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Vida comunitária em extinção

Diário da Manhã

Publicado em 15 de janeiro de 2018 às 21:43 | Atualizado há 1 semana

A Associação dos Mora­dores do Conjunto Cai­çara, região leste de Goiânia, completou 40 anos no último dia 26 de novem­bro. Foi fundada em 1977 por moradores preocupados em resolver problemas estrutu­rais do bairro, como falta de asfalto, transporte e sanea­mento. Resolvidos esses pro­blemas, outros surgiram, junto à necessidade de uma organização permanente. De acordo com Vanderlei Gomes e Ednamara Oliveira – mem­bros do Conselho Comuni­tário de Segurança Pública e Defesa Social do Conjunto Caiçara e Região –, a falta de integração e preocupação da vizinhança com o espaço pú­blico são problemas graves, que encontram impacto em setores, como o da seguran­ça pública. Eles estiveram na Redação do Diário da Manhã para falar sobre o assunto.

Atualmente, o Conselho dis­cute formas de reintegrar a po­pulação do bairro, cada vez mais isolada do portão para dentro, ao espaço coletivo. Para Vander­lei Gomes, a integração entre os moradores é necessária no com­bate à falta de segurança. “A úni­ca forma de se retirar crimino­sos das ruas, ou do comando das ruas, é que a população passe a ocupar”, explica. A continuidade do trabalho voluntário também é essencial para a manutenção física constante dos espaços pú­blicos. “Como na nossa vida par­ticular, onde a gente conquista uma coisa e depois almeja outra, o movimento comunitário fun­ciona da mesma maneira. Você consegue tapar um buraco na rua, e queima a lâmpada. Os pro­blemas se repetem ou coisas no­vas surgem dia após dia.”

A Associação do Caiçara fun­ciona em frente à Agetop e com­porta várias outras entidades, como conta Vanderlei Gomes. “Lá funciona o Conselho de Se­gurança, que foi criado em 2003 pela associação de moradores em parceria com a SSP e a comu­nidade da região. Temos também uma cooperativa de bordadei­ras, a Bordana, com pessoas da comunidade e de outros setores também – tem produção artesa­nal, e reproduzem nos bordados os frutos do cerrado goiano. Ain­da integram o espaço um comitê de sustentabilidade ambiental, e agora a Associação dos Cuidado­res de Idosos e Similares de Goi­ânia e da Região Metropolitana. Um apoiando o outro”, conclui.

COMUNIDADE

O crescimento dos assaltos nas ruas, de acordo com Vander­lei Gomes, é um dos motivos da perda do espaço coletivo. “Você sai na cidade, em qualquer bair­ro de Goiânia, com poucas ex­ceções, e a partir das 19h todos já estão trancafiados em casa. O cidadão, normalmente, está pre­so atrás das grades e dos tijolos da sua casa, e o crime organiza­do é que comanda as vias públi­cas.” Seguindo essa lógica, Van­derlei sugere que a ocupação das ruas pelos próprios moradores inibe a criminalidade. “É preci­so resgatar o que nós tínhamos 10 anos atrás, quando as pesso­as, ao final das tardes, iam para a porta das suas casas, levavam a cadeira, ou o banco, e começa­vam a bater papo. Ficavam por ali horas e horas enquanto os fi­lhos brincavam nas ruas.”

Os bairros de Goiânia passa­ram por uma radical reconfigu­ração espacial nas últimas déca­das, e um dos motivos para isso foi o medo da exposição àquilo que acontece nas ruas. “Antes nós tínhamos grades na frente das casas e nenhuma era trancada. As pessoas entravam e dormiam com as portas abertas. Hoje nós temos muros e grades de 2, 3 me­tros. Verdadeiras prisões para se proteger”, explica Vanderlei. Para Ednamar Oliveira, secretária do Conselho de Segurança Comu­nitário, o aumento da crimina­lidade causa grande impacto na vida social do bairro, pois afas­ta as pessoas. “Antes as crianças eram todas amigas. Hoje mal se conhecem, mal falam bom dia. Falta de segurança pública é um dos principais motivos.”

Atualmente, uma das dificul­dades de se manter um movi­mento comunitário articulado é a desconfiança dos próprios possíveis voluntários. Ednamar explica um pouco de como, na prática, os voluntários resol­vem os problemas estruturais do bairro. “Quando não é uma coisa que consigo fazer só, vou chamar as pessoas. Nem todos vão aceitar a ideia. Um ou outro se junta, e quando mais alguém vê que você está lá trabalhan­do com a enxada já traz a dele também, outro traz o carrinho.” Ela fala ainda da dificuldade de contatar o poder público. “É muito difícil o acesso e também é desgastante.”

Existe ainda a desconfian­ça dos próprios moradores do bairro, que passam a enxergar o voluntário de maneira dis­torcida. “Como as pessoas en­xergam aquela que tomou a iniciativa? Provavelmente ela trabalha pra algum candidato, ou ela deve ganhar muito bem. Aí aquela pessoa passa a ser ob­servada como se ela tivesse a obrigação de ver as coisas erra­das.” O correto, segundo Edna, é conscientizar a todos de que a fluidez do espaço coletivo é a recompensa mais importan­te para aqueles que trabalham de forma voluntária no bairro, e para a coletividade em geral.

VIDA PRIVADA

A aquisição do espaço públi­co por empresas – como acon­teceu com o local onde ficava o campo de várzea do Caiçara – também ajuda a desarticular as organizações comunitárias. De acordo com Vanderlei, essas manobras favorecem o bem-es­tar de iniciativas privadas, em primeiro lugar. “Quando se pri­vatiza ou vende a área que era destinada ao campo de várzea, você vê empresas que construí­ram campos de futebol society, e campos de futsal para locação. São políticas públicas feitas em sintonia com a iniciativa priva­da, onde você fecha um espaço público, mas em compensação abre um espaço privado.”

O isolamento progressivo das pessoas também mostra a tendência comportamental de um universo terceirizado, onde organizações privadas assu­mem o papel de movimenta­ção da vida. “De repente a nos­sa vida melhorou um pouco nos últimos tempos, mas do portão para dentro. O espaço que é familiar ou individuali­zado. Mas as políticas públicas para os espaços públicos estão cada vez piores”, conta Van­derlei. Para ele, existe omissão e falta de consciência coleti­va. “O bairro pertence a quem? Ao dono do supermercado? Ao dono da escola particular? O prefeito? Igreja X ou Y? Qual a minha participação? A gente tem que sair de manhã, chegar, trancar o portão, e aí? Não ver que a lâmpada queimou, que a rua está esburacada?”

POLÍTICA

“Vejo esse modelo de repre­sentação que temos hoje, que ele chegou no seu limite”, expõe Vanderlei. Ele sugere que é ne­cessário uma melhor divisão de recursos públicos entre as regi­ões, o que seria possível em ini­ciativas como o voto distrital ou as subprefeituras. “Temos ve­readores eleitos para represen­tar os mais de 800 bairros da cidade. Eles não representam nenhum. Não há compromis­so, nem uma votação que faça com que eles tenham fidelidade àquela região.” Ednamar lem­bra que o que sustenta o poder público é o dinheiro da popu­lação, que necessita de retor­no. “A própria população, prin­cipalmente a periferia, financia o poder público. Aí quando lu­tamos, colocamos a cara a tapa, não temos ninguém pra nos proteger.”

 

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