Opinião

Baixo preço das terras públicas subsidia a grilagem

Diário da Manhã

Publicado em 16 de agosto de 2018 às 23:20 | Atualizado há 6 anos

O bai­xo pre­ço co­bra­do pa­ra re­gu­la­ri­za­ção fun­di­á­ria de ter­ras pú­bli­cas na Ama­zô­nia re­pre­sen­ta per­das fi­nan­cei­ras pa­ra o go­ver­no e ris­co so­ci­o­am­bien­tal pa­ra a re­gi­ão. A des­va­lo­ri­za­ção ge­ra lu­cro com a pos­te­ri­or ven­da da área, es­ti­mu­lan­do um ci­clo de gri­la­gem, com no­vas ocu­pa­ções ile­gais e con­fli­tos agrá­rios. A gri­la­gem tam­bém es­tá as­so­cia­da ao des­ma­ta­men­to ile­gal, pois a re­ti­ra­da de co­ber­tu­ra flo­res­tal si­na­li­za a ocu­pa­ção e o uso da área nos pe­di­dos de ti­tu­la­ção.

Al­guns de­fen­dem os bai­xos va­lo­res, ar­gu­men­tan­do que ór­gã­os fun­di­á­rios não são cor­re­to­res de imó­veis e de­vem cum­prir um di­rei­to da­que­les que aguar­dam tí­tu­los de ter­ra. Com es­se pro­ce­di­men­to, po­rém, es­que­cem que se tra­ta de um pa­tri­mô­nio pú­bli­co, ile­gal­men­te in­va­di­do e des­ma­ta­do, o qual se­rá in­cor­po­ra­do ao pa­tri­mô­nio pri­va­do sem pro­ces­so li­ci­ta­tó­rio. Tais ven­das tra­tam ape­nas de mé­di­os e gran­des imó­veis, que, se re­al­men­te cum­pris­sem o re­qui­si­to le­gal de apro­vei­ta­men­to ra­ci­o­nal da área, te­ri­am ple­nas con­di­ções de ge­rar ren­da pa­ra pa­gar seu va­lor re­al. Pe­que­nos imó­veis, de agri­cul­to­res fa­mi­lia­res, são be­ne­fi­ci­a­dos por do­a­ção. Por­tan­to, co­brar ba­ra­to pe­la ter­ra pú­bli­ca não faz jus­ti­ça so­ci­al; ao con­trá­rio, ali­men­ta o ci­clo de in­vas­ões e con­fli­tos no cam­po.

Um agra­van­te foi o go­ver­no fe­de­ral ter al­te­ra­do as re­gras de re­gu­la­ri­za­ção na Ama­zô­nia Le­gal em 2017. Fi­cou es­ta­be­le­ci­do, en­tão, que o va­lor a ser pa­go na ti­tu­la­ção de mé­di­os e gran­des imó­veis se­ri­am ir­ri­só­rios: 10% a 50% do mí­ni­mo de­fi­ni­do pe­lo In­cra. Con­si­de­ran­do imó­veis em re­gu­la­ri­za­ção até 2016, is­so re­pre­sen­ta uma per­da de até R$ 21 bi­lhões pa­ra os co­fres pú­bli­cos. Tal lei es­tá em ques­ti­o­na­men­to por três ações de in­cons­ti­tu­ci­o­na­li­da­de no Su­pre­mo Tri­bu­nal Fe­de­ral. Um dos pon­tos le­van­ta­dos é o bai­xo pre­ço da ter­ra.

Mas a des­va­lo­ri­za­ção não é ex­clu­si­va do go­ver­no fe­de­ral. As es­fe­ras es­ta­du­ais pos­su­em com­pe­tên­cia so­bre áre­as de sua ju­ris­di­ção. O es­tu­do Po­ten­ci­al de Ar­re­ca­da­ção Fi­nan­cei­ra com a Re­gu­la­ri­za­ção Fun­di­á­ria no Pa­rá, pu­bli­ca­do em ju­nho pe­lo Ins­ti­tu­to do Ho­mem e Meio Am­bi­en­te da Ama­zô­nia (Ima­zon), mos­tra que o go­ver­no es­ta­du­al pa­ra­en­se dei­xa­rá de ar­re­ca­dar até R$ 9 bi­lhões com a ti­tu­la­ção de 8.053 mé­di­os e gran­des imó­veis.

O po­ten­ci­al de ar­re­ca­da­ção che­ga a ser no­ve ve­zes me­nor. Em al­gu­mas re­gi­ões – em es­pe­ci­al nas que pos­su­em ap­ti­dão pa­ra agro­pe­cu­á­ria –, o va­lor co­bra­do re­pre­sen­ta ape­nas 7% do pre­ço do hec­ta­re. Is­so ocor­re no es­ta­do que é um dos cam­pe­ões em con­fli­tos agrá­rios. Em 2017, hou­ve au­men­to de 15% de mor­tes no cam­po em re­la­ção a 2016 no pa­ís. O Pa­rá li­de­rou es­sa tris­te es­ta­tís­ti­ca com 21 das 70 mor­tes re­gis­tra­das pe­la Co­mis­são Pas­to­ral da Ter­ra.

Pa­ra dar um bas­ta a es­se gra­ve pro­ble­ma, é fun­da­men­tal re­ver os va­lo­res de ter­ra pra­ti­ca­dos na re­gu­la­ri­za­ção fun­di­á­ria pa­ra mé­di­os e gran­des imó­veis. Co­brar o pre­ço de mer­ca­do de­ses­ti­mu­la­rá no­vas in­vas­ões e ain­da per­mi­ti­rá ar­re­ca­dar re­cur­sos pa­ra in­ves­ti­men­tos em or­de­na­men­to ter­ri­to­ri­al.

 

(Bren­da Bri­to, dou­to­ra em Ci­ên­cia do Di­rei­to pe­la Uni­ver­si­da­de Stan­ford e pes­qui­sa­do­ra as­so­cia­da ao Ins­ti­tu­to do Ho­mem e Meio Am­bi­en­te da Ama­zô­nia (Ima­zon))

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