A “fórmula” da água e a privada
Diário da Manhã
Publicado em 13 de março de 2018 às 22:28 | Atualizado há 7 anosCom todo o mundo falando sobre o filme “A forma da água”, ganhador de vários “Oscar”, inclusive de melhor filme, me lembrei de um grupinho que, também, gosta de atuar, até alcunhei-os de “Taizinhos” – aqueles que nunca leram, sequer, um livro – inclusive da Bíblia – durante as suas insonsas vidinhas, repletas de fantasias e crendices, Saci-pererê, lobisomem, bicho-papão, vampiro, que o homem nunca esteve na Lua e, jamais, chegará em Marte, que o John Kennedy e Michael Jackson não morreram e moram numa ilha paradisíaca, ou, que em queimaduras deve-se colocar pasta-de-dente, ou, farinha, sim, são os sabe-tudo de boteco, aqueles que se acham no direito de criticar catedráticos, especialistas, mestres, doutores, pós-graduados, que passaram suas vidas em bibliotecas, laboratórios, pesquisando debaixo da água, na estratosfera, dentro de cavernas escuras, repletas de morcegos, em florestas repletas de feras – lembrei, também, da série “A Água”, a primeira que escrevi para este matutino vanguardista, constituída de quase duas dúzias de capítulos, publicada durante, cerca, de três, ou, quatro anos, entre 2011 e 2014, então, lá eu afirmei:
“Ao contrário do ensinado nas escolas, a água não é insípida, não é incolor e nem inodora”.
Muitos me chamaram de jumento, burro, que eu deveria voltar para o primário, mas, enfim, eu, na verdade, na verdade mesmo, porquanto, qualquer pessoa que leia o texto constatará, facilmente, que jamais afirmei que o “H2O”, os três átomos, ou seja, a água pura, não possua tais características, não sou tão burro como eles gostariam e, é lógico, todo mundo sabe disto, acho que até a Mel, a nossa cadelinha, ou seja, que a água pura, a destilada é incolor, insípida e inodora, mas, no texto, refiro-me à água que bebemos, banhamos, lavamos o chão, o banheiro, a… bacia, a água dos sucos, refrigerantes e cervejas, aquela que fazemos a comida, que irrigamos, enfim, referi-me a estas águas, pois, quando brotam do solo, da terra, da cacimba, da bica, da mina, da nascente, até quando caem do céu, já contêm as características dos “seus” locais de origem, portanto, todas as águas possuem odores e gostos característicos.
Atualmente, graças aos avanços tecnológicos, especialmente na nanotecnologia, pode-se detectar, em segundos, que aquela “amostra” de água é do Polo Sul, a outra, do Norte, a outra, da Amazônia, a outra, da Cochinchina, a outra, de Pindamonhangaba, podemos verificar isto, como afirmei lá, na tal série, até nas gondolas, nas prateleiras dos armazéns, mercados, aonde têm água de tudo quanto é tipo, pra tudo quanto é gosto e desgosto, mas, vou finalizar este parágrafo para contar, no próximo, no derradeiro, um caso.
Eu contei, naquela série, que com o advento e a propagação da privada, ou, melhor, mais requintado, do vaso sanitário, ocorrido no meio do século “passado”, com um simples aperto de botão, ou, o puxamento de uma cordinha, podemos ver os nossos dejetos, outrora abrigados em nossos interiores, nas nossas entranhas, intestinos, centrifugando numa água outrora límpida, que salvaria, certamente, a vida de duas, ou, três pessoas que morreram de sede, hoje, em algum lugar do planeta. Eu sei que é muito triste, entretanto, para que o misericordioso leitor não termine esta leitura, um pouco melancólico, vou contar um fato que, sempre que conto, os amigos riem muito. Eu estava esperando um semáforo, um sinal “abrir” quando ouvi o meu nome sendo gritado, muito alto mesmo, bem no centro da “Praça Tamandaré”. Lógico, vou omitir o nome do nonagenário portentoso, por motivos óbvios, mas, todos que moram no setor oeste o conhecem, é fundador do setor, aliás, de Goiânia, o zoológico, que fica bem no centro da cidade, era o quintal da sua casa, então, voltando, ele, como sempre, impecavelmente, indefectivelmente vestido, com paletó, gravata, lenço, bengala, guarda-chuva, faça sol de rachar, faça chuva de molhar, enfim, indumentária completa, uma figura linda, percebendo que eu o havia visto, continuou, bradando:
“Gonçalves Dias, depois que eu li o seu artigo, sobre a água e a privada, a minha cagada nunca mais foi a mesma”.
Fiquei embasbacado, boquiaberto e olhei ao derredor. Muita gente esperava a minha reação e, lógico, comecei a rir e, é verdade, estou rindo até hoje, ou melhor, até agora. Pena que o semáforo “abriu”. Mandei-lhe um beijo e me senti muito, muito feliz e honrado. Foi um dos melhores elogios que recebi na vida. Até.
(Henrique Gonçalves Dias, jornalista)
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