Alguns médicos podem até ganhar dinheiro individualmente
Diário da Manhã
Publicado em 5 de fevereiro de 2016 às 00:39 | Atualizado há 9 anosRelato de um colega do interior de Minas: “Esta semana fui num hospital ver uma paciente que encaminhei para neurocirurgia (derivação ventriculoperitoneal por demência por hidrocefalia normobárica). O cirurgião refere que ganha até bem, mas o hospital é meio “espeluncado”, sujo, várias áreas caindo aos pedaços, cheio de corredorzinhos e puxadinhos, etc. Perguntei se ele não se sentia sentado num “trono sobre o lixo”: me disse que, com o despovoamento progressivo dos hospitais, ele não tinha muita opção. Esses são os fatos, e sobre eles faço minhas reflexões.
Como diz Sérgio B. Hollanda, no livro “Raízes do Brasil”, o brasileiro preocupa-se apenas com sua vida familiar/amizades, não com a vida das instituições. Pesquisa recente mostra que só 2% dos brasileiros confiam nas pessoas fora da família (na Noruega isto chega a quase 70%). Então, no Brasil as políticas do Governo estão acabando com os hospitais, estão só sobrando espeluncas, superlotadas, sujas (hospitais públicos, filantrópicos, etc), mal administrados, falidos, mas os médicos, desde que de lá retirem seus proventos, não têm feito muita coisa para mudar isto (nem denunciar a situação o fazem). Muitos, com certa razão, dizem que a “Medicina já é pesada demais para preocuparem-se com assuntos administrativos”. No entanto, esta despreocupação conspurca seu trabalho, p. ex., trabalhar em locais sujos, ineficientes, superlotados, insalubres, sem condições técnicas, administrados por equipes “amadoras”, etc. E, nesta despreocupação, há também muito do fenômeno descrito por S. B. Hollanda: os interesses próprios (“Se eu estou tirando meu dinheiro, tá tudo bem”). Com o desmantelamento dos hospitais promovido pelo Governo (cada vez mais exigências, taxas, impostos, e menos lucros), estão sobrando só aqueles hospitais onde não há lucro, consequentemente, sem uma uma direção firme, forte, eficiente, profissional, engajada, ou seja, estão sobrando só os públicos, filantrópicos, “sociais”, “cuidados por freiras, padres, religiosos”, equipes que se revezam inteiramente a cada três anos, etc. Hospitais onde deveriam haver indivíduos altamente comprometidos com a eficiência – geralmente médicos, pois é o “olho do dono que engorda o boi” – estão desaparecendo, pois tais hospitais, devido a distorções produzidas pelo Governo, estão dando trabalho demais e lucro de menos. Ao contrário de hotéis, onde o Governo não bota a mão (e por isso têm um alto nível de concorrência e de eficiência), hospital é uma área de altíssima ingerência governamental, o que distorce o mercado e afasta as iniciativas. Os médicos, por sua vez, que deveriam estar se insurgindo contra isto, insurgindo-se contra a conspurcação de seu ambiente de trabalho, ficam quietinhos, desde que de lá possam retirar seu sustento (ou seus grandes montantes como no caso deste cirurgião). O médico está fugindo de onde tem “canseira” (administração hospitalar), e visando apenas o próprio trabalho e o próprio lucro. Isto, no entanto, vai embuchar, vai chegar num limite, pois a decadência do serviço vai acabar conspurcando o próprio resultado. Em português casto, vai morrer gente, vai infeccionar gente, e, nesta hora, a culpa não vai para a “cacunda” do hospital, vai recair nas costas do médico.
(Marcelo Caixeta, médico psiquiatra, artigos as terças, sextas e domingos)
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