A chaminé
Diário da Manhã
Publicado em 24 de dezembro de 2017 às 00:19 | Atualizado há 7 anosTrema a terra de susto aterrada…
Castro Alves
No fim de ano, se me sobra uns cobres no bolso, resolvo me exibir tomando um café da manhã numa dessas panificadoras chiques em que você chega pega uma ficha que parece um tablete, agarra um prato e sai em fila indiana catando carboidrato aqui e ali, outras com valores protéicos mais acentuados e quando você acorda devorou ou vai devorar milhares de calorias, mandando pras cucuaias o regime que vem protelando a séculos. E como sou curioso fico ouvindo — não que sou enxerido, é claro — e nesses locais costuma não ter paredes divisórias, daí… Conversa vai e vem, ouço, e no ouvir tento arremedar, malemente, o que ouvi. Escolhi uma mesa e logo um idoso e dois jovens se sentaram do meu lado direito e mais quatro jovens (duas moças e dois rapazes) sentaram-se do meu lado esquerdo e cada turminha entabulou assuntos díspares até que o velho falou um pouco altissonante (velho tem disso) e espremido no meio deles acabei esticando a minha pequena orelha pro lado da história do velhote, não descuidando da turminha do lado esquerdo, lógico.
— Quando eu era piquititito — falou o Matusalém — ouvia da minha mãe, das avós, das tias e das vizinhas que tava chegando o natal e que se eu quisesse ganhar presente tinha ser obediente, ir à missa dominical, parar de ser boca suja não mandando os chatos ir tomar naquele lugar, que coisa feia, papai Noel existia e era bonzinho com os meninos bonzinhos e bonzinho com as meninas boazinhas. Esse bonzinho e boazinha recaía na forma de não jogar bola (meninos) ou peteca (meninas) no recreio, pra não emporcalhar o uniforme azul e branco do Grupo Escolar Princesa Isabel; não devia matar os pais de vergonha não fazendo as lições de casa e ao fazê-las, que as fizesse com letras bonitinhas, iguais as que a Kika faz, ô menina dedicada meu Deus, parece um querubim desenhando aquelas letronas cheias de rococó, letras gólicas…não, quero dizer gózicas!… Ela não é como você, seu orelhudo, (me apontavam os cinco dedos) que borra de baba a folha do caderno ao passar a língua na ponta do lápis e a baba é tanta que chega a pingar no caderno e aí esse coió, (agora me apontam os dez dedos) passa a mão suja de terra na outrora e inconspurcada folha que fica toda breiada de barro, que nojeira; tem que encher a caixa d’água pra sua santa mãe que está ficando velha (aí minha mãe subia nas tamancas dizendo prelas que velha é sua vó e às vezes tinha que apartar sob a iminência de correr sangue). Pra se encher a dita caixa d’água tinha que manusear uma bomba igual àquelas que apareciam nos filmes do Durango Kid ou do Roy Rogers em que o artista só dava umas duas ou três munhecadas e água jorrava tanto que dava pra encher umas vinte caixas d’água. A nossa não, na nossa era um filete de nada e logo entrava uma golfada de ar e pronto, travava tudo e aí tinha que se recorrer ao único técnico que entendia de bomba num raio de dez léguas tanto pro norte como pro sul ou do leste pro oeste e quando se achava o tal do técnico ele já estava bêbado e gente bêbada minha mãe não deixava entrar por causa de que vinha na mente dela a imagem dum tio meu que passava a noite no fôia (zona do baixo meretrício) e ele vinha de lá todo mijado e quando chegava em casa ninguém podia dar um pio porque ele puxava duma faca desse tamanho e todo mundo ó… xispava pra saróba ou punha o rabo entre as pernas, menos minha mãe que lhe tacava a mão do escutadô de música sertaneja universitária e ele saía num cata cavaco pra se esborrachar lá na frente com a boca em riba dum estrume de vaca ou batia a cara num cupinzeiro e ficava lá reclamando que vida marvada, que ninguém gostava dele e minha mãe soltando os cachorros nele, reclamando que nem no dia do nascimento de Jesus ela tinha nem um isso de paz mode essa gente sem alma que andava pisando com os cravos da chuteira no seu mole coração e ainda tinha o descaramento de ficar brabo mas, se caísse na besteira de fazer mais uma dessas ela vai mandar a policia dar uma sova na cacunda dele prele nunca mais esquecer que o Natal é celebração do nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo, é alegria no coração, é cumprimentos de paz, é soliçalidrade…, não, é solidarieprade e não brabeza de cachaça, ora!
— Bão, — continuou o Matusala — a missa do galo se aproximava e ninguém dava notícias do meu tio que, sarado da pinga, morria de vergonha das pessoas que o viram fazendo presepada. Sumia prum canto e só voltava quando a sede de tomar umas o atazanava. Pouco antes da missa ouve-se um grito desesperado de me acode gente que tô intalado, me acode que tô sem fôrgo, cooorrre gente se não eu não escapo e se eu escapar dessa nunca mais que entro numa desgrama de chaminé querendo ser papai Noel, juro!
(Alcivando Lima. alcivandoli[email protected])
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