Ave-Maria!
Diário da Manhã
Publicado em 21 de junho de 2017 às 02:37 | Atualizado há 8 anosSenhor delegado.
Quando o seu escrivão se aproximou da maca, devidamente uniformizado com a jaqueta de “Polícia”, o paciente arregalou os olhos e começou já o seu depoimento com aquela sagrada e muito conhecida jaculatória*:
– Ave-Maria!?!
E seguiu em frente admirando-se assim:
– Polícia?! Até aqui no hospital?!
– E por que não, senhor Antônio?
Em frente seguiu também o seu escrivão:
– Acaso é para uma borracharia que vai alguém levar seu pulmão furado por arma de fogo? E onde tem coisa feita por arma de fogo tem polícia!
Depois desta primeira Ave-Maria passamos aos devidos registros. E começamos dizendo que o Toninho é pequenininho. Entretanto, ignorando e menosprezando suas limitadas dimensões arranjou nesta madrugada uma baita confusão. Lá no Boteco do Guto. Precisamente com o dono da retro citada empresa.
Lá bebeu, bebeu, bebeu e bebeu atéééé… todas. E assim, com os zóios já bem mareadinhos por causa daquelas tantas e nem sei mais quantas achou que uma das garçonetes estava olhando demais da conta pra ele.
– Ave-Maria…
Entendeu até que ela se postava nas mais das vezes bem pertinho da sua mesa. Para que estivesse sempre, e imediatamente à sua disposição.
– Uái, dotô’… toda garçonete tem que olhar mesmo para os fregueses. Mas aquela ‘tava olhando demais pra mim, sô! Ave-Maria!?! Daí eu peguei né, e…
E o que ele pegou, senhor delegado, foi fazer com que as pálpebras dos seus dois olhos caíssem-lhe como uma tépida cortina, até os meios do globo ocular, imprimindo assim a seu semblante um ar de profunda e mui doce ternura. Projetou a cabeça para frente nos rumos de sua mui linda e tão solícita garçonete. Simultaneamente pegou também os seus beiços, e fez com eles um bico bem redondinho, aureolado com preguinhas, e chupou. Fez com isso aquele característico ruído e… e o pau quebrou.
– Quebrou mesmo! Porque esse Guto, que é o dono da empresa, viu. E não gostou. Ave-Maria!?!
Senhor Delegado, segue o texto deste BO sempre com o depoimento da vítima:
– De primeiro, dotô, o Guto chegou de cara fechada e dispensou a garçonete pra servir outra mesa, falando que ele é que ia servir a minha. Eu não quis não, uái?! Dispensei ele também. O bicho é feio que nem ‘sombração, sô! Ave-Maria!?! ‘Indo usa brinquim no fucim! Hora que eu falei que não queria ele, mas a gata bonita, o bicho virou uma fera. Casquei fora, dotô! Ave-Maria!
Senhor delegado, o Tonim muito se admirou do brinquinho nas fossas nasais do Guto.
Entretanto, ele próprio exibia pendurada na orelha esquerda uma argola dourada pouco menor que uma rodeira de carro de boi.
Ave-Ma… quer dizer…
Bem… foi-se embora o Tonim. E já estava quase chegando em casa, perto da Panificadora Canaã, aí no Jardim Novo Mundo, quando ouviu atrás de si o ronco nervoso e muito feio de uma motocicleta Strada. Dirigindo, um negão forte e muito grandão. Na garupa, o Guto. E um trinteioitão maior que o negão.
Ipsis litteris segue o depoimento do Tonim:
– E daí, dotô, não teve conversa não. Teve tiro! Ave-Maria!?!
Um deles pegou aqui no meu braço. Outro no meu pé direito. E mais esse outro aqui na minha coxa esquerda, quase em cima das minhas coisas! Ave-Maria!?!
Ficou agora, Tonim, aos cuidados dos sacerdotes de Esculápio, neste nosocômio.
Mas o que tem a ver o Guto com o beijinho doce do Tonim…? Tudo, Autoridade! Ele não é dono só do boteco mas… da garçonete também, uai! Ave-Maria…
(Francisco de Oliveira Santos, escrivão)
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