A solução está à vista
Diário da Manhã
Publicado em 7 de dezembro de 2017 às 01:42 | Atualizado há 7 anosDados de pesquisas recentes sinalizam: nunca a sociedade brasileira esteve tão de costas para a política. 84% dos brasileiros não se sentem representados por nenhum partido político; 64% acham que a melhoria da vida no país depende de si próprios, enquanto 45% confiam que só Deus arrumará as coisas. Essa é a moldura desenhada por pesquisa feita pelo Instituto Locomotiva.
Na área dos jovens, a descrença é maior: dos 8 milhões de universitários brasileiros, dois em cada três não acreditam mais na política, enquanto 90% vêem o país no rumo errado. Porém, quase 80% acreditam que o voto pode mudar o destino da Nação. E por que não agem para mudar a direção errada?
Uma das hipóteses é a de que muito poucos acreditam na mudança de rumos. Há uma convicção generalizada que o vírus da corrupção se faz presente na veia dos brasileiros, sendo praticamente impossível sua extirpação. Esse vírus assume, em alguns momentos, o nome de “jeitinho brasileiro”.
A pesquisa do Locomotiva mostra, por exemplo, que cerca de 3% dos brasileiros se consideravam corruptos, enquanto 6% admitiam já terem praticado corrupção. E de cada 10 pessoas, 8 diziam já ter falsificado uma carteira de estudante ou dado propina a um guarda de trânsito. Essa sensação geral de corrupção espraiada explica parte da descrença geral.
Os brasileiros, principalmente os jovens, mantêm alto grau de decepção com a política. É evidente que o mar de lama em que se transformou a política tem funcionado como antídoto para que cidadãos de todas as classes a evitem.
Há um sentimento de autopreservação, que se manifesta por meio do distanciamento da política. A sujeira que corrói a imagem da classe política acaba nivelando por baixo seus protagonistas, deixando-os sem credibilidade.
Dos jovens, então, nada se pode esperar se não um desprezo crescente por políticos. O fato é que os entes partidários, mesmo tomando conhecimento da objeção que a eles se faz, não tomam atitudes para atrair os descrentes.
COMO RENOVAR?
Como pode se falar em renovação política sem participação maciça dos jovens na vida partidária? Alguns partidos até procuram criar frentes para abrigar jovens, chegando a instalar cursos de formação política, mas a adesão a eles é pequena.
Os núcleos de jovens são formados por parentes ou amigos de participantes tradicionais, ou seja, os poucos jovens que frequentam os salões políticos recebem orientação dos mandatários da velha política. Assim, a renovação, se emerge em algum canto, vem por conta – gotas, o que joga a meta de renovação para as calendas.
O descrédito leva à inércia. Nos idos passados, corria a certeza de que movimentações nas ruas acabavam gerando reações nos vãos da política.
Quando grupos organizados ocupavam os corredores do Congresso e quando os movimentos de rua, como vimos em 2013, faziam protestos, os resultados apareciam. Até o Supremo Tribunal Federal teve espaços ocupados por setores organizados que ali foram defender suas causas.
Hoje, essa movimentação é pífia e restrita a causas corporativas, quase todas com o fito de defender posições salariais e privilégios de categorias. Os campos de expressão mudaram. As ruas estão sendo substituídas pelas redes sociais.
Nos últimos 10 anos, cerca de 54 milhões de novos internautas passaram a usar as redes horizontais de intercomunicação, dando fluxo a uma tendência que certamente irá gerar impactos na esfera política. Infelizmente, os atores do velho palco ainda não se tocaram para tal realidade.
Não é a toa que perfis detestados pela mídia massiva (rádio, TV, jornais e revistas) começam a receber consagração dos frequentadores das redes. Donde se deduz que grandes interrogações rondam o mundo da política. O imponderável aparece com frequência na nossa paisagem.
O QUE TEM DE SER FEITO
A partir do desengonçado desenho que a pesquisa exibiu, seu coordenador, o cientista Renato Meirelles, chega à conclusão que o país, ante a gravidade da crise, vive “um caminho sem volta”. Apenas um novo modelo para gerir a sociedade resolveria a crise. Nesse ponto, não há como concordar com Meirelles. Porque a solução está à vista.
Tentemos enxergá-la. O caminho da solução passa, primeiro, pela vereda da reforma dos costumes políticos.
Com uma só tacada, poderíamos reduzir o número de partidos – de 35 para 6 ou 7 – , com a adoção de instrumentos voltados para a multiplicação de siglas( cláusula de barreira); incorporação de doutrinas pelos partidos, a partir de propostas claras e de fácil entendimento social; adoção do sistema distrital misto de voto; exigência de disciplina partidária e rigor na aplicação de padrões éticos de conduta; instalação do parlamentarismo de feição brasileira, ou seja, com repartição ajustada de funções entre os Poderes Executivo e Legislativo; adoção de mecanismos de controle de abusos de autoridade; celeridade do Judiciário; sistema geral e igualitário de previdência social, com a extinção de privilégios; fim da querela entre Ministério Público e Polícia Federal quanto ao poder de aceitar a delação premiada; rígida aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal; proibição de candidatos inseridos no rol dos ficha-sujas etc.
Se esses instrumentos fossem adotados, a política abriria uma nova era e as instituições, a partir dos três Poderes, funcionariam sob o fluxo da harmonia e eficiência.
Não há como aceitar a tese de um país sem partidos. Não há como aceitar a ideia de uma Nação que dê as costas à política. Qualquer solução para a melhoria da vida institucional passa obrigatoriamente pela política. O resto é lorota.
Defender candidaturas autônomas, sem a chancela partidária, é abrir frestas ao autoritarismo e ao populismo. Seria a louvação do individualismo. Fora os “salvadores da Pátria”, fora os demagogos, fora aqueles que ainda apostam na divisão do território entre “nós e eles”. Cuidado, muito cuidado, incautos.
Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação
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