No Timbre: o amor, a loucura e a genialidade valvulada de Arnaldo
Diário da Manhã
Publicado em 5 de julho de 2018 às 23:37 | Atualizado há 3 semanas“L ouvado Seja Deus, que nos deu Arnaldo – Um Lóki surreal.” Peço licença para começar essa matéria, citando a música do artista goiano Diego de Moraes. Em essência, explicar ou classificar a obra de Arnaldo seria muita prepotência ou, no mínimo, um desafio para qualquer jornalista ou quem se julga crítico. Então louvemos a criatividade daquele que é cantor, compositor e multi-instrumentista, que foi o cabeça dos Mutantes e, como em um jogo de dominós, influenciou quase tudo que veio depois de 1967. Em julho de 2015, ainda praticamente como um foca nesta profissão, consegui por quase uma hora conversar com Baptista via telefone. Uma verdadeira honra falar com ele, que, ao longo dos anos anteriores, durante a faculdade e até hoje, é presença contínua na agulha de minha vitrola e trilha sonora dos melhores momentos e também os mais tristes.
Nascido na grande São Paulo em um dia 6 de julho de 1948, Arnaldo Dias Baptista, crescido no meio da música desde sempre. Filho da pianista e compositora Clarisse Dias e do poeta César Baptista, genética essa que talvez seja mais explícita na carreira solo de Arnaldo, quando toca profundamente o subconsciente humano com seu piano e as mais belas e loucas letras de amor.
Sobre os Mutantes, creio que possamserdispensadasasapresentações. Uma das bandas mais criativas de todosostempos, queintroduziuemodificoupara sempre a música brasileira. A ponta da lança do movimento tropicalistadofimdosanos60′. Arnaldosedestacou como arranjador e compositor dogrupoformadocom oirmãoSérgio Diaseacompanheiraeporumtempo esposa, RitaLee. Tambémexperimentou da loucura, da forma mais intensa que o termo amor pode ser traduzido, se tornou “uma pessoa só” e viajou na criação de sua obra musical.
Quando em 73′ sai de vez da banda, forja uma das obras mais bonitas da língua portuguesa. O disco Lóki, lançado em 1974, é o ápice do músico, relembrado com nostalgia pelos apaixonados e quem já teve o coração partido. Com baladas de puro Rock n’ Roll e apelos machucados de desculpas e a declaração de amor mais intensa já cantada. É o disco para se ouvir na “bad”, nas madrugadas e amanheceres onde você se permitir abrir a transcendência da mente. Desde a época, já colocava questões como a concentração urbana e dava pitadas do fim do sonho. “Por que não se construir núcleos, habitacionais menores, para haver maior descentralização, para existir o verde” o prenúncio de um paulistano. Depois também cantou e levantou a bandeira do uso de carros elétricos para diminuir a poluição causada pelo uso de petróleo.
Sua obra solo deve ser melhor conhecida e avaliada, assim como as canções da época do Patrulha do Espaço. Existem músicas lindas, como Fique aqui comigo, Tacape e a belíssima Sunshine, do álbum O Elo Perdido. Já nos anos 2000 lançou alguns discos, bem produzidos e crus, no sentido da criação pura e genuína do músico. Atualmente se dedica a pequenos shows e principalmente às artes plásticas, que é incentivada e divulgada pela esposa, Lucinha, com quem vive há mais de 30 anos.
Para entender melhor as fases e a mente do músico, só entrando em um sonho do próprio Arnaldo. Também é indicado que se assista ao documentário: Lóki – Arnaldo Baptista, realizado pelo Canal Brasil e lançado em 2008. Arnaldo vem trabalhando em um novo disco, que deve se chamar Esphera, e que ainda não tem data de lançamento. Então Dê uma chance ao Suficiente e hoje que celebramos o aniversário do cantor, contemple um pouco da mente de Arnaldo.
CONFIRA SEM CORTES A ENTREVISTA EXCLUSIVA COM ARNALDO BAPTISTA, PUBLICADA EM 2015:
DMRevista – Arnaldo você é reverenciado na internet e por músicos de toda parte do mundo, qual é a sensação de ter rompido as fronteiras geográficas e políticas com sua arte?
Arnaldo – Certo. Nesse sentido, eu, que sou uma espécie de autodidata, né, encontro uma certa dificuldade em saber que tô falando com um pessoal que não fala português, então tem todo um lance que faço músicas muito em inglês né, 80%. Então tem haver com comunicação, e nesse sentido com as línguas imperando, vou conseguir me comunicar.
DMRevista – Quais são suas maiores inspirações quando pinta ou desenha algo?
Arnaldo – Muito boa a pergunta. É o seguinte: como tôo envolvido em comunicação, né, me deixo levar pelo que haá de melhor na terra, quanto a instrumentos, equipamentos, etc., então vou adquirindo os melhores equipamentos, tipo: contra baixo Gibson, guitarra Gibson, órgão Hammond , bateria Ludwig, aí vou conseguindo comunicar o que sinto com o público e é isso que quero. Nesse sentido, fico me levando pelo que é bonito, né, não só bom de ouvir, né, e qualidade, mas o que é belo em aspecto tipo Brigitte Bardod, François Hardy, Audrey Hepburn. Pessoas bonitas que me colorem o lado poético, então no sentido de pintura, o rosto, a plástica dessas pessoas me deixa levar a inclinação pro lado de beleza.
DMRevista – Para você, tanto a música quanto a pintura são uma forma de esvaziar um pouco a cabeça?
Arnaldo – Ah, isso é uma ótima colocação. Esvaziar a cabeça. Que às vezes fico com uma coisa engasgada na cabeça até que a música salva. Então fico engasgado e deixo a música, o quadro, faz isso esvaziar minha cabeça, no sentido de compartilho, no sentido de compartilhar e “compar-trilhar”.
DMRevista – Qual uma música que representaria para você, o atual momento da sua vida?
Arnaldo – Acho que a música Lóki, pois ela consegue retratar na letra o meu modo de sentir o som eu e a terra.
DMRevista – Qual seria um sonho seu, que gostaria de realizar?
Arnaldo – Como acabei de falar, comunicação né. Gostaria de ter um PA com amplificadores valvulados que acho que são muito melhores que o som digital. Acho que uma espécie de vida artificial que há nos amplificadores valvulados. Então esse é o meu sonho.
DMRevista – O que acha dos novos músicos e compositores da música mundial?
Arnaldo – Ah isso é lindo. No sentido de estudo, a música prevalece o lado de estudo né. Pessoas como Lenny Kravitz têm uma técnica onde dimensão e harmonia que são invejáveis e isso se consegue devido ao estudo de horas e horas em função de se preparar com instrumento em casa. Estudando ele mostra o valor dele como músico pro público. E isso é gostoso, quem estuda.
DMRevista – O que seria pra você uma arte inovadora?
Arnaldo – Ah, exato. Inovadora é uma coisa que é exótica, né. Então, no sentido assim, hoje, por exemplo, pintei de “manhã-drugada” um porco misturado com gato, chamei de “Pigato”, é uma coisa que ninguém entende, mas é uma mistura de porco em inglês com gato em português, mas no desenho tá retratado isso, um nariz de porco, uma orelha de gato, então, quer dizer, bonito, e fica isso realismo, que é exótico.
DMRevista – Como preferiria viajar: em um “navio cheio de loiras”, na sua “velha motocicleta” ou em um “disco voador”?
Arnaldo – Aaaah, prefiro um navio cheio de loiras (risos), Prefiro me levar por essa.
DMRevista – Qual é o momento mais marcante de sua carreira como músico?
Arnaldo – Uma vez tava na turnê dos Mutantes, num estádio, acho que em Nova Iorque, nos Estados Unidos, e no final do show o estádio inteirinho começou a gritar: “Arnaldo, Arnaldo, Arnaldo”, e isso no show dos Mutantes, isso me deixou batendo as asinhas de felicidade, adorei, fiquei contentíssimo.
DMRevista – Arnaldo, sua música atravessou gerações e hoje é ídolo de avós, pais e netos. Agora, aos 67 anos, qual seria a mensagem que você gostaria de deixar para todos esses seus fãs?
Arnaldo – Gostaria de deixar patente que vejo que o mundo é muito grande, pra conseguir fazer aparecer o meu nome em tudo isso de línguas, cultura e tudo mais, mas no sentido de o quanto e consigo com o que eu possuo, o que posso estar me satisfazendo. Isso é interessante pra mim.
DMRevista – Qual é o conselho que você deixaria para quem está começando a tocar, cantar ou compor alguma coisa?
Arnaldo – Esse acho que é bom falar. Acho que é “hipersensibilidade”, no sentido onde você encontra um tempero, uma cor em algo que pra muitas pessoas seria muito áspero, desértico. Você encontra uma cor, um pouco de líquido, humildade, e isso vai desenvolvendo o musgo do seu saber, e vira até flor.
DMRevista – Arnaldo, qual é seu instrumento predileto atualmente?
Arnaldo – Agora tá sendo bateria. Tô estudando bastante, porque tô prestes a gravar um solo que vou incluir no LP né, no CD né. Então, bateria tô estudando. Atualmente tá sendo o que mais me dedico, a bateria.
DMRevista – Você, que sempre cantou sobre os discos voadores, acha que se realmente existisse vida fora da terra, como seria?
Arnaldo – Ótima pergunta, no sentido de alcance da hipersensibilidade deles até onde vai. Que eles não podem, é viver num planeta onde não exista som, né, alguma coisa paralela, harmonia, sei lá, então é parte do que eles sentem, mas no sentido de onde o som impera é importante na vida, na comunicação. Acho que existe uma vida interplanetária sim, que nós encontramos algo em comunicação com eles, que seja paz, comunicação e repartir o que eles conseguem.
DMRevista – Você tocou recentemente no festival Psicodália. Como foi a experiência de tocar com aquele pessoal novo, todo mundo muito jovem, e que conhecia sua música?
Arnaldo – Achei interessantíssimo. Que o lado que atinge da minha arte, que é desde Mutantes até minha arte pessoal solo, que foi coroado. Quando cantando em inglês, todo mundo, o público inteiro cantava junto, em coral, e conhecia a letra. Então, pra mim, foi algo muito interessante. Além de estar numa chuva danada igual Woodstock, né, falava no microfone “no rain, no rain, no rain” igual o Woodstock, e o pessoal ficava sentando na água. Achava muito interessante.
DMRevista – Quarenta anos depois do Woodstock, você acha que é possível voltar a ter uma experiência como aquela, politicamente, socialmente e musicalmente?
Arnaldo – O Woodstock foi nos Estados Unidos, mas conseguiu uma penetração profunda igual o festival da ilha de Wight, perto da Inglaterra, também foi profundo. Talvez a gente consiga a mesma coisa aqui no Brasil, não custa ter esperança, né.
DMRevista – No seu disco Lóki, aquela música do lado B, Te amo podes crê, é tida como uma das músicas mais intensas que falam de amor na língua portuguesa. O que você tem a dizer pra hoje sobre o disco Loki?
Arnaldo – Essa música para mim foi muito difícil compor, resultado tal que a gente consegue ouvir, consegui uma coisa profunda com a minha performance. Interessante que o pessoal se prenda a essa música, Te amo podes crê, que conduz uma perfeição de instrumental e vocal.
DMRevista – Questão de shows, como que tá? Como está sua agenda recente?
Arnaldo – Tô agora fazendo shows em Sesc, de alguma forma, através da internet a gente vende os ingressos. Então às vezes tá conseguindo fazer um lado bom. Um show no Teatro Municipal, em São Paulo, que fiz, foi interessante e agora é no Sesc. Psicodália que você falou também. Vou atingindo a todos como eu consigo na medida do possível. Muitas vezes, dentro do meu projeto Sarau Benedito.
DMRevista – Em questão de gravação, você estava comentando que tá estudando bateria.Está prevendo para seus fãs algum material novo, de estúdio?
Arnaldo – Tô tentando condensar meu trabalho no sentido de alcance poético que alcançou com minha música o sentido de energia, onde existe eletricidade solar pros carros, e nesse sentido a gente vê que a eletricidade é grátis através do sol. Os carros de Fórmula 1 não possuem células fotofotaicas, esperança do futuro, né. Eles podem colocar eletricidade solar e não precisariam mudar o carro da corrida.
DMRevista – Pra você, o que seria uma revolução?
Arnaldo – Seria uma coisa que vou usar o trocadilho: RevoluSom, onde todos os amplificadores seriam a válvula, não digital, que não gosto. Então seria uma RevoluSom.
DMRevista – Pra terminar a entrevista, qual a última mensagem que você gostaria de dizer ao mundo, às pessoas?
Arnaldo – Dê uma chance ao suficiente, no inglês “Give enough a chance”, no sentido de vida, filosofia e alcance.
]]>