Opinião

Autores goianos

Diário da Manhã

Publicado em 3 de julho de 2017 às 22:26 | Atualizado há 8 anos

Leio a crônica de mestre Bariani Ortensio protestando contra a não valorização dos escritores goianos, esquecidos que foram na indicação de livros para estudantes da escola Arena Ensino Médio. Com efeito: entre os autores selecionados, o único dos nossos é Hugo de Carvalho Ramos, autor de “Tropas e Boiadas”, que vem de ser reeditado em comemoração ao centenário de sua publicação.

Não há como negar a importância desse notável contista para a literatura feita/publicada em Goiás. De igual modo, não se pode deixar de aplaudir a iniciativa daquela  instituição particular de ensino, que promove o projeto “Ler para Ser”, de incentivo à leitura.

Elaborar listagens é sempre complicado; mais ainda, quando diz respeito a livros e autores, de quem a preferência resulta de escolhas subjetivas. No caso, são relacionadas 24 obras literárias que deverão esboçar para os jovens um painel da literatura mundial e brasileira (Goiás, inclusive). Espera-se também que a leitura desperte neles o amor pelos livros e leve à fruição da literatura, como arte e como parte indissociável da vida inteligente.

Tarefa difícil! Ao todo, são 12 livros para os alunos do 1º. ano,  e outros tantos para os do 2º. ano do ensino médio.  A metade é escrita em língua portuguesa (sendo um autor português); os demais são traduções da língua inglesa (6), francesa (3), polonesa (2) e grega (1).  Privilegiam-se os da atualidade, muito embora os clássicos também estejam presentes, tais como Shakespeare e Machado de Assis. A filosofia comparece com Sartre (1), Luis Felipe Pondé em versão dita “incorreta” (1), Platão (1) e, sobretudo, Zigmunt Bauman (2), escritor polonês que está na ordem do dia entre as predileções do mundo acadêmico.

De onde se conclui que a seleção foi rigorosa e atendeu a critérios condizentes com a finalidade do projeto “Ler para Ser”. Pode-se discordar dela, é claro, mas qualquer que fosse a escolha seria sempre incompleta. Assim é que mestre Bariani Ortêncio atém-se unicamente à ausência de escritores locais, afirmando que “escritor goiano não tem vez”, sendo preterido, inclusive nas indicações feitas para os concursos vestibulares, o ENEM e provas similares.

É realmente intrigante o que vem acontecendo com a produção literária em Goiás. Cresceu de forma exponencial nos últimos anos, sendo de registrar-se o promissor mercado editorial que aqui se formou. São numerosos os bons ficcionistas, tais como romancistas e contistas, além de memorialistas e poetas. Ao que se acrescentam obras elaboradas com rigor científico, muitas resultantes de pesquisas acadêmicas.  Rara é a semana em que não há um lançamento de livro, na capital e em cidades do interior.

Entretanto, essa feição positiva não se reflete no mercado livreiro. Nas melhores livrarias, dificilmente se encontram autores goianos, tanto os de hoje, como os de ontem. Quando muito, há uma estante remota com meia dúzia de exemplares. Se dessem lucro – tal como os best-sellers – nossos livros estariam bem dispostos nos stands e gôndolas.

Por que isso acontece?  Darei alguns palpites: a produção abundante não resulta necessariamente em literatura de boa qualidade. Fiquemos com os ficcionistas: aqui como em todo o Brasil, alguns privilegiam certa escrita “de vanguarda”, desvirtuando a narrativa com preciosismos e privilegiando o hermetismo dos textos. Na outra ponta, veem-se livros produzidos ao correr do teclado, sem apuro da trama ou da psicologia dos personagens, às vezes desprezando a norma culta e até mesmo as regras gramaticais.

Claro está que há obras da melhor qualidade na literatura feita em Goiás. Romancistas, contistas, ensaístas eméritos, poetas de lira inspirada. Mesmo esses, contudo, encontram dificuldade em vender suas publicações, pelo que há uma disputa acirrada para a indicação de livros de leitura obrigatória para os vestibulandos, que anualmente se contam aos milhares. Nessa seara, entretanto, os interesses em jogo são pesados e escapam de qualquer ingerência cultural.

Reconheço que a literatura feita em Goiás é pouco reconhecida no além Paranaíba; mas insisto em que tampouco o é dentro das nossas fronteiras, a não ser por alguns poucos iniciados. Se me permitem a sugestão: que as editoras de Goiás passem a preocupar-se mais com a revisão dos livros que publicam; e que se empenhem em distribuí-los de maneira eficaz para pontos de venda de âmbito local e nacional. Esse, a meu ver, seria um primeiro passo para a divulgação e o reconhecimento dos bons autores goianos. Tudo o mais será consequência.

 

(Lena Castello Branco,lenacastelo@uol.com.br)


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