Argumentando contra opiniões de Ciro Gomes
Diário da Manhã
Publicado em 10 de julho de 2016 às 02:08 | Atualizado há 9 anosNo artigo anterior, de 8.7.16, disponível em dm.com.br, eu debati criticamente alguns argumentos do secretário da saúde do Ceará e presidenciável Ciro Gomes sobre assuntos da saúde pública. Numa entrevista (que pode ser vista em: https://www.facebook.com/guilherme.maldonado.10/videos/1033640226689031/), Ciro Gomes diz que os médicos são corporativistas, impedem a formação de profissionais, tendo como um dos objetivos encarecer o médico no mercado. Reclama que, por causa disso, no interior do Ceará um médico ganha mais do que um juiz ; diz que o médico ganha 30 mil ( muitos médicos estão desmentindo isso nas redes sociais ) . Ciro diz que o Estado deveria interferir na formação do médico, obrigá-lo a trabalhar no SUS, mandá-lo à força para o interior, como é feito com “os promotores” (segundo ele). Por isso ele diz que é favorável à carreira médica de Estado, como a carreira de Promotor, Juiz, etc. Diz também que , caso dirigisse o país, obrigaria o aumento exponencial de vagas nos cursos de Medicina – para baratear o custo.
Contra-argumento do seguinte modo:
1/ O médico no interior fica completamente vulnerável, sem laboratório, sem hospitais, sem pessoal adequado de apoio – o Estado não tem capacidade para gerir , manter, otimizar, as estruturas de saúde de maior complexidade (o próprio Ciro Gomes reconhece isso no seu vídeo, quando diz que o atendimento hospitalar mais complexo é caótico). Também, ao mesmo tempo, o Estado impede, praticamente proíbe, a iniciativa privada de instalar-se e progredir, montando hospitais adequados e laboratórios. Impostos, taxas, exigências, sub-financiamento, arrocho de linhas de crédito, impedimentos técnicos-legais sem fim (feitos nos gabinetes refrigerados de Brasília) , etc, mostram muito bem que o “Sistema ÚNICO de Saúde” não quer ser “único” só no nome, e sim na ideologia pró-Estado e anti-Sociedade Civil.
2/ Este médico interiorano enfrenta de peito aberto uma população super-demandante e cada vez mais reivindicativa e querelante; fica com a casa praticamente de porta aberta, e praticamente sem recurso nenhum para atender as graves demandas médicas a que é submetido. O risco de processo, agressão, até morte do médico é enorme. A instabilidade instituciona-laboral deste médico do interior também é muito grande : a prefeitura quebra, o prefeito resolve contratar cubanos, o Governo coloca recém-formados para atender(criou programas que obrigam o médico a ir para o SUS, obrigam-no a trabalhar no SUS no primeiro ano de residência, obrigam-no a trabalhar no SUS se quiser entrar em uma residência médica, etc). Ou seja, além de tudo, Gomes mostra-se mal-informado, uma vez que a maioria dos dispositivos fascistas para forçar o médico ir para o SUS, já são aplicados pelo Governo Federal.
3/ O político cearense , quando advoga “aumento de vagas na Medicina” também parece distorcer os fatos , fatos que,com certeza, ele conhece. Os fatos são que o Governo PT simplesmente explodiu , de forma completamente irresponsável, o número de vagas universitárias. Em Goiás, por exemplo, uma cidade do interior, poucos mil habitantes, apenas um hospital funcionante (particular) , tem nada mais do que 200 vagas por ano. Só no ano passado foram geradas 500 vagas de Medicina em Goiás. Faculdades do interior levam professores em vans, partindo de Goiânia, a cada 15 ou 30 dias (ficam dois dias e voltam). Inauguram a figura do “professor-relâmpago”, ou “ligeirinho”. Quase todas essas Faculdades não têm hospital próprio, e há dentre elas aquelas que não têm nem ambulatório médico. É claro que isso vai inundar o mercado, realizando o sonho do Governo e de Ciro : médicos bem baratinhos (e de péssima qualidade) para o SUS. O problema é que este médico de baixa qualidade, não vai atender só o SUS, vai atender também o seu parente e você. Ou seja, mais uma prova, completamente contrária à tese de Ciro Gomes, de que o Estado , quando ingere na Medicina só faz piorá-la, em qualidade e quantidade. Eu, particularmente, não sou contra abertura de vagas médicas, quantas forem, de o mercado assim o exigir. Sem problemas, inclusive porque não tenho medo de concorrência nenhuma. O problema é fazer isso de forma irresponsável, ou seja, formando médicos sem nenhuma condição. É o equivalente às ciclovias , pontes, viadutos e aviões caindo pelo país por causa da qualidade de nossas Faculdades de Engenharia e de nossos engenheiros.
4/ Com tudo isso acima, mostra-se o equivoco brutal da análise de Ciro Gomes, ou por ignorância ou por pura má-fé mesmo… Não é “mais Estado” que irá regular a oferta e procura dos serviços médicos, é exatamente o contrário. É o Estado eximir-se de controlar um setor que ele mesmo bagunçou completamente. É deixar o mercado funcionar com todos seus mecanismos, caóticos, erráticos , mas eficientes…
5/Quando publiquei o texto na rede social, alguns se indignaram por eu ter chamado Ciro de “gênio”. Mas, de fato, eu penso que é. Faz parte da genialidade tentar justificar completamente um fato que pode ser justificado parcialmente. É o disfarce da “justificação parcial” que dá credibilidade moral à justificação completa. Por exemplo, de fato, há “reserva de mercado” dentro da Medicina protagonizada por alguns “tubarões da Medicina”, os médicos poderosos que dominam certas associações, conselhos, sociedades de especialidade, etc. No entanto, como mostrei, tais “tubarões” são crias do próprio Governo e não será o Governo que irá “derrubá-los”. Se o mercado médico fosse deixado à deriva, sob a lei da oferta e da procura, sem o Governo e sem os tubarões da medicina, ele se auto-regularia completamente, não faltaria médico, não faltaria especialista, em lugar nenhum. É o Governo/Tubarões que distorcem a lei da oferta e da procura.
6/ Ciro, em, analogia com governantes, políticos, alguns maquiavélicos “parasitas da coisa pública” que pululam pelo país, parece querer fazer crer que a resposta para nossas mazelas é “mais Estado”, quando se trata justamente do contrário. Como todos esses outros “cupins da coisa pública”, querem apenas criar problemas para vender soluções… É a velha cultura do messianismo-sebastianismo brasileiro : “eu vim para salvar o Mundo”. No caso dele, é mais apropriada outra citação : “Après moi, le deluge”…. ( “Após mim, o dilúvio…” )
(Marcelo Caixeta, médico psiquiatra)
]]>