Opinião

A adoração material dos presentes de Natal

Diário da Manhã

Publicado em 24 de dezembro de 2017 às 00:16 | Atualizado há 7 anos

Eu as­sis­tia a um ví­deo ( cer­ca 20 mi­nu­tos de du­ra­ção ), e pus-me em se­gui­da a al­gu­mas re­fle­xões. O te­ma era a edu­ca­ção do fu­tu­ro, pre­le­ção es­sa, ao que pa­re­ce, de um bem pre­pa­ra­do jo­vem pro­fes­sor em tec­no­lo­gia da in­for­ma­ção (TI). Pe­las le­gen­das e ca­rac­te­ri­za­ção tal au­la se pas­sou no au­di­tó­ria da USP, o que traz-lhe ain­da mais acre­di­ta­ção e pres­tí­gio.

O tí­tu­lo da re­fe­ri­da pa­les­tra já traz uma cla­ra ideia do te­or da ex­po­si­ção. Re­fe­ria por exem­plo o pa­les­tran­te so­bre a ve­lo­ci­da­de das in­for­ma­ções. Tu­do che­ga “pron­to” e aos bor­bo­tões pa­ra as pes­so­as, fa­la­va  do que se­ja a in­for­ma­ção e o que fa­zer com elas, da ra­pi­dez com que se re­no­vam as mí­di­as. Por exem­plo um “gad­get” (mí­dia di­gi­tal) po­de es­tar su­ca­te­a­do e ul­tra­pas­sa­do por ou­tro que já é ofe­re­ci­do ao na­ve­gan­te (in­ter­nau­ta, usu­á­rio), em ques­tão de um ano. A re­la­ção de uma in­for­ma­ção im­pres­sa (li­vro fí­si­co, apos­ti­lha, re­vis­ta) com aque­la ve­i­cu­la­da por áu­di­os e ima­gens (Ins­ta­gran, Yo­u­tu­be). A pre­fe­rên­cia que os jo­vens têm pe­las co­mu­ni­ca­ções via ví­de­os e ima­gens. A cre­di­bi­li­da­de que pos­sa ter ca­da in­for­ma­ção e no­tí­cia. O que pos­sa ser um bo­a­to, pós-ver­da­de e Fake News. A ten­dên­cia é ape­nas o que já es­tá pron­to e pen­sa­do. Na­da de lei­tu­ra, na­da de ra­ci­o­cí­nio e pen­sa­men­to ló­gi­co. Por is­so o do­mí­nio das ima­gens.

Em pou­cas fra­ses, a ex­po­si­ção do jo­vem pa­les­tran­te era re­ves­ti­da de uma ab­so­lu­ta mo­der­ni­da­de, pa­ra pes­so­as mo­der­nas, de pre­fe­rên­cia pa­ra uma ge­ra­ção jo­vem, nas­ci­da, es­co­la­da e edu­ca­da so­bre­tu­do ten­do co­mo fer­ra­men­tas os ins­tru­men­tos, re­cur­sos, softwa­res do mun­do di­gi­tal. O pú­bli­co pre­sen­te, pe­las ima­gens, era for­ma­do por ado­les­cen­tes e jo­vens ca­lou­ros de uni­ver­si­da­de (USP pro­va­vel­men­te). O in­te­res­se e aten­ção eram ab­so­lu­tos.

Meus co­men­tá­rios. Por par­tes e fa­zen­do com­pa­ra­ção de épo­cas, cul­tu­ra, tec­no­lo­gi­as, a es­sên­cia das coi­sas e dos hu­ma­nos; tu­do is­to às vés­pe­ras de Na­tal e Ano No­vo.

É de con­sen­so que na­da evo­lu­iu tan­to co­mo a(s) tec­no­lo­gia(s) de in­for­má­ti­ca e de in­for­ma­ção nos úl­ti­mos 10 anos. Há uma ten­dên­cia de to­do pro­ces­so cul­tu­ral, in­for­ma­ti­vo, edu­ca­cio­nal ser do­mi­na­do pe­lo em­pre­go de ima­gens, áu­di­os e ví­de­os. No que de­pen­der dos crí­ti­cos mais jo­vens o fu­tu­ro dos se­to­res de edu­ca­ção, de in­for­ma­ção e ve­i­cu­la­ção de da­dos se fa­rá com uso em pro­fu­são de to­dos es­ses re­cur­sos ima­gé­ti­cos e de áu­di­os . A es­cri­ta, os tex­tos, os li­vros fí­si­cos (em  pa­pel) pa­re­cem que na vi­são fa­tu­ris­ta se­rão re­ser­va­dos aos mu­seus. Ao me­nos é o que su­ge­re o te­or da pa­les­tra re­fe­ri­da no iní­cio des­te tex­to, Edu­ca­ção Pa­ra o Fu­tu­ro . Con­si­de­ran­do que  ain­da se­ja  eu  um adep­to e afi­ci­o­na­do aos li­vros, ao chei­ro do pa­pel, do pre­lo e das grá­fi­cas,  já me sin­to re­tró­gra­do e fo­ra de mo­da. Ao me­nos vou pro­cu­rar fa­zer uma in­ter­fa­ce en­tre es­sa tão de­cla­ma­da mo­der­ni­da­de e a cul­tu­ra tra­di­cio­nal. Ali­ás, já fa­ço as­sim.

Que re­la­ção guar­da o na­tal com as tec­no­lo­gi­as di­gi­tais? Pes­qui­sas e es­ta­tís­ti­cas da in­dús­tria e do co­mér­cio mos­tram que os pre­sen­tes mais al­me­ja­dos de pa­pai No­el são os de mí­di­as di­gi­tais. Ipad, ta­blets, smartpho­nes. Nos­sas cri­an­ças têm nas­ci­do já di­gi­ta­li­za­das. An­tes de irem pa­ra a es­co­la, qua­se to­das já vi­ram cen­te­nas de ho­ras de ima­gens, ví­de­os e ga­mes. Tu­do is­to apren­di­do com os ágeis to­ques dos mi­nús­cu­los de­dos. Ha­bi­li­da­de di­gi­tal(dos de­di­nhos) que já do­mi­na os en­can­tos do mun­do di­gi­tal.

Nin­guém de ne­nhu­ma cul­tu­ra de­ve de­mo­ni­zar ou des­de­nhar es­sa no­va ge­ra­ção que tem nas­ci­do, edu­ca­da e vi­ve gran­de par­te da vi­da hi­per­co­nec­ta­da. To­da­via, fi­ca um aler­ta,  já há es­tu­dos mos­tran­do os da­nos e efei­tos no­ci­vos do con­tí­nuo sta­tus on­li­ne. Tra­ta-se da web­de­pen­dên­cia ou no­mo­fo­bia. Li­mi­tes no uso e cri­té­rios de aces­so ao mun­do di­gi­tal, se­ri­am bons con­se­lhos a pa­is e edu­ca­do­res.

A ex­tre­ma de­pen­dên­cia das tec­no­lo­gi­as da in­for­ma­ção e to­das as pla­ta­for­mas di­gi­tais cons­ti­tu­em uma fa­ce do que po­de se de­no­mi­nar a “re­li­gi­ão” do ma­te­ri­a­lis­mo mo­der­no. As no­vas ge­ra­ções têm ca­da vez mais cons­ti­tu­í­do  em um es­ta­do ou es­tá­gio  a que po­de­mos cu­nhar de em­bri­a­guez da  tec­no­lo­gia, cu­jos prin­ci­pa­is ins­tru­men­tos são os ob­je­tos ou “gad­gets” ou re­cur­sos di­gi­tais de co­mu­ni­ca­ção, pe­la In­ter­net. Den­tre os re­cur­sos des­sas mí­di­as so­bre­le­vam em pre­fe­rên­cias as tão mas­si­vas e ubí­quas re­des “so­ci­ais” co­mo fa­ce­bo­ok, ins­ta­gram e what­sApp. Exis­te ho­je a an­sie­da­de di­gi­tal. To­dos co­nec­ta­dos.

Ao se fa­zer uma con­fron­ta­ção com os fes­ti­vos mo­men­tos  na­ta­li­nos de nos­sa era da in­for­má­ti­ca e das tec­no­lo­gi­as da in­for­ma­ção com os pri­mi­ti­vos e ori­gi­nais sig­ni­fi­ca­dos do na­tal, de pas­sa­gem de ano, de pás­coa, pa­re­ce que tu­do se per­deu!. Por que se tem a fi­gu­ra do pa­pai No­el?  Por que da ár­vo­re de Na­tal?  Dos pre­sen­tes des­ta da­ta ?   Por que a pás­coa tem co­mo sím­bo­los o ovo de cho­co­la­te e a fi­gu­ra do co­e­lho ?

Nes­se sen­ti­do, do que se­jam es­sas ce­le­bra­ções, es­sas da­tas, es­ses íco­nes , es­ses e ou­tros ob­je­tos   quem  bem os  ex­pli­ca é a pró­pria Fi­lo­so­fia. Tan­to a gre­ga co­mo a ori­en­tal. A Fi­lo­so­fia se re­su­me em um  con­jun­to de prin­cí­pios, de pen­sa­men­tos, de re­fle­xões, que não se con­ten­ta com o ób­vio, com a có­pia e re­pe­ti­ção das coi­sas, dos cos­tu­mes e dos há­bi­tos. Daí, sua cons­tan­te in­da­ga­ção, por que dis­so, da­qui­lo, por que dos usos e cos­tu­mes?

A “re­li­gi­ão” do ca­pi­ta­lis­mo, o fas­cí­nio que o ma­te­ri­a­lis­mo di­gi­tal des­per­ta nas pes­so­as, o exa­ge­ra­do ape­go e de­pen­dên­cia dos mo­der­nos e co­lo­ri­dos apa­re­lhos de mí­dia etc;  to­da es­sa no­va on­da de mo­der­ni­da­de e hi­per­co­nec­ti­vi­da­de têm pau­la­ti­na­men­te tor­na­do as pes­so­as co­mo me­ros ro­bôs e au­tô­ma­tos des­se tur­bi­lhão de in­for­ma­ções e ima­gens que em na­da re­pre­sen­tam na cons­tru­ção e for­ma­ção do ser hu­ma­no. Tem-se mui­ta in­for­ma­ção , mas pou­ca ou ne­nhu­ma for­ma­ção. Tal­vez o con­trá­rio, mas de­for­ma­ção mo­ral e de cul­tu­ra que cres­ci­men­to co­mo pes­soa hu­ma­na.

A es­sên­cia, o ín­ti­mo, a al­ma, a gen­ti­le­za, a fra­ter­ni­da­de, o co­nhe­ci­men­to de si mes­mo, o sen­ti­do do que so­mos e pa­ra on­de ire­mos têm si­do des­pre­za­dos. Tu­do es­que­ci­do e ne­gli­gen­ci­a­do, in­clu­si­ve em ple­nas co­me­mo­ra­ções de Na­tal e Ano No­vo. São cei­as, ban­que­tes, man­ja­res, os me­lho­res re­pas­tos, li­ba­ções de cham­pa­nhes e ca­ros vi­nhos. Com mui­tos fo­gos, áu­di­os, ima­gens e ví­de­os.

E a es­sên­cia, o sig­ni­fi­ca­do do que se­jam o in­ti­mo  hu­ma­no e o sim­bo­lis­mo da  Na­tal são apa­ga­dos de qual­quer ce­le­bra­ção. Quão frio, frá­gil e va­zio o mun­do pro­pa­la­do e ado­ra­do dos re­cur­sos di­gi­tais e das re­des so­ci­ais.

Co­mo no­ta de ro­da­pé, eu ex­pli­co. A fi­gu­ra do pa­pai No­el, o ve­lhi­nho tão cor­tês e gen­til, de bar­bas bran­cas, ir­ra­dian­do bon­da­de e sim­pa­tia, é uma cri­a­ção da Co­ca-Co­la. Em si ele lem­bra a pró­pria gar­ra­fa da be­bi­da, um link per­fei­to, um re­fri­gé­rio pa­ra a se­de e o cor­po. Co­mo os fins jus­ti­fi­cam os mei­os, acer­tou em cheio o marke­ting e en­go­do des­sa mul­ti­na­ci­o­nal, que se faz pre­sen­te até na Lua e em Mar­te. To­dos se re­fes­te­lam das be­bi­das  e co­mi­das da mar­ca. Ho­je é a in­dús­tria de be­bi­das e ali­men­tos mais ri­ca do Pla­ne­ta. Que ins­pi­ra­ção!  não é mes­mo ? E Nós eter­nos e me­ros con­su­mi­do­res.   De­zem­bro/2017.

 

(Jo­ão Jo­a­quim mé­di­co – cro­nis­ta do DM con­sul­to­rio­jo­ao­jo­a­[email protected]  fa­ce jo­ao jo­a­quim de oli­vei­ra)

 

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