Brasil sofre com falta de marco regulatório para exercício ilegal da Medicina
Diário da Manhã
Publicado em 2 de agosto de 2016 às 01:30 | Atualizado há 8 anosEsta semana hospitalizei um paciente depressivo que estava em “clínica de recuperação para dependentes”, sem assistência médica-psiquiátrica nenhuma. Ele é que estava se “prescrevendo” e usando medicamentos por conta própria, as quais ele tinha acesso na clínica. Era assim : um “interno” dizia para ele – “olha, toma lítio que é bom” – e aí ele tomava lítio. Durante algum tempo, usou o tal do lítio, mas, sem acompanhamento médico, intoxicou-se (é uma droga relativamente fácil de autointoxicar-se). Foi levado para uma UTI, de onde saiu numa cadeira de rodas, teve trombose venosa profunda. No entanto, voltou para a mesma “casa de recuperação”, agora sem o lítio. Lhe disseram de novo – “ah, não deu certo com o lítio, toma imipramina que é bom” . Ele começou usar, mas esta medicação é indicada para depressão unipolar, e ele tinha depressão bipolar, aí piorou, ficou mais agitado, ficou insone, irritado. Além disso, não parou de fumar, e na medicina psiquiátrica bem feita é impossível tratar bem, com estabilidade adequada, um depressivo bipolar que fuma.
Muitas vezes, os antidepressivos , nos depressivos bipolares, podem até precipitar surtos suicidas, é fato comum que a gente vê em hospitais psiquiátricos.
Pois bem, o nosso paciente, fez uso do tal antidepressivo, ficou muito agitado, irritado, insone, começou a ficar com uma psicose depressiva grave. Foi até um banheiro, amarrou uma corda e enforcou-se. Com isto, ele fez um movimento de pêndulo, bateu violentamente com a cabeça na porta do banheiro, fez um grande estrondo, chamou a atenção de outros internos, mas ficou bloqueando a porta. Isso atrasou vários minutos o seu socorro. Resultado, foi para UTI de novo, e dessa vez teve grave lesão cerebral, um tipo de lesão chamada LAD- lesão axonal difusa. Se já estava “ruim das pernas” (tanto pela trombose venosa quanto por uma polineuropatia alcoólica também não diagnosticada e tratada), agora saiu de lá numa cadeira de rodas, também com graves seqüelas cognitivas. Está, agora, em nosso hospital, paraplégico, com incontinência urinária, fecal, e demenciado. Era um rapaz de 42 anos de idade, forte, inteligente, sadio, trabalhador, antes destas tragédias todas…
Alguém foi punido ? – a família notificou alguém? – alguém foi processado por exercício incompetente da medicina? A resposta é não. Uma das causas disso tudo é que não há instrumento legal para punir ninguém, uma vez que o PT/Dilma aboliram a lei da regulamentação da Medicina. Para o PT/Dilma, de acordo com o entendimento legal vigente, qualquer pessoa não-médica é capaz de fazer diagnósticos de doenças. Se pode diagnosticar, ainda mais facilmente pode também tratar, uma vez que a compra e venda de medicações, de instrumentações cirúrgicas, é praticamente liberada no país. Hoje em dia , por exemplo, conforme amplamente divulgado nas redes sociais, já é até permitido “consultas médicas e prescrições médicas em unidades de saúde”, privadas e públicas, feitas por profissionais não-médicos… Consultas nas quais diagnostica-se doenças (sabe-se lá como) e se medica…(claro, para medicar-se alguma coisa , há de se ter diagnóstico dessa alguma coisa). Nem médicos e nem famílias de pacientes lesados- como esse descrito aí acima – têm instrumentos práticos para recorrer à Justiça face a estes descalabros. Por isso praticamente todos se calam. Até os médicos, que estão vendo o “resultado” destas seqüelas no seu dia-a-dia hospitalar, ficam impotentes. Isso também acontece porque nenhum médico tem tempo, dinheiro, assessoria legal, política, interesse corporativista, ou mesmo ódio, suficientes para encetar uma “cruzada” contra esse estado de coisas – e depois ser retaliado por entidades (ou seja, age como pessoa física e é atacado por pessoa jurídica). Sobretudo porque vendo esse tipo de caso todos os dias , praticamente a toda hora (chego a ver até uns quatro tipos de exercício incorreto da medicina por dia) , teria de virar quase que um “médico-de-porta-de-cadeia” para fazer isso.
(Marcelo Caixeta, médico psiquiatra)
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