista – Geralmente, o assunto para se criar um conto aparece quando menos se espera, ou então, surge a partir de horas de frente o computador, ou com o lápis na mão De onde vem a motivação que te faz iniciar um novo texto? Você faz algum tipo de pesquisa antes de começar a escrever?
Milena Maria Goulart – O enredo do meu trabalho prefigura a travessia do “homo-viator”, que é física e metafísica. Logo, é um tema recorrente que mostra a performance, o desempenho do ser humano na grande arte de viver durante sua existência.
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