É proibido morrer
Diário da Manhã
Publicado em 23 de março de 2018 às 23:49 | Atualizado há 2 semanasLocalizada no arquipélago de Svalbard, mais próxima do polo norte do que da capital do país, a cidade de Longyearbyen é um verdadeiro paraíso ártico, que oferece aos moradores e visitantes shows constantes de aurora boreal no céu. Possui cerca de dois mil habitantes e é um dos assentamentos humanos mais setentrionais do mundo. Além dos velórios serem proibidos no local, o cemitério da cidade, fora de uso desde os anos 1950, possui apenas 44 túmulos. Doentes em estado terminal possuem toda a assistência do governo norueguês para serem transportados até o continente, onde poderão descansar em paz. A medida foi tomada devido às baixas temperaturas de Longyearbyen, que não permitem a decomposição dos corpos, o que ameaça a saúde da população.
Quem conta essa história é Martin Chalakoski, colaborador do site The Vintage News. De acordo com ele, o estado de congelamento permanente do solo pode causar vários transtornos. “Temperaturas congelantes mantêm a terra continuamente congelada, assim como tudo que está nela, transformando Longyearbyen um local bastante desconfortável para os mortos e vivos da ilha”. Existem alguns casos onde os corpos são literalmente expulsos da terra pela compactação térmica do solo. “Na década de 1950, moradores locais descobriram que a temperatura do solo estava interferindo no processo natural de decomposição, depois que alguns corpos enterrados ressurgiram completamente intactos no cemitério”, explica Chalakoski.
Os moradores estavam cientes do fato de que algumas décadas antes, um vírus mortal (a pandemia de Gripe Espanhola) se espalhou pelo mundo e em pouco mais de três anos eliminou quase 5% da população mundial. A cidade de Longyearbyen não foi poupada da epidemia, e no mínimo uma dúzia de pessoas morreu com a doença. Todas elas foram enterradas no cemitério entre 1918 e 1920. Jan Christian Meyer, professor da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia, explica os motivos da preocupação com os corpos intactos. “O solo congelado impede a decomposição e empurra o corpo para a superfície. Ele também preserva perfeitamente a doença que causou a morte daquela pessoa, que pode ser transmitida para os moradores mais tarde”, explica.
“Se você aparenta estar próximo da morte, todos os esforços serão feitos para que você seja enviado para o continente”, complementa Mayer. Diferentemente de outras cidades europeias, que proibiram a morte para chamar a atenção das autoridades para a situação precária de cemitérios ou para a diminuição do número de habitantes ao longo dos anos, Longyearbyen não tem interesse em aumentar sua população, e nem na criação de um novo cemitério. “Pessoas de todos os lugares do mundo visitam Longyearbyen para ver as luzes do norte e apreciar a gastronomia local no maior assentamento setentrional do mundo. Esses turistas podem fazer o que quiserem, desde que não morram, pois não há espaço para seus corpos no ártico”, conta Chalakoski.
LEIS
Indiretamente, as complicações com os mortos do cemitério de Longyearbyen acabaram chamando a atenção de vários veículos do mundo, despertando o interesse de turistas em conhecer os fenômenos naturais da região. “Para prevenir potenciais epidemias de outras doenças espantosas, as autoridades tornaram a morte ilegal na cidade. O cemitério foi fechado e o estado aprovou uma lei que bane funerais no futuro, além de disseminar uma política que deixa claro ao mundo que enquanto qualquer pessoa viva é bem vinda para visitar e ficar na cidade, os mortos não são”, explica Chalakoski. “A partir da lei, todos que estão próximos da morte são levados ao continente e o governo presta toda a assistência para que o processo seja facilitado”, conclui.
O professor Mayer também fala sobre o que acontece caso alguma morte acidental ocorra na cidade. “Se algo acontecer e você necessitar morrer em Longyearbyen de qualquer forma, você certamente não será enterrado lá, pois os funerais não funcionam da maneira que se espera. Você pode solicitar que seu corpo seja cremado e os restos sejam colocados na terra, mas isto também requer aprovação do estado”, conta. Em outubro do ano passado o cemitério da cidade voltou a ganhar a atenção da mídia, dessa vez pela preocupação dos moradores com seus antepassados que ali foram enterrados, tendo em vista que o local escolhido para receber o cemitério possui risco de deslizamentos tanto no inverno quanto no verão. O padre da cidade pediu a transferência de lugar dos corpos que foram enterrados ali até os anos 1950.
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