A asfixia judicial do Estado brasileiro sobre o hospital de pequeno/médio porte
Júlio Nasser
Publicado em 14 de abril de 2017 às 03:40 | Atualizado há 8 anosO Estado brasileiro vem se desobrigando, paulatinamente, da assistência hospitalar, sobretudo daquelas situações médicas que não causam, ou aparentemente não causam,“morte imediata”. A população, aparentemente, aceita o fechamento de leitos de situações médicas onde “não morre gente” (apenas aparentemente, pois até na psiquiatria se morre, p.ex., suicídio, homicídios, overdoses, acidentes automobilísticos, etc). No entanto, o Estado não pode safar-se eternamente da pressão popular, e esta acaba se exercendo sobretudo sobre as Secretarias Municipais da Saúde, Ministério Público, Poder Judiciário. O Judiciário, portanto, cada vez mais acionado, tem também acionado os hospitais privados/filantrópicos, uma vez que o governo já não dispõe de estruturas adequadas, diversificadas, capilarizadas/descentralizadas, ou seja, estruturas suficientes para as demandas. Governos federais e estaduais, por meio de UPAs e Hospitais de Urgências entregues à Organizações Sociais, por sua vez, vem contribuindo também para o fechamento dos hospitais privados/filantrópicos, numa política de “dumping” (são estruturas subsidiadas com o dinheiro público, sobrevivem com folga e luxo, ao passo que os privados /filantrópicos têm de sobreviver – quando o conseguem – na sufocante selva de impostos, custos, direitos trabalhistas e exigências burocráticas de toda sorte).
Sob pressão, sem locais para colocar os doentes, vem acontecendo uma perniciosa “judicialização da saúde”, na forma, por exemplo, de mandados judiciais para que hospitais privados/filantrópicos internem, a “fundo perdido”, isto é, sem remuneração, a população desassistida pelo SUS. Esses fatos foram mostrados na palestra e no trabalho jurídico impresso de um juiz do RJ, publicados na última revista da Associação dos Hospitais do Estado de Goiás. Nessa matéria da revista (disponível em www.casadoshospitais.com.br) – e sobretudo no link da reportagem que remete ao mais amplo trabalho jurisprudencial do juiz sobre o assunto, publicado em revista especializada – há vários “estudos de casos”, de hospitais no RJ, onde, após a internação, o Estado (aqui representando as três esferas do poder público), não conseguiu retirar o paciente do hospital privado, encaminhá-lo para unidade pública, devendo o ente privado arcar com todos os custos. Nesse caso, o juiz cita vários procedimentos jurídicos que um hospital, nessas circunstâncias, poderia adotar. No entanto, ao nosso ver, são procedimentos extremamente onerosos e difíceis para hospitais pequenos e médios que, hoje, lutam até pelo “pão-de-cada-dia”. Muitíssimos poucos, por exemplo, dispõem de um departamento jurídico como o juiz pressupõe.
O juiz cita, em seu artigo, uma série interminável de recursos que poderiam ser interpostos contra o Estado, recursos dignos do poder (e do dinheiro) daquelas bancas advocatícias antimensalão, antipetrolão, anti-Lava-Jato, do Distrito Federal. Ora, nada mais utópico no nosso cenário atual. Ainda mais utópica é a “solução final” ofertada pelo juiz ao problema: caso o hospital não consiga ser ressarcido nessas instâncias, que cobre do Estado o abatimento de impostos, IPTU, INSS, IPVA, etc. Ou seja, se o hospital não conseguir ser ressarcido pelo Estado, pelas “internações gratuitas” que tem de fazer, que vá até o Detran e peça para que a dívida estatal seja abolida nos impostos da frota de ambulâncias…. Nunca vi nem muito menos ouvi falar de algo desse tipo. Será que a Prefeitura irá abater um IPTU de uma dívida feita por um paciente do Estado? Será que a União (INSS) irá abater uma dívida de saúde feita pela Prefeitura? Ora, nada mais utópico… Pedimos desculpas , mas discordamos frontalmente deste tipo de “solução aparentemente legalista e conciliatória”, mas utópica e financeiramente prejudicial. Nosso hospital, que não é estatal, mesmo recentemente, teve de albergar uma “paciente, uma púbere, moradora” porque um juiz “julgou” que não haveria outro lugar para ela ir…
Então, qual seria a “solução”? Medidas advindas das Associações Hospitalares no sentido de coibir este tipo de abuso na raiz. Promotores, Juízes, “poder público”, ao nosso ver, não têm o direito de escravizar a iniciativa privada/filantrópica. Não é possível que se emitam a torto-e-a-direito ordens e mais ordens judiciais obrigando hospitais não-estatais a prestarem assistência estatal, inclusive sem ouvir as partes envolvidas, p.ex., os setores administrativo/financeiros dos hospitais privados/filantrópicos a quem é feito o encaminhamento. Aqui não pode haver o tal ubíquo e inquebrantável princípio do “ordem judicial não se discute, se cumpre”.