A parte fraca na disputa Uber x Táxis
Diário da Manhã
Publicado em 22 de junho de 2016 às 03:26 | Atualizado há 9 anosO confronto entre motoristas dos Taxis e da empresa Uber continua sendo assunto sempre presente nos comentários dos usuários desses meios de transporte. Ser contra ou a favor de um ou outro, de forma incondicional, depende de quem explora cada um dos sistemas. Quanto aos usuários, são a favor da Uber mas com ressalvas, pois entendem que existem falhas que precisam ser sanadas. A omissão do poder público não chega a ser total, preocupando-se mais com o aspecto de arrecadação tributária do que com o “bem-estar” da população. É curiosa a explicação política ao conceituar Taxi como serviço público de transporte de passageiros e a Uber como um serviço particular de transporte de pessoas, pois em qualquer das situações trata-se de transporte de homens, mulheres e crianças.
A parte mais fraca na polêmica são os motoristas da Uber, sejam ou não proprietários dos veículos, pois não têm quem lhes defendam. Os motoristas protegem a Uber por serem diretamente parte interessada, com o objetivo de assegurar o “ganha pão”. Mas a recíproca não é verdadeira, pois o que a Uber defende é o seu direito de ter lucros astronômicos. Enquanto os taxistas têm o sindicato da categoria, que busca assegurar seus direitos, os motoristas da Uber não têm ninguém. A Uber usa um sistema de “credenciamento” de veículos e motoristas que nada mais é do que os conhecidos “contratos de adesão”, em que as normas são pré-fixadas, aderindo quem quiser. Não há direito de propor qualquer alternativa diferente. Ou concorda ou está fora do negócio.
Ser pura e simplesmente contra a Uber significa ser contra a evolução tecnológica, traduzindo não apenas um posicionamento conservador e sim postura retrógada. Sou do tempo que não existiam computadores, conhecendo de perto a resistência de muitos contra a evolução proporcionada pela informática. Falando em conservadorismo, lembro das palavras de um Desembargador meu amigo, cujo nome não digo por uma questão de ética, ao afirmar que enquanto fosse vivo computador não entraria em seu gabinete. O tempo passou, ele já faleceu e no gabinete que foi dele existem vários computadores.
O aplicativo Uber tem menos de 10 anos de funcionamento e por informações da mídia seu valor de mercado é de 40 bilhões de dólares, sem dúvida um valor gigantesco. É claro que os criadores do aplicativo devem ganhar dinheiro, mas nem tanto. Além da criação do aplicativo e o uso na prática, não há investimento de capital. Os proprietários da Uber não são proprietários dos veículos usados no transporte de passageiros, não pagam combustível, não arcam com qualquer gasto de manutenção dos veículos, exigem seguro dos veículos que são credenciados, não pagam tributos, a água e balinhas servidas aos usuários são de responsabilidade dos motoristas e não entram na briga com motoristas de taxis, etc., etc. O marketing da empresa é feito pela média, sem nenhum custo. Enfim, são sócios em uma prestação de serviços que não trabalham. Os motoristas credenciados trabalham para os donos da Uber. Ao final, cobram 25% do faturamento bruto de cada veículo credenciado. É um absurdo, pois são sócios sem investir capital e sem trabalhar, participando somente dos rendimentos.
O valor cobrado os dos usuários da Uber é bem menor do que os dos tradicionais taxis, mas a exploração dos motoristas credenciados, pouco importando sejam ou não proprietários dos veículos, é escandalosa. A exploração do aplicativo rende mais de 4 bilhões de dólares por ano, considerando que Uber está em quase 100 países e cobram 25%, ou ¼, do faturamento de cada veículo. Poderia muito bem ser 10%, ou quando muito 15%. A situação caracteriza quase “trabalho escravo”, pois acontece exploração de mão de obra sem salário, sendo mais grave do que a acepção usada pelos comunistas como “mais-valia”, em que o capitalista recolhe como lucro o excedente da produção do trabalhador.
É bem verdade que, para algumas pessoas desempregadas, a Uber proporciona um meio de subsistência capaz de solucionar dificuldades prementes. Dialogando com motoristas da Uber constatei situações em que trabalham mais de 12 horas diárias para obter um rendimento mensal liquido de R$ 2.500,00 a R$ 3.000,00, não levando em consideração o desgaste natural do veículo. Se não for proprietário, sendo o veículo alugado, a remuneração obtida é bem menor.
Ainda bem que no mundo capitalista existe, para os bem de todos e felicidade geral da sociedade, a necessária livre concorrência que se apresenta como solução de muitos problemas, servindo de freio para a fome pantagruélica de lucros do capitalismo selvagem. E no caso da Uber é imprescindível que exista concorrência. Sob essa análise, sabe-se que vários outros aplicativos, semelhantes ao Uber, estão sendo instalados em diferentes localidades. Tomara que não demorem a chegar em nossas terras, de maneira a diminuir a exploração dos motoristas e, em segundo plano, diminuir o valor pago pelos usuários de transporte.
Muitos usuários analisam a possibilidade de deixar o veículo na garagem da residência e usar o transporte alternativo, fugindo dos conhecidos “franelinhas” e dos preços abusivos cobrados pelos estacionamentos particulares. O veículo próprio, que se transformou em símbolo de status, seria usado em fins de semanas, viagens e outras necessidades.
Seria bastante salutar, tornando realidade um sonho, se chegarmos à possibilidade do deslocamento de ida e volta do trabalho ser feito pela Uber, ou empresa concorrente que oferecer preço mais reduzido, com tarifa compartilhada entre usuários, procedimento acessível ao bolso do trabalhador, constituindo realmente um transporte alternativo ao falido sistema de transporte coletivo.
(Ismar Estulano Garcia, advogado, ex-presidente da OAB-GO, professor universitário, escritor)
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