Entranhas de Goiânia
Diário da Manhã
Publicado em 23 de outubro de 2018 às 22:29 | Atualizado há 1 semanaOitenta e cinco anos se passaram desde que Pedro Ludovico Teixeira lançou a pedra fundamental que daria origem à cidade de Goiânia. Hoje presenciamos uma das maiores cidades do país, alastrando seu desenho para cima e para os lados, reunindo cerca de 1,5 milhão de pessoas. Todas essas pessoas sentem na pele o que é viver na “metrópole do cerrado” diariamente, convivendo com circunstâncias comuns e com os rumos que ela traça. Existe algo de particular entre todas essas pessoas? Várias pesquisas acadêmicas se voltam para a busca da definição dos elementos que formam uma persona comum ao povo de Goiânia, algo que vá além de marcas como o apreço pelo sabor do pequi ou pelo modo de falar associado ao passado rural.
BUSCA PELO PASSADO
A pesquisadora Márcia de Araújo, através do artigo científico A paisagem do núcleo pioneiro de Goiânia: uma interface entre o patrimônio e a metrópole contemporânea, observa uma crescente desconexão entre os indivíduos que compõem as metrópoles. Para ela, tal incongruência faz as pessoas se colocarem numa busca permanente por origens e raízes no passado. “O modo de vida contemporâneo marcado pela velocidade e perda de vínculos sociais e afetivos faz com que o habitante da cidade encontre no passado, enquanto referencial de valores e de permanência, a segurança, um porto seguro rumo ao futuro, no caso, esse passado é representado pelo patrimônio em suas múltiplas possibilidades”.
Ela observa que nessa busca por pertencimento ao passado – pelo elo perdido – se dá, na atmosfera insípida criada pelo fluxo contínuo da grande cidade, devido à perda dos vínculos humanos. Esse estado de espírito de desidentidade leva as pessoas a busca por indícios de vínculos com outras épocas. Tais épocas são materializadas através das estruturas da cidade. Casas, ruas, praças, detalhes, coisas que a tornam única em meio à imensidão do universo. “A cidade/espaço urbano contemporâneo se constrói pela articulação entre a permanência de formas antigas que sobrevivem à imposição do ‘novo’, e as intervenções urbanas que modificam usos, funções dos lugares, alteram a morfologia e explodem as relações sociais tradicionais”.
Na visão da pesquisadora Larissy Barbosa Borges, as feiras de Goiânia podem ser vistas como demonstrações vivas de preservação de conhecimento, costumes, sabores e aromas. “Goiânia passou por várias alterações na sua estrutura urbana, espaços foram modificados, novos espaços surgiram, deixaram de existir ou foram reinventados. Em meio às rápidas transformações, as feiras surgiram e continuam a fazer parte do cenário urbano goianiense e permanecem sendo uma prática social que permite, num mesmo espaço, a inserção de grupos socialmente distintos e a garantia da permanência de ofícios artesanais e saberes tradicionais”, escreve a autora na dissertação As feiras em Goiânia: história, referência cultural e hibridação entre o moderno e o tradicional.
RÚSTICA E PROGRESSISTA
A dissertação de mestrado Goiânia: mito ou modernidade?, defendida em 2007 pelo publicitário Marcelo Henrique da Costa, busca analisar a essência de definições do povo goiano expressas em comerciais. Para isso, o autor faz uma análise sobre a visão histórica que viajantes de outras partes do País tinham do Estado antes da construção da nova capital. Tal olhar destilava sobre Goiás a estigma de “terra do atraso”, devido a fatores como isolamento geográfico, escassez de ouro e baixa produção agrícola – preocupações que definiam o imaginário do goiano até meados do século XX. Marcelo Henrique da costa observa a criação da nova Capital como um antídoto a esses sentimentos negativos.
“Esse estigma de terra do atraso, da decadência, nomeou o goiano por muito tempo, até que outra construção e outro estigma os substituíssem: a ideia de modernização e progresso, defendida pelo movimento pós-revolução de 1930, liderado por Pedro Ludovico Teixeira”, afirma o pesquisador. É o contraste entre o novo e o velho, segundo Marcelo, que define a paleta de cores presente na chamada “Identidade goiana”: “A goianidade abrange uma época em que se procura mesclar o sertão e a cidade, o velho e o novo, fundir o antigo e o moderno, envolver o rural e o urbano e integrar o atraso e o progresso pelos caminhos da história, consolidando uma nova fase na identidade cultural goiana”
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