As condenações fundadas na teoria da cegueira
Diário da Manhã
Publicado em 31 de dezembro de 2017 às 03:26 | Atualizado há 7 anosNo século XIX a cultura jurídica inglesa formulou a “teoria da cegueira deliberada”, instituto com o qual impôs condenações a réus em relação aos quais não havia prova consistente dos crimes a eles imputados.
Transferindo essa regra para a linguagem popular brasileira poder-se-ia dizer que o juízo presumia os motivos pelos quais estava julgando, mas o réu sabia, com segurança, as razões pelas quais estava sendo apenado.
A referida teoria, transferida para o nosso direito encontra óbice objetivo no inciso LIV do artigo 5º da Constituição de 1988, pelo qual “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens, sem o devido processo legal”
Óbvio que o regramento do devido processo legal é incompatível com a insegurança da prova. Ocorre que estamos num momento da vida social brasileira que autoriza a aplicação da regra pela qual os fins justificam os meios.
As repetidas decisões da segunda turma do Supremo Tribunal Federal, cassando ou reformando decisões de juízos criminais e, de consequência, concedendo liberdade a “inimigos da sociedade brasileira”, tem repelido, sem o dizer, a aplicação daquela teoria britânica nas terras brasis.
Os aficionados da exclusiva cultura televisiva têm formado juízo de valor conforme seu exclusivo espírito de justiça, na maioria das vezes, praticando o raciocínio pelo qual absolvo os meus e condeno os deles, como se fazia nos primórdios da civilização moderna.
Não se pode perder de vista que as condenações sempre devem ser motivadas, pois a liberdade é a regra, enquanto a privação dessa deve ser exceção. A quebra desse princípio tão claro nem sempre nos chama a atenção, principalmente quando praticada em relação a terceiros.
A irritação social está tão viva em nosso meio que o Supremo terá de enfrentar não menos do que vinte pedidos de impeachment em relação ao principal relator dos processos concessivos de liberdade, conforme admite a regra excepcional contida no artigo 2º da Lei 1.079 de abril de 1950.
O instituto pelo qual o Presidente da República, os Ministros de Estado, os Ministros do STF e o Procurador Geral da República podem ter abreviado o fim de suas atividades funcionais no Estado brasileiro, também tem origem britânica. Foi instituído na Inglaterra medieval, cujo primeiro registro monta a 1376, quando foi pensado para viabilizar punições pelo Parlamento contra aqueles além do alcance da lei, ou que nenhuma autoridade no Estado poderia processar, por estarem no topo da pirâmide.
Não é razoável que este escriba realize avaliação de conteúdo meritório quanto a tantas ocorrências com peculiaridades específicas, pois fatalmente erraria, mas não pode deixar de ser dito por quem vive da advocacia há mais de quarenta anos que não faz “Justiça Justa” o juiz que julga para agradar a opinião pública e, pior ainda, para atender suas conveniências de momento.
(Felicíssimo Sena, advogado)
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