Agruras de um candidato nas eleições de antigamente
Diário da Manhã
Publicado em 22 de setembro de 2018 às 04:03 | Atualizado há 6 anosCom as inovações que a cada pleito a Justiça Eleitoral vem trazendo, confesso que até dá saudade das coisas que aconteciam, principalmente no interior, em época de eleição.
Uma semana antes do dia 3 de outubro, que era o dia consinado para votar, a casa da gente já coalhava de eleitores com um cambão de analfabetos que nem votavam, para comer e beber cachaça às custas do pobre candidato, que tinha de matar vaca, armazenar mantimentos e outras coisas, pois a lei não proibia quase nada: a comida e a bebida corriam soltas, os caminhões trafegavam nas estradas de terra apinhados de eleitores, e a casa dos candidatos parecia rancharia, de tanta gente, escritinho um curral batendo chifre de tanto gado..
Estes dias, deliciei-me com o humor do grande filósofo popular paraibano de Campina Grande Jessier Quirino (que conheci em Palmas durante um evento no Salão do Livro de 2009). Jessier, dentre outros gostosíssimos causos, contou o de um matuto que, a muque, seu coronel protetor queria botar de candidato a prefeito numa corruptela socada num sertãozão-de-maria-valei-me nordestino, para depois ficar o coronel com o mando, manobrando por detrás.
O matuto, que de besta não tinha nada, pulou lá longe, com um embornal cheio de razões para a recusa. E especou de lá, criando coragem pra cair fora:
– Eu, coroné? – e alinhou um bando de justificativas:
‘ – Pra ser candidato, vou ter de começar a juntar dinheiro, mode depois juntar gente; engolir muita rimunheta de cabra falso, felaputista e pidão; desatar nó cego de convenção; escutar caqueado dificultoso de partidário que só tem um voto, e olhe lá!; entrar em imbuança de campanha; prometer como sem falta e faltar como sem dúvida; ficar refém da língua do povo; desmurmurar mulher falsa e coiseira; fazer conchavo com reservista da ditadura; acompanhar enrolamento de papel de Justiça; levar fama de destrabicar moça donzela; carregar fama de ser corno, baitola e ladrão; aguentar fazimento de pouco caso de eleitor desbriado; gritar “aleluia” em igreja pegue-e-pague; alegrar sessão espírita; assistir meia missa e já sair comungado; batizar menino feio com o nome de Desmenielisson Jerry; dar de comer do bom e do melhor e comer porcaria; almoçar em lata de goiabada; despronunciar discurso mal feito de candidato tabacudo; aplaudir discurso desvirgulado, sem rumo e sem ponto final; aturar gente furona e desconhecida dentro de casa; viver rindo e fumaçando pelo fundo feito ferro de engomar; acabar sua D-20zinha na buraqueira; botar nos braços menino novo de fundo cagado; tomar cerveja quente de escuma murcha; tomar uísque Drurys sem gelo numa chirca de loiça com tira-gosto de canjica; beber naquelas mesonas de imbuia numa sala escura e abafada, cercado de cabos eleitorais com cada suvaqueira de torar; entregar taça de campeão a time safado; chorar em velório de desconhecido; professorar as iniciais de candidato pra eleitor tapado; escorregar em lama de esgoto; gritar “ó de casa!” em casa oca; se abrir em sorrisos pra eleitor desabrido; pagar cana pra eleitor desocupado; farejar poeira de bunda em palanque; levar dedada no “cá-pra-nós” quando está nos braços do povo; escutar destampatório de foguete no pé-do-ouvido; apertar mão de cotó; aguentar abraço fedorento; receitar caixão de defunto; enfiar a mão em saco de dentadura mode distribuir pra mundiça; entrar em imbuança de campanha; dar cobro de voto roubado; levar choque em microfone desencapado; cair de palanque e sair todo relado mas rindo pro povo, desconfiado que nem cachorro que caiu do caminhão de mudança; e depois de tudo isto, começar tudo de novo, coroné? Deusulivre!”.
E assim acabava uma carreira política antes de começar.
Mas dá uma saudade danada daquele tempo, onde, até poucos anos atrás, um candidato a governador do Tocantins inventou de distribuir óculos nas cidades mais atrasadas. Para baratear as coisas, não havia oculista: havia uma grande caixa cheia de óculos, e o eleitor de vista curta e precisado de óculos, pegava as cangalhas, escanchava no nariz e passava as vistas num jornal ou revista até achar um no jeito. E lá na cidade de Alvorada do Tocantins, um eleitor saiu satisfeitíssimo com os óculos que deixaram as letras bem graúdas. Logo na porta do colégio que servia de “consultório-ótica”, viu um menino vendendo umas burundangas, e, exibindo os óculos:
– Menino, quanto custa cada jaca destas?
O moleque espantou-se com a pergunta e espantado que nem galinha vendo cobra, respondeu:
– Uai, meu tio, né jaca não! É maxixe!
Vê-se que o grau dos óculos aumentava demais as coisas.
Hoje, com as vedações legais de comprar e vender voto, de transportar eleitores e enchiqueirá-los nos chamados “currais eleitorais” até que melhorou, mas não para os maus políticos, pois continuam ludibriando a lei.
Raposa cai o pelo, mas não larga de comer galinha.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras escritor, jurista, historiador e advogado. liberatopo[email protected])
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