Opinião

As consequências econômicas e sociais do sr.Temer

Diário da Manhã

Publicado em 8 de julho de 2017 às 00:38 | Atualizado há 8 anos

O sr. Te­mer é um po­lí­ti­co mui­to li­mi­ta­do. So­bres­saiu-se por­que a mé­dia do mun­do po­lí­ti­co tem bai­xís­si­ma es­ta­tu­ra. Seus va­lo­res e ob­je­ti­vos são ras­tei­ros. Con­tu­do, é ca­paz de or­ga­ni­zar um pe­que­no gru­po (mui­to co­e­so) que li­de­ra cen­te­nas de par­la­men­ta­res.

Há uma enor­me equi­va­lên­cia: qual­quer um dos seus li­de­ra­dos po­de­ria ser o sr. Te­mer e o sr. Te­mer po­de­ria ser um dos seus. São to­dos ab­so­lu­ta­men­te idên­ti­cos. Es­sa ho­ri­zon­ta­li­da­de é um gran­de fa­ci­li­ta­dor na re­la­ção en­tre to­dos eles.

O sr. Te­mer, o seu gru­po e seus li­de­ra­dos nun­ca ti­ve­ram um pro­je­to pa­ra o Bra­sil. Po­de­mos ima­gi­nar uma per­gun­ta so­bre o que de­se­ja­ria pa­ra a so­ci­e­da­de bra­si­lei­ra fei­ta ao sr. Ro­dri­go Ro­cha Lou­res. A res­pos­ta se­ria a mu­dez do en­tre­vis­ta­do por ava­li­ar que o te­ma é ir­re­le­van­te ou ex­tem­po­râ­neo.

O sr. Te­mer e os seus fo­ram pre­sas fá­ceis de quem tem pro­je­to. Quem tem pro­je­to pa­ra o Bra­sil é o sis­te­ma fi­nan­cei­ro, as mul­ti­na­cio­nais e os ren­tis­tas. Os ma­te­ri­a­li­za­do­res des­se pro­je­to pa­ra o mun­do po­lí­ti­co são os eco­no­mis­tas li­ga­dos ao PSDB. Não é um pro­je­to do PSDB, es­se par­ti­do di­to da so­ci­al-de­mo­cra­cia aca­bou faz anos.

O sr. Te­mer e os seus es­tão apro­van­do no Con­gres­so pro­pos­tas que vi­sam a uma pro­fun­da trans­for­ma­ção eco­nô­mi­ca e so­ci­al do Pa­ís. Não ava­li­am que o de­sem­pre­go de mais de 14 mi­lhões de tra­ba­lha­do­res de­ve ser com­ba­ti­do com am­pla po­lí­ti­ca de es­tí­mu­lo ao con­su­mo e de gas­tos pú­bli­cos.

A úni­ca po­lí­ti­ca eco­nô­mi­ca que fa­zem é a das al­tas ta­xas de ju­ro que di­zem vi­sar ao con­tro­le da in­fla­ção. Não acre­di­tam em po­lí­ti­cas ma­cro­e­co­nô­mi­cas vol­ta­das pa­ra o de­sen­vol­vi­men­to. Não acre­di­tam em de­sen­vol­vi­men­to de paí­ses cha­ma­dos, pre­con­cei­tu­o­sa­men­te, de pe­ri­fé­ri­cos. Seu gran­de mo­de­lo eco­nô­mi­co e so­ci­al é a aus­te­ri­da­de.

Te­mer e seus li­de­ra­dos avan­çam em vá­ri­as pro­pos­tas pon­tu­ais (ou mi­cro­e­co­nô­mi­cas). São as re­for­mas tra­ba­lhis­ta e da Pre­vi­dên­cia e a Lei da Ter­cei­ri­za­ção. Des­mon­tam pro­gra­mas so­ci­ais: o Mi­nha Ca­sa Mi­nha Vi­da, o Far­má­cia Po­pu­lar, o Mais Mé­di­cos… Des­mon­tam os ban­cos pú­bli­cos. Ele­vam as ta­xas de ju­ro dos fi­nan­cia­men­tos da Cai­xa e do Ban­co do Bra­sil. De­fi­nham o BNDES, re­du­zin­do seu fun­do de em­prés­ti­mos, e que­rem ele­var a ta­xa de ju­ros dos seus fi­nan­cia­men­tos. Pri­va­ti­zam par­tes da Pe­tro­bras e en­tre­gam o con­tro­le da ex­plo­ra­ção do pe­tró­leo a mul­ti­na­cio­nais. Pos­si­bi­li­tam a es­tran­gei­ros a aqui­si­ção de ter­ras e a ex­plo­ra­ção de to­dos os seus re­cur­sos na­tu­ra­is.

O Bra­sil es­tá qua­se de vol­ta ao pas­sa­do co­lo­ni­al, só não vol­ta­mos de ver­da­de por­que há uma im­pos­si­bi­li­da­de fí­si­co-tem­po­ral. Mas a ar­qui­te­tu­ra é a mes­ma: o Bra­sil se­rá uma co­lô­nia de ex­plo­ra­ção e os paí­ses de­sen­vol­vi­dos, es­pe­ci­al­men­te os Es­ta­dos Uni­dos, se­rão a Co­roa. Ho­je, a do­mi­na­ção não é po­lí­ti­co-ad­mi­nis­tra­ti­va e bé­li­ca. O que exis­te é uma do­mi­na­ção cul­tu­ral e uma re­la­ção de su­bor­di­na­ção acei­ta, va­lo­ri­za­da e de­fen­di­da pe­la eli­te eco­nô­mi­ca e fi­nan­cei­ra bra­si­lei­ra.

O so­nho de ban­quei­ros bra­si­lei­ros é fi­nan­ciar a ex­plo­ra­ção da co­lô­nia pa­ra au­men­tar seus lu­cros. O de­se­jo das em­pre­sas mul­ti­na­cio­nais é ex­plo­rar, tran­spor­tar, be­ne­fi­ci­ar e co­mer­cia­li­zar o que é ex­tra­í­do da co­lô­nia. O so­nho do Sr. Te­mer e de seus li­de­ra­dos é se­rem tais co­mo eram do­na­tá­rios de ca­pi­ta­nias he­re­di­tá­rias. Os do­na­tá­rios fa­zi­am a jus­ti­ça, or­ga­ni­za­vam a ex­plo­ra­ção e rou­ba­vam a Co­roa. E o so­nho de um eco­no­mis­ta li­ga­do ao PSDB é mo­rar na Co­roa dan­do au­la nu­ma uni­ver­si­da­de ame­ri­ca­na e ser re­co­nhe­ci­do pe­lo sis­te­ma fi­nan­cei­ro que tem ba­se nos EUA.

Se­re­mos um pa­ís com Es­ta­do fra­co, sem in­te­res­ses so­ci­ais e na­ci­o­nais. Aos bra­si­lei­ros res­ta­rá tra­ba­lhar sob es­cra­vi­za­ção mo­der­na – não ra­ci­a­li­za­da, com bai­xos sa­lá­ri­os e sem qual­quer sis­te­ma de se­gu­ri­da­de so­ci­al. Não ha­ve­rá mais apo­sen­ta­do­ria. O Es­ta­do não em­pre­ga­rá re­cur­sos pa­ra re­du­zir a vul­ne­ra­bi­li­da­de so­ci­al. Os ren­tis­tas abo­ca­nha­rão os su­pe­rá­vits or­ça­men­tá­rios e en­di­vi­da­rão ain­da mais o Es­ta­do. Te­re­mos um pe­que­no mer­ca­do do­més­ti­co de con­su­mo com pro­du­tos ma­nu­fa­tu­ra­dos im­por­ta­dos da Co­roa.

A eco­no­mia bra­si­lei­ra ador­me­ce­rá na de­pres­são que se en­con­tra. Mas is­so não é con­si­de­ra­do re­le­van­te pe­los ide­ó­lo­gos da aus­te­ri­da­de. Afi­nal, a eco­no­mia bra­si­lei­ra es­ta­rá vol­ta­da pa­ra o mer­ca­do ex­ter­no.

Va­mos ex­por­tar ca­da vez mais pro­du­tos com bai­xo va­lor agre­ga­do: pe­tró­leo bru­to, ma­dei­ra, mi­lho em grãos, car­nes bo­vi­na e su­í­na, açú­car bru­to, so­ja e mi­né­rio de fer­ro. É ne­ces­sá­rio lem­brar que o tra­ba­lho com­pul­só­rio não re­mu­ne­ra­do, o la­ti­fún­dio, a mo­no­cul­tu­ra e a pro­du­ção pa­ra o mer­ca­do ex­ter­no eram as ca­rac­te­rís­ti­cas da eco­no­mia do Bra­sil co­lo­ni­al do pas­sa­do.

Por iro­nia da his­tó­ria, en­quan­to o Bra­sil es­tá ca­mi­nhan­do em di­re­ção ao pas­sa­do co­lo­ni­al, sua an­ti­ga Co­roa, Por­tu­gal, ten­ta se li­ber­tar dos pro­gra­mas de aus­te­ri­da­de im­pos­tos em 2011 pe­lo FMI, Ban­co Cen­tral Eu­ro­peu e Co­mis­são Eu­ro­peia. Em Por­tu­gal, hou­ve re­du­ção dos di­rei­tos tra­ba­lhis­tas, di­mi­nu­i­ção dos sa­lá­ri­os dos fun­cio­ná­rios pú­bli­cos, sub­tra­ção de di­rei­tos so­ci­ais, di­mi­nu­i­ção do va­lor dos be­ne­fí­ci­os so­ci­ais e pri­va­ti­za­ções.

A aus­te­ri­da­de fez Por­tu­gal au­men­tar as ex­por­ta­ções, re­for­çan­do a com­pe­ti­ti­vi­da­de atra­vés da re­du­ção sa­la­ri­al. A es­tra­té­gia de es­pe­cia­li­za­ção eco­nô­mi­ca in­ten­si­fi­cou o mo­de­lo tra­di­cio­nal­men­te do­mi­nan­te da eco­no­mia por­tu­gue­sa – bai­xos sa­lá­ri­os pa­ra pro­du­ção de bens de con­su­mo com pou­co va­lor agre­ga­do. A aus­te­ri­da­de por­tu­gue­sa foi mui­to pa­re­ci­da com o pro­gra­ma atu­al que o Bra­sil es­tá mer­gu­lhan­do.

Em Por­tu­gal, des­de 2016 com o go­ver­no do Par­ti­do So­ci­a­lis­ta e par­ti­dos de es­quer­da, já hou­ve re­com­po­si­ção dos sa­lá­ri­os dos fun­cio­ná­rios pú­bli­cos, re­du­ção da jor­na­da de tra­ba­lho do fun­cio­na­lis­mo e au­men­to do va­lor das apo­sen­ta­rias e pen­sões. E o de­sem­pre­go es­tá em que­da. O Sr. Te­mer faz o Bra­sil ca­mi­nhar pa­ra on­de Por­tu­gal che­gou e já es­tá vol­tan­do.

A re­a­ção de Por­tu­gal é um exem­plo a ser se­gui­do tan­to do pon­to de vis­ta das su­as ali­an­ças po­lí­ti­cas quan­to em re­la­ção às pro­pos­tas eco­nô­mi­cas e de re­com­po­si­ção do Es­ta­do de Bem-Es­tar So­ci­al.

 

(Jo­ão Sic­sú, pro­fes­sor do Ins­ti­tu­to de Eco­no­mia da UFRJ, foi di­re­tor de Po­lí­ti­cas e Es­tu­dos Ma­cro­e­co­nô­mi­cos do Ipea en­tre 2007 e 2011)

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