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Uma princesa pelas calçadas

Diário da Manhã

Publicado em 29 de junho de 2018 às 23:45 | Atualizado há 2 semanas

“Limpe São Paulo, mate um travesti por noite” pichação em um muro paulista na década de 80. Quem contou sobre essa mensagem de ódio rabiscada na rua viveu na car­ne o preconceito e intolerância. O nome dela é Fernanda Farias de Al­buquerque. A travesti que teve sua vida registrada em um livro, uma história que o autor italiano Mauri­zio Janelli ajudou a contar.

Maurizio e Fernanda se co­nheceram em uma prisão italiana e dessa relação de cárcere surgiu o registro da vida da travesti. O li­vro foi escrito em primeira pessoa, como se Fernanda o tivesse escri­to e Maurizio deu forma à narrati­va mal construída da prostituta de pouco estudo. Juntos escreveram o livro reportagem Princesa.

Maurizio era militante das Briga­das Vermelhas. Brigada Vermelha (Brigate Rosse em italiano) era uma organização paramilitar de guerri­lha comunista italiana formada no fim da década de 60.Jannelli parti­cipou de várias ações consideradas terroristas, que lhe valeu uma sen­tença de duas prisões perpétuas. Na prisão conheceu Fernanda, pre­sa por esfaquear um homem e sen­tenciada a seis anos

A BATALHA

Fernanda nasceu Fernando no interior da Paraíba na cidade de Ala­goa Grande, Abandono paterno, po­breza, sofrendo abusos sexuais re­solve fugir da triste realidade de casa pra viver a realidade crua das ruas. Moça que vai pra guerra, pinta o ros­to e precisa de um nome que lhe dê coragem de enfrentar a batalha fria das ruas paulistas, Princesa.

Na década de 80, com o sonho de glamour muitas travestis se mu­daram para a europa. Lá continua se prostituindo nas ruas de Milão e se torna dependente de heroína. Sua prisão veio no começo da década de 90 com uma acusação de tenta­tiva de homicídio de uma prostitu­ta. Na prisão descobre ser portado­ra do vírus da aids.

Na real tudo que ela sonhava era juntar grana com a prostituição e fa­zer uma operação de mudança de sexo. Encontrar um bom marido gringo que cuidasse dela e tornar-se uma boa dona de casa. Assim con­ta o cineasta Henrique Goldman.

O LIVRO

No livro Fernanda conta da vio­lência que a cidade impunha aos travestis que ganhavam a vida na calçada. Violência policial, violência do “cidadão de bem”. Sobre as cole­gas de rua assassinadas pelo ódio ir­racional do preconceito. Sobre o ví­cio em álcool e drogas para suportar o frio e a solidão de São Paulo. Todos os relatos enriquecidos pelas pala­vras de Maurizio.

Na capa estão as duas assinatu­ras: a de Fernanda e a de Maurizio Jannelli, juntos compartilharam o cárcere na prisão em Rebibbia e o trabalho de escrever o livro. Na nar­rativa havia também um terceiro preso de origem Sardenha Giovan­ni Cotonetes que fez a ponte entre o autor e a travesti e convenceu Fer­nanda a escrever sua história.

Em 1994, o livro foi publicado e traduzido em português, espanhol, alemão e grego. Por pouco tempo Fernanda é admitida como secre­tária na editora que publicou o li­vro, mas as ruas chamam por ela, então deixa o trabalho para retor­nar à vida anterior.

O FILME

O diretor brasileiro Henrique Goldman transformou a história de Fernanda em filme. Ele mergu­lhou de tal forma no projeto que teve a vida pessoal prejudicada e ainda teve que entregar o cachê que ganharia como diretor pra completar o orçamento e termi­nar as filmagens.

A Fernanda do filme acaba por superar a dureza da vida e apren­de a amar a vida. Diferente da Fer­nanda da vida sucumbiu as batalhas de rua e no ano 2000 ela suicidou­-se aqui no Brasil. Fernanda inspi­rou a criação da organização Prin­cesa pelos direitos dos transexuais.

Na época o filme não foi lá um sucesso de bilheteria mas ganhou um prêmio de melhor filme es­trangeiro no festival OutFest de Los Angeles e acabou ganhando o mundo. Goldman disse que em alguns países seu filme foi distri­buído como filme gay, ou erótico, mas para ele era apenas uma his­tória de busca de identidade.

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