A falsa premissa da escolha democrática nas eleições presidenciais brasileiras
Diário da Manhã
Publicado em 11 de outubro de 2018 às 04:22 | Atualizado há 6 anosNão é novidade que as eleições presidenciais de 2018 viraram uma espécie de caça às bruxas. Ou, fazendo analogia com a dita paixão nacional, um verdadeiro Fla x Flu eleitoral. Um cabo de guerra, em que as forças que se imprimem para derrotar o opositor, não importa de que lado esteja, não são exatamente as medidas pela Física. Ignoram-se as demais opções de voto (onze, para ser mais exata), cujo rol é composto de candidatos com currículos invejáveis e inteligência incontestável, na esperança de que, contra ele, vale colocar o outro, que tem a bênção do presidiário; ou que vale tudo contra a volta do partido do presidiário ao poder. Afinal de contas, “primeiro a ordem, depois o progresso” e “fulano vai ficar para 2022”. Quem nunca se deparou com essas máximas nas redes sociais, que atire a primeira pedra.
No Brasil, a premissa de que “o poder emana do povo” é, em parte, um equívoco. A começar pelo método de escolha dos candidatos. Temos uma falsa ilusão de escolha democrática, quando os candidatáveis são previamente selecionados internamente pelos partidos políticos, sob critérios que raramente são transmitidos ao eleitorado. Ao eleitor, resta referendar essa escolha entre as restritas opções que lhes são apresentadas. O resultado não poderia ser mais desastroso: aliado às pesquisas eleitorais, que induzem o eleitor ao “voto útil”, o eleitor se vê diante de um cenário onde é impelido a escolher o menos pior. Para si, não para a nação.
As pesquisas eleitorais, ou a forma como são conduzidas, fazem parte de uma problemática que precisa urgentemente ser discutida. São a ponta do iceberg de um sistema que há tempos espera para ser atualizado. Incontáveis propostas de reforma do sistema político e eleitoral brasileiro tramitam há anos no Congresso, mas a taxa de sucesso é mínima. As questões que podem prejudicar os responsáveis por votarem tais projetos são deixadas de lado. O desfavor que as pesquisas eleitorais trazem para uma eleição é incontável, além de serem, em grande parte, contestáveis: perpassam por problemáticas metodológicas, falta de treinamento dos aplicadores de questionários, sem falar das que são forjadas para uma determinada finalidade. O Tribunal Superior Eleitoral já deu um grande avanço ao exigir que as pesquisas sejam registradas, mas é preciso ir além. Se o brasileiro votasse no escuro, possivelmente as chances de voto útil nas eleições diminuiriam consideravelmente.
O que é difícil para muita gente perceber é que o ímpeto que move a engrenagem antipetista é o mesmo que fomentou o fenômeno do Lulismo por anos. Na busca por um mártir que possa salvar a pátria, sacrifica-se a escolha racional. Foi assim com o outro, está sendo assim com ele. O discurso outrora acusado de ser individualista, do “não me representa”, se volta agora engatilhado para aqueles que, munidos de privilégios e legitimados pelo discurso inflamado emanado pelo líder, defendem cegamente e a todo custo o candidato que pode resgatar o Brasil do fosso em que fora jogado pelo outro. Ambos os lados esquecem-se do fato de que a política, assim como a história, é cíclica. Os personagens podem ser diferentes, mas o roteiro é o mesmo.
O Brasil se encontra diante de uma situação em que não cabe mais se ter apenas a opção de escolher o menos pior para governar. Não é cabível, inclusive, nos pautarmos na experiência política de outros países, que possuem uma realidade completamente adversa a do nosso, para justificar a defesa das promessas de campanha de um candidato. Somos cultural e socialmente ímpares. Passou da hora de o brasileiro pensar no Brasil enquanto nação. Essa não é a primeira e nem a última vez em que presenciaremos o país dividido não somente entre duas possíveis escolhas eleitorais, mas entre a intolerância, a impunidade, os desmandos, a soberba, a perpetuação no poder, a falta de amor ao próximo e, principalmente, a falta de limites, seja daqueles que aplaudem o discurso antissocial do candidato que o seu opositor ajudou a construir, seja dos que defendem a possibilidade de um ex-presidente preso concorrer às eleições.
É preciso lembrar, mais uma vez, que a história é cíclica. Que mártires são falíveis. Ascendem com a força do povo e, pelas mãos deste mesmo povo, são jogado ao ostracismo. Que o eleitor consiga aguentar o jugo da responsabilidade ao eleger um candidato que, em nome de toda uma nação, ditará o destino de todos os brasileiros, não somente o seu. O eleitor tem uma arma poderosa em mãos: o voto. Mas ela também pode ser letal.
(Marcela Machado, cientista política, Mestra e Doutoranda em Ciência Política pela Universidade de Brasília/University of California)
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