Liberdade no Centrão
Diário da Manhã
Publicado em 12 de outubro de 2018 às 22:38 | Atualizado há 1 semanaResistência. Esse é o lema da Casa Liberté. Localizada no Setor Central, bairro histórico de Goiânia e praticamente em situação de abandono por conta do baixo estímulo para empreendimentos, o espaço promete transformar a cena cultural e torná-la um ponto em que a revolta contra o autoritarismo e o bom gosto artístico se unem em prol do combate à barbárie, além de contribuir para o processo de revitalização da região. E mais: a Liberté (como carinhosamente vem sendo chamada pelos fregueses) pode, ou deve, ser–bem como já vem sendo–um contraponto aos caducos bares da capital goianiense.
Deixe eu te explicar: o nome da casa é uma referência histórica às insurreições de Maio de 68 em Paris, que neste ano completaram 50 anos e que ainda hoje influenciam movimentos culturais, sociais e políticos em todo o mundo. As revoltas daquele ano tinham o objetivo de derrubar o governo do ultradireitista e ex-combatente na Segundo Guerra Mundial, general Charles De Gaulle (1890-1970), reeleito para governar a França em 1965. A partir de então ele enfrentou oposição de comunistas, anarquistas e todas as orientações ideológicas à esquerda. Agora, a Liberté, que fora pichado em muros da capital francesa, é o novo point da galera contracultural da capital goianiense
Para você ter uma ideia, a decoração da casa é em sua maioria feita por desenhos do jornalista e agitador cultural, Heitor Vilela, 24, proprietário do ateliê Rabiscos e Escarros e da editora Escultura e Produções Editoriais, responsável por lançar obras de cunho político. Lá também funciona a redação do site de mídia independente Metamorfose (coletivo que pretende ser uma espécie de contraponto a narrativa encontrada nos meios de comunicação convencionais). Tudo isso, é claro, temperado com muito rock and roll. Em suma, trata-se de um lugar plural onde as minorias podem se sentir mais à vontade simplesmente para ser quem é.
Será neste ambiente que Waldi & Redson irá se apresentar na noite hoje. Influenciados pelo cantor de blues norte-americano Hank Williams (1923-1954) e pela dupla goiana noventista Chrystian & Ralf, os músicos se dizem preocupados com os rumos pelos quais o Brasil está trilhando no momento. “Em todas as cidades que passamos com a “Irmão Caminhoneiro Tour” pregamos o humanismo e a liberdade. Fazer arte neste país já é um ato de resistência. E a Casa Liberté também chega somando com a gente nesta luta”, diz o cantor Diego de Moraes (Diego Mascate, integrante da banda Pó de Ser) o Waldi.
“Expectativa do show na Liberté: Tocar em Goiânia é sempre muito louco. Rever os amigos e amigas. Inclusive, o Heitor é um amigo das antigas que gostamos e queremos muito conhecer novo espaço cultural de Goiânia”, confessa o urbelandense Chelo, baixista da banda Porcas Borboletas e baterista da banda de sur-music Light Strucks. A dupla ainda afirmou que o contexto político atual é complicado e os deixam bastante assustados. “Estamos tristes e preocupados com o que está acontecendo, com perigo de muitos retrocessos”.
O primeiro disco foi lançado em 2013 e está disponível para download no site da dupla. Com pérolas como Furo Olha de Brother, além das modas de viola Cachimbo de Ouro, Farinha do Desejo, a sonoridade deles é repleta de referências a clássicos da música sertaneja como os paulistas Tião Carreiro e Pardinho, Milionário e José Rico e Lourenço de Lourival. Waldi & Redson estão em turnê e, após a apresentação na Liberté, vão seguir para a Cidade de Goiás, antiga capital do Estado, onde tocam no Bar dos Artistas.
PROJETO
Heitor Vilela argumenta que a cidade vai na contramão da tendência encontrada em outras capitais brasileiras. Ele acredita que o Centro de Goiânia, conhecido pela arquitetura art déco, está sendo subocupado e subutilizado por conta das propostas culturais que há no momento para bares e casas culturais. Reforçou ainda que, embora a maioria dos estabelecimentos, como teatros, museus e palcos de shows sejam no bairro histórico, o horário de fechamento é “muito cedo” e, assim, a vida cultural da região não seria tão movimentada em relação às outras cidades históricas do País.
“O imóvel que foi escolhido para ser a sede do bar e casa cultural, a Casa Liberté, é um casarão antigo da cidade de Goiânia, que fica ao lado do colégio Lyceu, uma das primeiras escolas da Capital. Próximo ao imóvel também há a sede da Academia Goiana de Letras e outros prédios históricos”, contou Heitor, que deve abrir a casa ao público em breve, em entrevista ao Diário da Manhã em agosto. “Uma nova opção com shows e outras manifestações culturais farão com que o centro seja mais atrativo em relação à outros bairros da cidade. Movimentando culturalmente a casa, outros espaços do centro certamente irão ganhar atenção”, conclui ele, que também é ilustrador.
Iniciativas como as Heitor fazem com que o centro não se torne deserto ao cair da noite. Em janeiro, o titular da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação (Seplahn) Henrique Alves disse que a criação de novos empreendimentos aumentará as opções de recreação na região e contribuirá para que o histórico bairro não se torne esquecido. Na ocasião, a pasta ressaltou que haverá estímulo para novos empreendimentos na região. O bairro conta com 22 prédios tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
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