Cada vez mais o governo deixa ao léu os “doentes não urgentes”
Diário da Manhã
Publicado em 24 de junho de 2016 às 02:42 | Atualizado há 9 anosA maior arma que os governos no Brasil têm contra os cidadãos é a baixa leitura (e profundidade) do povo brasileiro. Há coisas gritantes que, por falta de profundidade intelectual, poucos veem (ou , pelo menos, poucos falam). O SUS é um desses grandes engodos.
Cada vez mais o Governo gasta com o SUS, cada vez mais o Governo extorque impostos (inflação, p.ex., para quem não sabe, é um tipo de imposto, o “melhor” deles) dizendo que é para o SUS. No entanto, o que o Governo faz, cada vez mais, é desobrigar-se do atendimento médico-hospitalar à população. Se fosse honesto e dissesse que está diminuindo o SUS ao mesmo tempo em que está diminuindo impostos, tudo bem. No entanto, faz o contrário, ou seja, a cada vez cobra mais da população, e cada vez entrega menos do que promete.
A política velada do SUS, hoje em dia, é a de ocupar-se (ainda assim mal e porcamente) apenas de “pacientes que estão morrendo”, as chamadas urgências médicas. O resto, como no caso da psiquiatria, ele está deixando morrer mesmo. Casos onde o paciente morre devagar, casos onde a doença que mata fica escondida (p. ex., na forma de suicídio, homicídio, acidentes, overdose de drogas, afogamentos, sumiços, agressões, pressão alta/diabetes destruindo o rim, destruindo o cérebro, etc). Ou então, aquele paciente com arritmia cardíaca mal-tratada, mal diagnosticada, que irá morrer é de infarto, de derrame. Por exemplo, só nos últimos 10 anos, quase 50 hospitais fecharam em Goiás. São doentes que estão morrendo nas ruas, alguns recolhidos pela caridade pública, p. ex., casas de recuperação, que estão pegando drogados, infectados, desnutridos, psicóticos, etc. Por exemplo, cada vez o Governo gasta mais com funcionários em centros psicológicos-sociais, cada vez gasta menos com hospitais privados, e cada vez mais, quem está resolvendo é a caridade pública (p. ex., hoje há nove vezes mais doentes “internados” em casa de recuperação caritativas do que em hospitais pagos pelo SUS). Quando a caridade não resolve, o paciente morre é na rua mesmo (famílias pobres, famílias sobrecarregadas por doentes, muitas vezes não reclamam, pois sentem é alívio ). Gasta-se cada vez mais, com resolutividade cada vez menor, e quem paga é a sociedade, cada vez mais escorchada. A sociedade nunca trabalhou tanto – sem receber nada do Governo – para atender os doentes, mas o Governo nunca extorquiu tanto da sociedade, dizendo justamente que é para aumentar o atendimento. A política velada do SUS é a seguinte: “Vamos deixar de lado as doenças ‘não midiáticas’, ou seja, as doenças nas quais o paciente não morre na hora, na porta do hospital, doenças que não saem sangue, doenças que o doente e famílias não ficam gritando na porta da unidade.” É por isso que os atendimentos ambulatoriais, internações em enfermarias hospitalares, doenças crônico-degenerativas, “doenças nas quais o doente chega andando”, estão cada vez mais escassos, cada vez mais difíceis, no SUS. Estão investindo é em “leitos de doenças que sangram, doenças que gritam agudamente”, p. ex., leitos de Upas (pronto-socorros do governo), leitos de UTIs, “centros de saúde 24 h” (Cais), etc. Devagarzinho, sem que a sociedade se dê conta disso, estão passando para a sociedade pagar todas as doenças que “não gritam na urgência”. O que é pior é o seguinte: se o Governo tivesse abaixando os impostos e dizendo “olha, gente, vai sobrar mais dinheiro para vocês pagarem médicos e hospitais”, tudo bem, ainda dá pra entender. Mas o que o Governo faz é o contrário: aumenta impostos dizendo que é para “melhorar o SUS”, quando, na verdade, como mostrei acima, está é se desobrigando cada vez mais com a assistência médico-hospitalar.
(Marcelo Caixeta, médico psiquiatra)
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