A solidão do escritor
Diário da Manhã
Publicado em 3 de setembro de 2018 às 22:28 | Atualizado há 6 anosOuvir queixas de escritores, poetas e artistas sobre a solidão e o abandono que sentem parece ser uma constante. Muitos lamentam por usos e costumes de egos pedindo afagos. Não parece ser o caso de agora, o de um queixume que nem ousa apresentar-se no mundo midiático da hora presente, mais ocupada com escândalos e performances de celebridades que com vagidos de uma gente passadiça e mortiça.
Quanto ao retumbante e espaventoso desfilar das novas mídias eletrônicas, que dizem estar a contribuir para o surgimento de inumeráveis leitores, mormente entre os jovens, os números apontam para isto, mas o que se põe em questão é a qualidade da literatura que buscam.
Quanto aos livros em si, os grandes sucessos de venda são os best-sellers tipo Harry Porter – e estes eram sadios, instigadores de imaginação e fantasia ligadas à magia e ao mundo dos sonhos. Havia a busca da beleza e de valores positivos nesta e em outras séries do gênero. Foram sucedidas, no entanto, por uma tsunami ligada a crepusculares vampiros, e coisas que tais.
Gente que nunca teve paciência para ler uma ficção de 80 páginas desbrava cartapácios de 800 páginas ou mais, entregues a um modismo de mau gosto, que explora o lado perigoso da sombra, sem ter ao menos o brilho beira-abismo de um Coringa, ou da prosa rica e instigante de um Edgar Allan Poe, ou de outros clássicos da literatura que investigam a alma humana.
As críticas à recente edição da Bienal do Livro em São Paulo são uma prova da crise do livro, que leva à crise do escritor e dos editores. Críticas que já aconteceram às edições que a antecederam: não apenas repito o que disseram, transmito o que vi e senti. Para começar, acesso caro ao pavilhão do Anhembi: estacionamento a R$ 30, alimentação de baixa qualidade e caríssima, ausência das grandes editoras brasileiras que ainda editam autores nacionais e estrangeiros de qualidade, abundância de auto-ajuda de salão de beleza e chá das cinco de madame deslumbrada.
A tradicional presença de jovens e crianças, com suas famílias, é sempre bem-vida, acena com a possibilidade de criação de novos leitores. Ocorre que seu interesse esteve mais voltado para os estandes onde a leitura por meio das novas mídias eletrônicas era a tônica: quanto ao livro em si, o que havia eram montes de exemplares vendidos em promoção.
Um estande amplo e caro, com direito a auditório e ampla cozinha, destinou-se à promoção de um livro de culinária. A autora do receituário esteve lá o tempo inteiro, a praticar suas receitas para um auditório de donas de casa. Topei com uma boazuda, quase inteiramente desnuda, a promover uma obra sua, sobre tema da boa forma corporal.
Afora os sucessos costumeiros, Ziraldo e quejandos, e a presença, em menor escala, das costumeiras celebridades televisivas. Um dos editores presentes a reclamar da Bienal – João Scortecci – falou da agonia por que passa o evento, em que os escritores e editores pagam alto preço para serem desconsiderados.
Para não dizer que a crítica universitária, se existe, não se apresenta, a não ser em seus colóquios, e que hoje não há crítico algum que possa construir ou destruir os escritores – até porque eles foram tragados pela modernidade líquida, na qual não são percebidos pelos leitores em extinção.
P.S. Esta crônica relata vivências minhas na Bienal do Livro de São Paulo, há cinco anos. Este ano não fui.Mas quem esteve por lá informa: o que já estava ruim deu um jeito de piorar muito mais.E há espaço para continuar piorando.
Em terras de Boiás, em recente evento ligado ao livro, a crônica teve espaço, mas só convidaram cronistas do jornal O Popular. Colocando ênfase encomiástica em um certo “Lucão”, do qual jamais ouvi falar.
(Brasigóis Felício, escritor e jornalista. Integra os quadros da Academia Goiana de Letras e de outras entidades culturais do Estado de Goiás)
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