Morte ao velho romance
Diário da Manhã
Publicado em 26 de outubro de 2018 às 22:17 | Atualizado há 2 semanasO nouveau roman (em português, novo romance) é um estilo literário francês surgido nos anos 1950 como proposta de narrativa diferente dos gêneros clássicos. O termo foi proposto pelo escritor Émile Henriot no jornal Le Monde em 1957, para descrever o trabalho de alguns escritores que experimentaram estilos a cada nova publicação, criando essencialmente um novo método a cada nova obra. Distanciando-se das convenções do romance tradicional, criadas antes do século XIX por escritores como Honoré de Balzac ou Émile Zola, o Novo Romance busca uma arte consciente de si mesma. Entre os nomes de destaque do movimento estão Alain Robbe-Grillet, Nathalie Sarraute, Claude Simon, Michel Butor, Marguerite Duras, entre outros.
Dentre as características do nouveau roman está a postura do narrador, notavelmente interrogativa: os lugares por onde ele passa são intrigantes e ele questiona o porquê dos acontecimentos corriqueiros. O enredo e o protagonista, que geralmente comporta-se como a base para qualquer ficção, são relegados ao segundo plano, e possuem orientações diferentes por parte de cada autor, que os observam sob uma nova perspectiva a cada livro. Em 1956, a escritora Nathalie Sarraute já questionava o romance e recuava suas convenções através do livro L’ere du soupçon (A Era da Suspeita). Seus romances colocam em prática suas reflexões teóricas. Sua publicação mais célebre, Portrait of a Man Unknown (Retrato de um desconhecido), foi elogiada pelo filósofo existencialista Jean Paul Sartre.
Alain Robbe-Grillet, um influente escritor e teorista do Novo Romance, publicou uma série de ensaios sobre a natureza e o futuro do romance, mais tarde compilados na coletânea Pour un Nouveau Roman (Por um Novo Romance). Rejeitando muito do que existia estabelecido até aquele momento sobre romance, Robbe-Grillet analisou vários dos primeiros novelistas, bem como os escritores focados em formas de escrita pré-Século XIX, e a forma como eles focam em ações, narrativas, ideias e personagens. Em contrapartida, propôs a teoria do romance com foco em objetos. O ideal do nouveau roman seria uma versão individual das coisas, subordinando enredo e personagens a detalhar o mundo ao invés de utilizá-lo a seu próprio serviço.
Essa visão de novela pôde ser construída através de uma prática sugerida por escritores de períodos anteriores. Joris-Karl Huysmans (1848-1907), noventa anos antes, havia sugerido que a novela precisava ser despersonalizada. Mais recentemente, Franz Kafka (1883-1924, austríaco, autor de livros como A Metamorfose e O Processo) havia mostrado que os métodos convencionais de descrição de personagens não eram essenciais. James Joyce (1882-1941, irlandês, considerado um dos artistas mais importantes do século XX) demonstrou a mesma postura em relação ao enredo. Por outro lado, os chamados escritores absurdistas também já empenhavam-se em tratar dos temas sugeridos pelo Novo Romance.
RECONHECIMENTO
Alain Robbe-Grillet tornou-se membro eleito da Academia Francesa em 25 de março de 2005, sucedendo Maurice Rheims na cadeira de número 32. Claude Simon, autor do livro O Bonde, e também identificado como colaborador essencial do movimento Novo Romance, foi condecorado com o Prêmio Nobel da Literatura de 1985. Michel Butor, que morreu em 2016, aos 89 anos, foi considerado durante vários anos o escritor vivo mais importante da França. Seus romances dinâmicos tem atraído novos apreciadores do estilo. Dois deles, Passagem de Milão (1954) e O Inventário do Tempo (1956), foram publicados no Brasil. Atualmente, os livros publicados pela editora Les Éditions de Minuit, que publicou originalmente vários romances do estilo, são considerados difíceis de encontrar.
O Novo Romance também reverberou na América Latina. Um dos escritores mais importantes da argentina, Julio Cortázar absorveu bastante daquilo que foi proposto na França nos anos 1950, e publicações como Todos os fogos o fogo e O jogo das amarelinhas, considerados clássicos de sua obra, apresentam ao público várias das premissas do Novo Romance. O estilo também deixou sua marca nos cinemas, a partir da participação dos escritores Marguerite Duras e Alain Robbe Grillet no movimento cinematográfico Left Bank (ligado à Nouvelle vague de diretores como François Truffaut e Jean-Luc Godard). A colaboração dos escritores com o diretor Alain Resnais resultou nos filmes Hiroshima mon amour (1958) e Ano passado em Marienbad (1961), ambos aclamados pela crítica.
Mais especificamente, o movimento Left Bank propunha uma espécie de Lado B aos cineastas famosos e bem financiados do movimento Nouvelle vague, todos eles associados à publicação Cahiers du cinemá (revista especializada em cinema publicada desde 1951). Diferente dos diretores ligados à revista, tinham uma visão menos catártica do cinema, e apresentaram mais nuances literárias que seus colegas, apesar de serem associados à novelle vague, de uma forma geral, pelas propostas de prática cinematográfica e modernismo. Os principais diretores do movimento são Alain Resnais, Chris Marker e Agnès Verda. Os principais títulos foram produzidos nos anos 1950, e atingiram o público jovem como audiência principal.
ESPAÇO METAFÓRICO
J.M. Dinis, autor do blog Um Canto de Babel, faz uma análise sobre as cidades metafóricas presentes nos livros. No artigo ‘Alguma literatura e algumas cidades’, ele aborda a maneira como os autores descrevem o espaço onde acontecem suas histórias. “E há também as cidades que não representam apenas metáforas, mas que estão definitivamente incorporadas à poética do escritor. É o caso da Dublin de Ulisses, do irlandês James Joyce, ou da Buenos Aires mítica que percorre vários contos de Jorge Luís Borges”, afirma. No mesmo texto, o autor faz referência à obra de Michel Butor. “Ou do personagem central de Inventário do Tempo, de Michel Butor, em que toda uma topografia é criada por meio de palavras, o que torna a cidade de sonho quase palpável”, conclui.
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