Opinião

Às favas as provas dos autos

Diário da Manhã

Publicado em 14 de junho de 2017 às 02:33 | Atualizado há 8 anos

Um dos fortes pilares que sustentam o Judiciário é a regra que orienta a decisão do julgador conforme as “provas dos autos”. Com a decisão do Tribunal Superior Tribunal Eleitoral (TSE), no julgamento da ação de cassação da chapa Dilma-Temer, esse preceito foi violentado de maneira vergonhosa, com o acompanhamento ao vivo pela maioria dos brasileiros. Para os interessados fica a sensação de uma vitória com cheiro de derrota, e para toda a nação a constatação de que temos um Poder Legislativo e Poder Executivo corruptos, bem como um  Poder Judiciário politiqueiro, que cada dia mais  se apequena. A credibilidade que tinha da opinião pública, que vinha crescendo gradativamente, foi para o lixo.

A Justiça Eleitoral não é um verdadeiro Judiciário, pois seus juízes são emprestados. Nos Estados, na Primeira Instância, os Juízes de Direito são os responsáveis pela Justiça Eleitoral. No Segundo Grau, Tribunal Regional Eleitoral, a composição acontece com julgadores emprestados pela Justiça Comum Estadual, Justiça Comum Federal e Ordem dos Advogados. Já no Superior Tribunal Eleitoral os julgadores são oriundos do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Ordem dos Advogados do Brasil.

A máxima segundo a qual as decisões judiciais não se discutem, pois devem ser cumpridas, passa a merecer pouco respeito e ter valor discutível. A parte que se julgar prejudicada pode recorrer e qualquer cidadão brasileiro, considerando que vivemos em uma democracia, pode criticar livremente. Pelo manancial de provas que constam dos autos não haveria como absolver a chapa Dilma-Temer, ocorrendo absurda agressão à verdade real. O brilhante voto do relator, que analisou exaustivamente todo processo, entrará para a história da política brasileira. Quanto aos que absolveram, sem muita convicção e até constrangidos com seus votos, serão facilmente esquecidos pois irão para o entulho da história.

Não é preciso entender muito de Direito para ter noção  que o Supremo Tribunal Federal é, também,  um tribunal político. Na instância máxima pode, e deve, ser analisada a conveniência política para o País, desde que a decisão não seja escandalosa para o olhar do cidadão comum. Todas pessoas sentem-se envergonhadas com o absurdo julgamento.  O Tribunal Superior Eleitoral não pode decidir politicamente, pois ele existe para fazer cumprir o Código Eleitoral. A lamentável absolvição só favorece os grupos organizados de criminosos que assaltam os cofres públicos. A nação inteira reclama, alegando que o julgamento foi mais uma humilhação para os brasileiros e para o País no contexto internacional. Só falta mandar às favas a opinião pública. O STE não agiu com Justiça, pois seu Presidente foi mais defensor dos bandoleiros do que os próprios advogados de defesa, gerando desequilíbrio na balança da Justiça. Fica a sensação de que a Justiça Eleitoral existe para punir prefeitos e governadores, não se aplicando as regras eleitorais para Presidente da República. Pode até parecer ao cidadão comum  que o TSE é desnecessário em nossa estrutura jurídica. Alegar que a decisão objetivou a governabilidade é um argumento falso, pois o Executivo Federal continua sangrando com o quantitativo de escândalos que se avolumam cada vez mais.

O pior de tudo é que criou precedentes. Inaugurada a jurisprudência, daqui para frente os milhares de advogados brasileiros passarão a usar, em suas argumentações, que nem sempre as provas dos autos devem prevalecer. Os julgadores, notadamente os de Primeiro Grau, poderão sentir-se desconfortáveis ao sentenciar que decidem conforme as provas dos autos. Até mesmo no absurdo crime de espancamento da esposa pelo marido pode ser alegado que, se ela perdoou, para o bem da família é preferível ignorar as provas dos autos. Para qualquer pessoa que analisa o assunto não há como entender que o julgamento anterior foi adiado para realização de diligências, abrindo-se oportunidade para a defesa que indicou, e foram ouvidas, dezenas de testemunhas, e que todas as provas produzidas não valem porque o processo já estava em andamento. E agora, como fica na Primeira Instância as provas posteriores à denúncia? As diligencias realizadas quando foi adiado o julgamento, com artimanha que beira chicana jurídica, para permitir a substituição juízes que aposentaram, por outros indicados pelo Presidente da República, certamente que exigiram muito esforço e muito dinheiro para a realização. Dinheiro do contribuinte. E agora não podem ser usadas as provas obtidas?

Os fatos são assustadores. A governabilidade que o julgamento pretendeu defender resultou justamente o contrário: além da questionada falta de legitimidade para governar, agora soma-se a violação da ordem legal. Será lamentável se resultar na paralisia decisória do Poder competente, que é o Judiciário, e acontecer a ruptura das instituições. A decisão do TSE de nada adiantou. O Governo passou a respirar sem aparelho, mas continua na UTI. Espichou mas não acabou com a agonia do Presidente da República. A sucessão de escândalos que vem a público não permitem sua saída da UTI. Enquanto isso a família sofre. E a família são todos os brasileiros.

Mesmo não concordando com os votos dos três Ministros a favor do Governo, aceita-se porquanto poderiam estar assim decidindo, sem muita convicção, pagando suas indicações para o TSE. Mas quanto ao Presidente, que é Ministro do Supremo Tribunal Federal, não há como entender. Poderia ele, em julgamento do mesmo processo no STF, alegar a necessidade política de se evitar consequências imprevisíveis. Mas no Tribunal Superior Eleitoral não, porquanto ele não é um tribunal político. Falar que Gilmar Mendes é deselegante, e que faz comentários despropositados, chega a ser eufemismo, pois é óbvio que ele é mal educado, o que pode ser verificado de forma clara no tratamento ao relator e ao representante do Ministério Público.

Nunca na história deste País o Tribunal Superior Eleitoral e, como resultado, o Judiciário como um todo foi tão diminuído, ignorando a verdade real e  mandando às favas as provas dos autos.

 

(Ismar Estulano Garcia, advogado, ex-presidente da OAB-GO, professor universitário, escritor)

]]>


Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

últimas
notícias