Opinião

A (In) Segurança Pública e a política, no Brasil e em Goiás

Diário da Manhã

Publicado em 29 de fevereiro de 2016 às 00:15 | Atualizado há 9 anos

“A vida não é um conjunto de episódios sem conexão, mas uma seqüência contínua onde se encontram relações de causa e efeito”.
Gordon Hamilton

É tempo de retomarmos o entendimento de que a Segurança Pública implica em muito mais do que controle e combate da criminalidade e da violência. Segurança pública tem a ver com garantia de direitos. Está condicionada por variáveis diversas, é processo multidimensional e deriva do contexto sócio-econômico e cultural da sociedade.
A criminalidade deve ser compreendida em sua interface com, por exemplo, os problemas decorrentes da impunidade e da crise geral por que passam também as demais instituições brasileiras, nas esferas da saúde, educação. do esporte, lazer, cultura, trabalho, assistência social, planejamento, habitação, comunicação, transporte, saneamento etc.
A dimensão que quero aqui colocar, extrapola o âmbito da reatividade. Em 2004, foi divulgado por uma fundação ligada à Unicamp, a Uniemp (Fórum Permanente Universidade-Empresa), em parceria com a Secretaria de Estado da Segurança Pública de São Paulo, um estudo, sobre a relação entre o aumento da criminalidade e o desemprego, a estagnação econômica e a queda de renda, analisando “o nível de violência dos delitos versus o desespero econômico de quem os pratica”. Concluiu-se que a algumas modalidades de crime, corresponde um índice de desemprego de 85%.
Outros estudos relacionam o desemprego de jovens e de pessoas de mais de 40 anos com a criminalidade, lembrando que os mais jovens têm na falta de formação adequada, de habilidades e de experiência, o motivo de serem excluídos do mercado de trabalho e os maiores de 40 anos estão condenados, por este mesmo mercado, à velhice precoce.
Por outro lado, algumas capitais brasileiras já aderiram à Justiça Restaurativa, e parece-me ser esta, uma prática que pode fazer a diferença na luta contra o círculo vicioso da injustiça e da violência. Na Justiça Restaurativa, existe um olhar para o futuro, para a restauração dos relacionamentos, quer tenham se esgarçado na comunidade, na escola, na família ou no trabalho. Não importa tanto o culpar, o condenar, o delito passado, mas o que poderá ser restaurado na situação em foco.
O Dr. Egberto de Almeida Penido, Juiz de Direito em São Paulo, um dos precursores da Justiça Restaurativa, disse no 18º Fórum do Comitê Paulista para a Década da Cultura de Paz, que “é muito difícil haver uma paz externa se não houver uma paz interior”. Ele falou sobre não compactuarmos com qualquer violência, inclusive as nossas; falou também sobre as violências veladas e de como o Direito “cada vez mais se afasta do fim a que se destina, que é fazer justiça, e acaba por criar novos conflitos, retroalimentando a desarmonia social” .
As pessoas que cometem crimes, já passaram, em diversos momentos por serviços de Educação, Saúde, Assistência Social e até de Justiça e Segurança Pública, mas não foram percebidas, através de olhares atentos, profissionais, restauradores, capazes de identificar a dimensão integral da pessoa humana, dos conflitos vividos, das violências diárias, quer fossem físicas, emocionais ou sociais. Para estas pessoas, como para muitas outras infratoras em potencial, não houve delegacia, serviço de saúde, de assistência social, igreja, família, comunidade, colega de trabalho ou vizinho (a) que fosse capaz de perceber e “desmontar a bomba” que carregavam.
Aprendi faz tempo, que ao violar, a pessoa quase sempre já passou por diversas violações em seus direitos básicos.
O fato é que reduzimos muito o foco das atenções no caso das injustiças que vemos e que vivemos; em alguns momentos estamos tão reativos e não percebemos nem mesmo as violências que cometemos, diariamente, em atos e omissões; em outros momentos, assistimos apáticos, imobilizados, sem relacionar o fato à história que o desencadeou e às lutas diárias de todo mundo, não percebendo o outro como semelhante; e em outros momentos ainda, nos damos o direito do julgo, prontos para jogar pedras.
O que mais falta não é o rigor da lei, mas a efetividade dela. O Estado não pode ser poderoso em sua ação coerciva e omisso em sua responsabilidade social. A sociedade não pode continuar reclamando do Estado, como se não fizesse parte dele. A responsabilidade pelo estado das “coisas”, é de todos.
Uma aliança entre Estado e sociedade é fundamental neste momento, e toda a sociedade deve se mobilizar, sem maniqueísmos, buscando relações pacíficas e o enfrentamento político, legal e coletivo dos problemas que incentivam e aumentam a violência e a criminalidade, compreendendo a interface entre estes e, por exemplo, os problemas decorrentes da impunidade e da crise geral por que passam as instituições brasileiras.
O controle rigoroso da arma de fogo, a redução do efetivo nas funções administrativas, a investigação e a ação científicas, a extinção da carceragem nas delegacias e a remodelagem do sistema penitenciário, são procedimentos básicos a uma segurança pública que se proponha redefinir rotinas e instaurar a qualificação, a efetividade e a eficiência dos serviços, mas seu sucesso está intrinsecamente ligado ao sucesso das demais políticas públicas, que podem e devem prevenir as situações desencadeantes da violência e da criminalidade.
A oposição critica, em Goiás, o governo do Estado, mas além de fazer vistas grossas à qualidade das políticas públicas municipais, nunca tratou de garantir, para esta questão, o Plano de Governo de Lula, que falava, em 2002, de aproximação entre as polícias, prevendo um Sistema Único de Segurança Pública, pressupondo ouvidoria, defensoria e corregedoria únicas, com as devidas mudanças nos regulamentos disciplinares, o Conselho de Segurança Pública, e o básico: a unificação da formação através da Escola Superior de Segurança e Proteção Social, com centros de pesquisas e com formação humanística, científica e multidisciplinar, voltada para o conhecimento e o uso de técnicas atualizadas de policiamento, investigação, prevenção, mediação, negociação, proteção e controle nas situações de risco, para a realização da Segurança Pública.
A dimensão colocada à questão da Segurança Pública e da Justiça no Governo Lula, compreendia que a problemática da insegurança pública extrapola o âmbito da criminalidade e sugeria a criação das “AISP – Área Integrada de Segurança Pública”, que deveria se constituir de unidades descentralizadas de planejamento, controle, supervisão, avaliação e monitoramento das atividades, através do geoprocessamento, que é um método informatizado pelo qual se introduzem os dados pertinentes na cartografia digitalizada do território em foco, permitindo análises acuradas das dinâmicas criminais e a definição de estratégias preventivas de ação policial.
Cada AISP integraria as polícias, as comunidades, as agências públicas e civis prestadoras de serviços essenciais à população, dando mais agilidade e mais eficiência aos serviços prestados, implementando as delegacias com um Plano de Assistência Social que propiciasse a integração interinstitucional, abrigando Ouvidoria, Defensoria, M.P. e Juizado Especial Criminal e modificando o ambiente das delegacias, que atualmente, em vários casos, envolve degradação humana, insalubridade e hostilidade.
As atribuições deliberativas e executivas são sempre compreendidas como intransferíveis, mas é necessário a partilha de diagnósticos, a identificação de prioridades e metas, e a avaliação constante dos projetos implementados nesta reformulação do papel da Segurança Pública que se faz necessária ao atual Estado brasileiro, que quer romper com a fragmentação entre as polícias e destas com os outros setores da administração pública, com o corporativismo, com a qualidade reativa e a com a atomização das unidades operacionais.
Ainda hoje, no Brasil do século 21, o poder de erradas ideias antigas é grande entrave para o desenvolvimento sustentável desta sociedade.
Neste sentido, é perversa a manipulação dos meios de comunicação, com ideias sobre direitos humanos e violência, que penso, decorrem da ignorância ingênua e vaidosa de lideranças dos mais diversos meios, que insistem em encarar a pobreza e a marginalidade como questões individuais, naturais e estáticas.
Programas formadores de opinião que propõem ações pragmáticas e imprimem uma visão míope de mundo, ao invés de dialogar sobre as possíveis, facilitando a reflexão e a problematização para a crítica da realidade, revelam uma visão instantânea, reduzida dos fatos.
Em nosso país, marcado pela política oligárquica, paternalista, concentradora de rendas e geradora de desigualdade social, perdura uma espécie de hipnose coletiva que em alguns momentos impele muitas pessoas a surtos de processos de negação de direitos arduamente conquistados ao longo de séculos, nos contextos do empobrecimento da classe trabalhadora ao passo da consolidação e da globalização do capitalismo.
No dia a dia da vida real, ocorrem inúmeras injustiças que violam os direitos humanos, mas não representam ameaças imediatas ao controle político e à ordem e por isto adquirem status de fatos normais, corriqueiros, como a miséria, o uso abusivo de drogas, os péssimos serviços de saúde, educação e reeducação da rede pública, o enfraquecimento da sociedade salarial, a precarização do trabalho e da vida de crianças, jovens e adultos. Estas injustiças já não causam comoção social, embora gerem fenômenos psicológicos e sempre, alguém registre algum reclame.
O danado dos direitos humanos é a não efetividade de suas garantias, inclusive nas políticas públicas já existentes e ineficientes.
Já a violência, por representar ameaça direta à ordem e ao poder, tem prioridade na ação governamental, porém os resultados estatísticos são sempre crescentes no que diz respeito ao número de agressões, atentados, assaltos, roubos, brigas, assassinatos. Estes fatos remetem algumas pessoas à crítica banal dos direitos humanos e à adequação do discurso aos interesses da direita conservadora e reacionária.
Desconsiderar os nexos causais entre os fatos, promovendo uma exploração fragmentada e sensacionalista da violência e da miséria humana, identificando direitos humanos com “direitos dos bandidos”, é não olhar para a história enquanto movimento de inter-relações, enquanto processo de criação e de reprodução de fatos; não enxergar que uma coisa leva a outra.
Não refletir sobre o que a questão social realmente representa para todos, não pensar sobre suas causas latentes e potenciais, é prática de mentalidades doutrinadas, doutrinárias, que por algum tempo acreditam no receituário que têm para a vida.
E infelizmente, é só isto que a oposição goiana faz, ao culpabilizar o governo de Marconi e a falta de policiamento, pela violência em Goiás. Ainda que o efetivo de policiais esteja defasado e as condições de trabalho para a polícia, estejam como para as demais classes trabalhadoras, em nosso país: péssimas, degradantes e ineficientes.
Desejo sucesso ao Vice Governador José Eliton, à frente da Sec. de Segurança Pública do Estado de Goiás. O sucesso dele é garantia de sucesso em outras instituições. Que o Criador do Universo o abençoe e proteja sempre, na luta pelo Bem comum!

(Alexandra Machado Costa, assistente social, poetisa, servidora pública concursada e dirigente sindical)

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