Camisas étnicas
Diário da Manhã
Publicado em 20 de março de 2018 às 00:23 | Atualizado há 7 anosAbri meu guarda-roupa e percebi que além das óbvias camisas azuis com listras, e outras variações para ir trabalhar, tenho quase uma quinzena de exemplares adquiridos em minhas viagens pelo mundo afora. Tecidos diferentes, estampas coloridas, bordados, cortes ousados, botões raros e muito mais. E todas, absolutamente todas representam de alguma forma o país de onde vieram.
Vamos começar pela peça de Madagascar, ela é de manga curta, uma mescla de tergal e algodão, com lêmures (maki) de cauda anelada em miniatura ricamente bordados e um maior no bolso. O país-ilha é pobre, devastado, mas aprendeu a explorar sua riqueza de fauna e flora ímpares. Confortável e curiosa.
Outra que gosto muito é do Equador. Manga comprida, algodão cru, desenho geométrico rico em simbologias e com uma estampa dourada e delicada em punhos e gola. É o orgulho da civilização inca aliado a uma modernidade em que a moeda local é o dólar e o país pequeno totalmente aberto ao turismo.
Deparo-me com um enorme dragão (long) bordado em preto, que toma conta de metade da peça de manga curta, com botões enviesados que trespassam o meio da camisa, com suas bordas projetadas. A baía de Ha Long vem à mente imediatamente, de um Vietnã em crescimento, de uma culinária espetacular e que já se esqueceu da “Guerra Americana” que é como eles chamam o evento macabro da década de 60 por lá.
Uma camisa verde fosforescente multiuso norte-americana, a prova de raios UV, óleo e sangue. Traduz com fidelidade a América. São a prova de tudo. Patriotas e atualmente nacionalistas. Cara e funcional. Utilizada para aventuras outdoor. Mas que eu vou num churrasco ao ar livre com o maior prazer.
Uma das mais requintadas que possuo é da Mongólia. Pertence aos chefes dos clãs, é branca, manga comprida, de seda com bordados pergolados. Usada somente em ocasiões especiais, parece ser quente, mas não o é. Um país amassado entre dois gigantes, a Rússia e a China. Não perde sua identidade e muito menos a honra.
Lembranças especiais carrego com a bata grega azul e branca, adquirida em Ios, junto com uma bermuda também branca. Eu que não compro nada – exceto livros, lápis e miniaturas – me excedi ao levar um cinto também. Mas o berço da civilização ocidental merece. Seu céu e mar indescritíveis estão ainda ali. A inspirar gregos e goianos, independente da crise em que vivem.
Já perceberam que sou chegado em bordados. E Galápagos me ofereceu uma camisa branquinha e leve, carregada de tartarugas, piqueros pata-azul, golfinhos e pinguins, cada um mais bem representado que o outro. Ilha especial, onde comemoramos os quinze anos da nossa filha. Ali as pessoas respeitam os animais e estes não as temem. Um paraíso.
A coleção multicolorida do Caribe, em especial de Saint Martin, manufaturadas em um algodão finíssimo, mostram estampas de hibiscos, tartarugas marinhas, peixes, sóis e muito mais. Leves, ousadas, descompromissadas. Real representação de uma região toda abençoada pelo sol, mas castigada pelos ventos.
Minha última aquisição é uma peça chamada “Golden Picock”, uma “presidential”. Camisas feitas sob encomenda no governo de Madiba, nome local de Nelson Mandela. Dourada e preta, de um bom gosto que salta aos olhos numa África do Sul próspera e cada vez mais unida em prol do povo, independente de cor.
Aí eu fico a matutar. Qual seria a vestimenta brasileira? Tenho uma camiseta rosa, com o desenho do calçadão da Avenida Atlântica. Rio de Janeiro, um belo local onde construímos uma cidade. Agora vilipendiada, abandonada, descamisada. Falta a nós vestirmos uma camisa. Em vez de falar mal do nosso povo e país, devemos trabalhar por ele e escolhemos melhor nossos representantes. Porque senão ficaremos rasgados, sujos e malvestidos, péssima impressão étnica de nós mesmos.
(JB Alencastro, médico)
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