Muitos caminhos levam à Aninha
Diário da Manhã
Publicado em 28 de abril de 2018 às 23:23 | Atualizado há 1 semanaEla nasceu no século passado, na velha casa da ponte da Lapa, beirando o Rio Vermelho, na cidade de Goiás. Morreu há 32 anos, e foi velada no mesmo local. Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas viveu como quis, era uma mulher à frente de seu tempo e dona de tamanha sabedoria popular e sensibilidade para transformar sentimentos em palavras, que tornou-se a mais conhecida poetisa goiana com o nome de: Cora Coralina. Seus versos são capazes de amolecer o coração do “poeta velho de guerra” Carlos Drummmond de Andrade, mas, talvez eram demais para sociedade de seu tempo.
Simples e sábia quanto à cultura popular e a receita amorosa de seus doces, os poemas e personalidade livre da artista nem sempre foram homenageados, como deveriam, quando Cora era viva. Ela lançou o primeiro livro aos 75 anos, sem muito alarde no meio literário da época. Porém, finalmente o tempo tem feito jus à obra e vida de Cora, a menina humilde que se achava feia e convencida de que seus doces eram melhores do que os versos.
Sim, o jogo virou. Cora é cada dia mais abraçada pelo mundo. Um bom exemplo é que ano passado a poetisa goiana Cora Coralina ganhou uma homenagem do Google na data que se celebra o 128º aniversário de nascimento dela, com o Doodle que é uma versão modificada do logotipo do Google. O cinema também tem lembrado frequentemente da poetisa. Um dos filmes recentes lançados é “Cora Coralina – Todas as Vidas”, do diretor Renato Barbieri, que destaca e torna a obra e nome desta mulher acessível.
O reconhecimento também muito se deve a ações que valorizam sua arte, e são peças fundamentais na missão de dar a Cora a glória que lhe é de direito. Na cidade de Goiás há uma preocupação crescente de professores, a exemplo de Ebe Siqueira, em englobar a escritora tanto nos primeiros anos de escola, como nas universidades do município.
E entre as mulheres da região, a sabedoria popular juntamente aos poemas de Aninha são ainda resguardados na associação vilaboense Mulheres Coralinas. As tentativas de divulgação, amplificação e modernização do Museu de Cora Coralina, na cidade de Goiás, é outro ponto que mantém não só os poemas, como estilo de vida da artista pulsante. Para se ter uma ideia acabou ontem, no espaço, o I Encontro de Museus-casas Literárias, no Museu Casa de Cora Coralina, em Goiás, que buscou reunir e debater com outras instituições como o perfil do Museu Cara de Cora, com foco na literatura, em âmbito nacional.
Outros feitos que corroboram ainda para longevidade da escritora. Duas ações, lançadas no último dia 20 de abril. Uma diz respeito à casa da escritora–que recebeu ares mileniares, com uso de tecnologia. A outra, que se estende ao Estado, está fazendo a poesia de Cora viver e chegar ao público unindo preservação e aventura, no chamado Caminho de Cora.
CORA DIGITAL
A respeito das inovações tecnológicas feitas na famosa Casa de Cora é preciso saber se trata de um projeto que já vêm acontecendo desde 2005, graças à uma parceria do museu com o Laboratório de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação das Mídias Interativas (Media Lab) da UFG. Assim, a casa de estilo colonial da poetisa mais influente de Goiás já havia ganhado tecnologia com a projeção de fragmentos de poemas colocados espalhados pelo local. Tais intervenções receberam apoio da Caixa Econômica Federal, através de edital.
E devido ao sucesso da primeira iniciativa, a Casa de Cora recebeu mais inovações, através da mesma parceria: quem entra agora no museu tem a possibilidade de interagir com uma pequena Cora em realidade aumentada, no quintal foram implementadas árvores declamadoras e há ainda uma parede que sussurra poesia.
“Vir aqui costumeiramente trabalhando em aspectos de modernização, nós enxergamos o museu como um espaço reservado ao passado, mas mostramos que o museu pode pensar o futuro e se atualizar. Esse projeto, por exemplo, trouxe a poesia para dentro da casa. E é a poesia que torna Cora eterna. A poesia é um elemento vivo que nos afeta”, argumentou o coordenador do Media Lab -UFG, Cleomar Rocha, no discurso de lançamento das intervenções.
Além dos efeitos de imagem, o museu também inaugurou um café no quintal, perto às árvores de frutas, das quais Cora fazia seus famosos doces. E este espaço também conta com iluminação cenográfica e projeções de letras. “A Casa de Cora é o museu mais visitado de Goiás. Vocês não imaginam como estas interações melhoram as visitas no museu. Os visitantes, principalmente os alunos, ficam encantados”, ressaltou a diretora do museu Marlene Velasco, durante seu discurso no lançamento do projeto.
CAMINHO DE CORA CORALINA
E pode-se tranquilamente falar que o Caminho de Cora também é um projeto que divulga o nome e arte de Cora com inovação. Baseado em Caminhos, como o de Santiago de Compostela, na Espanha e a Estrada Real, em Minas Gerais, esta proposta, implementada pela Goiás Turismo, trata de oferecer um encontro entre história, ecoturismo e religiosidade e até esporte.
O Caminho é um percurso de 302 quilômetros com passagem por oito cidades históricas, oito povoados e três unidades de conservação ambiental. Sua rota completa sai de Corumbá de Goiás e passa por Pirenópolis, Cocalzinho, São Francisco de Goiás, Jaraguá, Itaguari e Itaberaí. O Museu Casa de Cora, na cidade de Goiás, é ponto final da rota.
Alguns povoados, com potencialidades turísticas e culturas riquíssimas, mas que foram esquecidos pelo tempo também fazem parte da rota, já que estão no roteiro Caxambu, Radiolândia, Vila Aparecida, Alvelândia, Palestina, São Benedito, Calcilândia. Quem faz o caminho contrário, sentido Goiás-Corumbá, precisa seguir a sinalização que traz a pegada amarela sobre fundo preto.
Um dos trunfos da iniciativa é a passagem por parques estaduais da Serra dos Pirineus, da Serra de Jaraguá e da Serra Dourada. E o trajeto dá aos aventureiros a sensação de fazer jornada dos bandeirantes rumo aos rios goianos cheios de ouro nos séculos XVIII e XIX. Por isso, com esta empreitada cruza-se inevitavelmente com os caminhos da formação da cultura e sociedade goiana.
Como a principal inspiração do projeto é o Caminho de Santiago, na Espanha, o Caminho de Cora Coralina, pretende ser uma caminhada de peregrinação. “Este é um caminho que tem mais de 400 e que liga 19 igrejas do nosso estado. Percorri 126 km a pé a proximidade com a natureza, também me deu a sensação de estar mais próximo de Deus”, contou o presidente da Goiás Turismo, Leandro Garcia, também na solenidade de abertura.
O presidente ressaltou ainda as potencialidades turísticas da caminhada, que também aproveita-se da culinária goiana como atrativo aos aventureiros. E, de acordo com Leandro Garcia, esta inauguração é só o começo de uma longa caminhada.
“Ainda há muito o que se desenvolver. Acredito que precisamos criar uma governança dentro do trabalho criando um consórcio interestadual entre as prefeituras, para que ela possa promover cuidar do projeto, colocar sinalização para que ele possa perpetuar ao longo do tempo”, analisou.
Para estrear o Caminho de Cora Coralina, a Goiás Turismo chamou uma ciclista goiana, que já pedalou em grande parte do mundo. Seu nome é Raíza Goulão, uma esportista nascida em Pirenópolis, mas que mora há dois anos na Espanha. Lá, integra uma equipe internacional montainbike, que está no top 10, do ranking mundial.
Nos últimos meses, sua vida foi movimentada: pedalou pela África do Sul, Colômbia e Brasil. Quando achou que iria descansar, foi chamada para trilhar o Caminho de Cora, percurso que fez em três dias. Pedalou 300 quilômetros, sendo 5 mil metros de subida, ao todo 15 horas de pedal.
A marcha foi em ritmo acelerado, mas Raíza não deixou de perceber cenários, que mesmo para uma ciclista viajada eram inéditos e fascinantes. “Esse caminho foi muito marcante. Vimos cenários deslumbrantes como na Serra de Caxambu, que passei apenas uma vez e a Serra de Jaraguá. Acompanhei a mudança de vegetação, mesmo tratando-se do puro Cerrado”, relembrou.
Pedalar por aqui, no período que era o seu descanso, parece ter sido surpreendentemente revigorante. “Preciso de um tempo para parar e filtrar e absorver tudo que vivi nestes últimos meses”, disse a ciclista, que já embarcou para Espanha. Ela agora distante geograficamente de Goiás. Mas, certamente, o Caminho de Cora não sairá tão cedo de sua memória e coração.
DICA PARA OS AVENTUREIROS
Para quem ficou interessado em trilhar este caminho, no dia do lançamento do projeto a Goiás Turismo lançou um site com todas as informações sobre o Caminho de Cora Coralina: www. caminhodecoracoralina.com.br. O guia reúne o mapa do circuito completo, apresentação das cidades e povoados, fotografias e o traçado detalhados de cada trecho com informações específicas para apoiar os caminhantes, como distâncias e grau de dificuldade, além de muitas dicas.
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