A mulher e a violência
Diário da Manhã
Publicado em 14 de agosto de 2018 às 23:35 | Atualizado há 6 anosNo Brasil, há um curioso paradoxo no que se refere à discussão sobre a violência. Quanto mais se teoriza, mais inócuas são as medidas para conter o vertiginoso aumento da criminalidade violenta.
Por outro lado, os pretensos “especialistas” ou os verdadeiros “conhecedores” da “realidade” criminógena, os policiais que adotam medidas de enfrentamento aos efeitos, não às causas, são os grandes protagonistas no aumento da violência. Seja a pretexto de combate-la, ou atuando diretamente no crime.
Acredito que nunca o debate sobre a violência tenha sido tão banalizado e desacreditado. As salas das universidades, das escolas, os salões de convenções, têm-se tornado em verdadeiros lugares de tédio, de discursos maçantes, enfadonhos, onde repetem-se narrativas tendenciosas que servem apenas como uma espécie de exibicionismo ou de afirmação de poder de pessoas, grupos ou instituições.
Discutir o fenômeno da violência tem se tornado em deprimentes sessões de tortura dos tímpanos e exaustivas aporrinhações da paciência. Tudo parece ter se tornado em meras defesas de nichos sociais.
Tenho profunda admiração por quem consegue permanecer durante horas em uma cadeira, em algum seminário, ouvindo uma palestrante feminista tagarelando sobre a violência, a partir de suas perspectivas. A impressão que passa é a de que o mundo foi invadido por seres alienígenas, os homens, e toda a violência do mundo só é praticada contra a mulher.
Às vezes elas quase chegam a me fazer acreditar que até a violência que uma mulher pratica contra outra mulher só foi possível em razão de alguma ação masculina. Na verdade, os casos de violência, inclusive os mais repugnantes, geralmente tendem a ser menos explorados midiaticamente e, portanto, mais rapidamente esquecidos pela opinião pública, quando se tratam de crimes praticados por mulheres.
Nas estatísticas sobre a violência contra as mulheres não existem ressalvas sobre o fato de as violências terem sido praticadas por elas mesmas, entre si.
No consciente coletivo haverá sempre a assimilação de que o homem, e somente o homem, é capaz de agir violentamente.
Em minhas experiências como advogado criminalista, especialmente militando no tribunal do júri, pude ver que os crimes mais atrozes, os praticados com requinte de crueldade e frieza, foram aqueles perpetrados por mulheres, geralmente contra seus cônjuges.
Como a discussão sobre a violência passou a ser fulanizada, grupos de gênero ou étnicos apressam-se a se vitimizarem, dificultando, com isso, a abordagem do fenômeno da violência, mediocrizando-o.
Em uma reunião de pessoas para discutir sobre a violência, uma pessoa negra vai limitar-se a repetir, como uma matraca, que ela é vítima da violência e que a causa é o “racismo”. Todavia, silenciar-se-á ou tergiversará se for indagada sobre a violência praticada por uma pessoa preta ou quando a vítima for branca.
De ver-se, não há nenhum interesse em debater, honestamente, a dinâmica humana, social, da criminalidade violenta.
Uma sociedade que é organicamente violenta recorrerá sempre aos subterfúgios para não ter de ser confrontada com suas debilidades. A desonestidade é parte desse caráter desvirtuado e a camuflagem de vitimistas, como o fazem as feministas sexistas e grupos étnicos (“negristas”, “pretistas”) é uma das formas de exteriorização desse estratagema furtivo e escamoteador.
No Brasil, a violência é extrema porque a sociedade é extremamente violenta. O culto à violência nos remete, como nação, às aldeias mais sanguinárias de tempos prístinos.
Parte dessa sociedade, os refugos humanos, os que integram a casta/clientela do sistema punitivo, atua franca e abertamente na perpetração dos crimes violentos. Outra parte, aquela que é a fonte material da produção legislativa penal, é a que pratica a violência, aplaudindo-a e criando os tipos penais, prostrada como espectadora que disfarça seus instintos primitivos deliciando-se com o sangue humano jorrado através da longa manus do Estado, ou, ainda mais confortavelmente, assistindo ao extermínio das denominadas “classe diferenciadas”. Não é por acaso que há uma elite que aplaude e se regozija ao ver a polícia exterminando os moradores das periferias. Para essa elite, são sempre poucas as mortes ocorridas dentro dos presídios.
Em uma sociedade onde a violência é o que mais dá audiência nos telejornais, ressai-se infrutífero pretender debater e implementar medidas profícuas capazes de reduzir a carnificina que tanto extasia essa sociedade. O espetáculo deve continuar.
A abordagem sobre a violência com a vitimização da mulher, não a incluindo como sujeito ativo, como se ela não fizesse parte dessa mesma complexidade humana, é certo que não haverá contribuição alguma para um debate sério.
Sempre que ocorre um caso de violência envolvendo mulheres como autoras, surge algum grupo tentando amenizar a reprovabilidade do ato, não raramente atribuindo o crime praticado a “possíveis influências dos homens que acabam convencendo a mulher a entrar para o mundo do crime”. Sim, mesmo com o crescente número de mulheres sendo presas e condenadas — muitas vezes por crimes os mais cruéis, há determinados grupos de feministas que insistem em vitimizar as mulheres. É um discurso incongruente. Ou a mulher é livre e dona de seus próprios atos ou não passa de um ser servil e facilmente manipulado.
A visão romântica de que a mulher é boazinha não tem sentido na sociedade atual, onde os meios de comunicação estão cada vez mais acessíveis. O comportamento humano deve ser encarado dentro de uma complexidade, não, em hipótese alguma, como uma questão de gênero (de um lado o vilão, o homem, de outro a mocinha, a mulher frágil e pura). Homens e mulheres não vivem em mundos apartados, são partes de uma natureza única e complexa: a espécie humana.
É preciso, para se compreender a dinâmica comportamental, que haja mais seriedade e menos cinismo no enfrentamento da violência, da criminalidade. Nenhuma política pública eficaz no combate à violência será implementada enquanto questões sérias continuarem a ser tratadas com clichês. Como foi dito nesta coluna em matéria anterior, é perigosa a mentalidade segundo a qual o homem é naturalmente violento e a mulher não, pois, isso fomentaria preconceitos e mais conflitos nas relações interssubjetivas.
Segundo especialistas, ambos os sexos possuem a mesma potencialidade de agressão. O denominado “gene da violência”, o Monoamina oxidase A (MAOA), enzima responsável por decompor importantes neurotransmissores como a dopamina e a serotomina, estão presentes em homem e mulher. Entretanto, os genes que o codificam estão localizados lado a lado no braço curto do cromossoma X. Seria, portanto, correto afirmar que a mulher é mais violenta que o homem por possuir dois pares de cromossoma X?
Para a pesquisadora e professora Rejane Alves, da Universidade Federal de Minas Gerais, a afirmação de que homens são mais violentos que as mulheres, não é correta. A violência é consequência das relações humanas, sem relação com o sexo.
Reduzir a violência ao gênero é muito pouco para o enfrentamento do problema. Para Rejane Alves, “ambos os gêneros são vulneráveis à violência, tanto na condição de vítimas como de agressores. O que define o papel de cada um são as relações de poder”.¬
É um absurdo discutir-se acerca da violência enveredando-se pela ludibriagem da vitimização de gênero. Violência é violência. E dever ser enfrentada como sendo uma das falibilidades humanas que mais nos obstam de prosseguir na direção de nossa evolução civilizatória.
(Manoel L. Bezerra Rocha, advogado criminalista – mlbezerraro[email protected])
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